Transar é bom, mas…

Seane Melo
Medium Brasil
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5 min readMay 7, 2016

– O pornô tá acabando com a vida sexual das pessoas — disse um amigo no meio de uma conversa.

– Olha, eu costumava concordar com isso. Definitivamente a pornografia causa alguma coisa e é uma bobagem achar que não. Mas, não sei, mano, defender que ela é a culpa dos caras broxarem parece coisa de “pesquisa americana revela” — digo e volto a bebericar minha água com gás enquanto ele e outras pessoas da mesa retomam o assunto.

Outro dia assisti a um filme que defendia claramente isso: que a pornografia te fazia idealizar demais todo o ato sexual. E eu sei que aí tem um ponto interessante, por que eu mesma fico naquelas de imaginar se o cara não tava querendo uma performance de atriz pornô quando transamos ou se, pra ele, até que estava sendo OK lidar com a realidade. Às vezes eu embarco nessa de perfomance, sabe? Daí meio que fico calculando os movimentos e me esforçando pra fazer tudo de um jeito que seja legal de sentir e, principalmente, de ver. Mas eu não sou muito paciente e nem perfeccionista, na real. E, se eu saco que não tá rolando mais aqueles arrepios gostosos em mim, eu desisto de ser profissional e só procuro um jeito que me estimule mais.

Mas, sabe, depois de sair com uns caras que demoravam um tempão pra ficarem duros ou que precisavam ser estimulados com uma intensidade acima da média para não perderem o gás no meio da parada, eu meio que acho injusto e equivocado culpar a pornografia. E tô falando mesmo daquela pornografia masculina e hétero de pornhub.

Acho que deve ser até normal rolar uma expectativa frustrada de sensualidade, porque, até eu que não assisto essas bostas, vivo tendo isso nas preliminares. Então, e peço perdão pela expressão, tenho pensado que o buraco é mais embaixo.

Desde que conheci esse último cara com quem saí, me peguei lembrando de uma transa bem deprimente que eu tive nesses poucos anos de vida sexual ativa. Eu tava gamada no boy. Ele era lindíssimo, inteligente, interessante, maneiraço (juro que nunca falo isso) e eu tava explodindo de tesão depois de a gente ter dançado uns dois reggaes coladinhos. Tava tudo nos conforme. A noite tava incrível. Eu me sentia imbatível. Chegamos na casa dele e eu já fui sentando em cima. Ele tentou me desacelerar. Mas eu já esperei a noite toda, beiber. Não só aquela. Tava jurando que ele seria o pai dos meus filhos não planejados aos 40 anos de idade. Eu tava realmente vivendo o momento da minha vida.

Chegamos ao quarto, tiramos as roupas, começamos a putaria e, em algum momento da cena toda, eu olhei nos olhos dele. Eu lembro disso como se tivesse sido ontem, porque foi um dos momentos mais broxantes da minha vida. Eu olhei pro cara e o que eu vi foi um olhar perdido no tempo. Tentei chamar ele pra mim, fazer ele me beijar, voltar a focar em mim, mas o olhar dele estava completamente fora daquele lugar.

Esse foi o dia em que eu transei com o nada. E, cara, foi uma bosta.

Dei pra lembrar disso agora porque eu comecei a sair com outro e a nossa primeira transa foi bem pornozão. A gente fez e aconteceu. Ele me fez de origami, saiu esticando e dobrando minhas pernas como quis. Girava meu quadril, girava meu corpo todo. E conseguia manter aquela velocidade que o Brasil quer ver. Confesso que voltei pra casa com um sincero sorriso no rosto de quem começa a achar que é uma boa ideia andar com lubrificante na bolsa.

Mas esse não é o ponto. Na real, acho que só contei isso pra me gabar um pouco. Foi mal. O que realmente interessa é o que vem a seguir. A gente conseguiu manter esse padrão de transa por mais uma ou duas vezes. Até que chegou um dia em que tínhamos marcado uma foda, mas estávamos mortos de cansados. Como já estávamos lá e, aparentemente, conversar não era uma opção, começamos uma pegação minimalista. Só rolou beijo durante um tempão. Não houve muito trabalho de mão, se é que você me entende. Ficamos só ali. Desacelerando mesmo, sabe?

Ele colocou a camisinha e deitou por cima de mim. Depois de devidamente encaixados, voltamos a nos beijar. Na maior parte do tempo, eu permanecia de olhos fechados. Quando resolvi abri-los, encarei seus olhos, também abertos, concentrados em mim. Acho que paramos por alguns segundos. Ele afastou a mecha de cabelo que caía sobre um dos meus olhos e eu segurei seu rosto entre as minhas mãos. Durante todos aqueles segundos, minha mente só captava as pequenas reações de prazer do corpo dele. Um esboço de sorriso lateral, um olho que piscava, um arrepio.

Desde então, venho cada vez mais ruminando essa ideia de que o problema não é o pornô. Se duvidar o problema é a hiperconectividade ou essa dificuldade de se ficar sozinho. Antes eu não pensava que isso tinha qualquer relação com sexo, mas tenho achado que a mesma lógica que leva alguém a carregar o celular para o banheiro, para não perder tempo enquanto caga, pode explicar o incômodo em foder na mesma posição por muito tempo, saca? A gente tem essa urgência em ter o melhor, fazer o melhor e se divertir como nunca. É bom que essa transa compense o meu tempo.

Acho que, no fim das contas, o difícil mesmo é se desligar. Outro dia, tava transando e o cara me deu uma palmada certeira na bunda. Eu costumo achar isso daora. É aquela coisa que marca um ritmo na foda, entende? Só que nesse dia aí, recebi o tapa e encanei que minha bunda tinha demorado demais pra parar de balançar. Quando ele gozou, eu já tava pilhada. Tinha decidido me matricular em uma academia, me resignado a fazer o desafio de 30 dias de agachamentos de uma blogueira que vi no Instagram e já tinha refeito o planejamento financeiro do mês.

E ele nem demorou tanto assim.

Acho que se eu explicasse que amo literatura erótica e que tenho como desafio desenvolver uma narrativa atual, pouco convencional e _principalmente_ baseada em um olhar completamente feminino do sexo, esse projeto perderia um pouco da graça, né? De toda forma, se você curtiu esse texto (tem outros antes desse!), ficaria honrada demais em receber recomendações e comentários. Acho que também toparia receber uns convites para publicações, uns depósitos inesperados na minha conta bancária ou suprimento vitalício de tapioca.

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Seane Melo
Medium Brasil

Jornalista e escritora maranhense, autora do romance “Digo te amo pra todos que me fodem bem”