Um marasmo de indiferença
Enquanto no mês passado um artigo celebrando um mar de mudanças positivas no tratamento do infarto agudo do miocárdio, aqui vamos celebrando a falta de interesse do sistema de saúde em abordar este assunto. O infarto agudo do miocárdio acontece quando ocorre uma oclusão de uma das artérias do coração interrompendo o fluxo de sangue para o músculo cardíaco. O músculo cardíaco não morre instantaneamente, e ao contrário, pode durar de seis a doze horas antes que o dano seja irreversível.
Sabendo disto, é de importância fundamental que o tratamento desta condição seja feito o mais rápido possível. Uma das opções de tratamento, e que ainda é usado em muitos locais do Brasil é a trombólise. Trata-se de uma medicação que é capaz de dissolver o coágulo de sangue que se forma nestas situações propiciando o reestabelecimento do fluxo sanguíneo. Pelo próprio efeito desta medicação, existe um risco de sangramento que na pior situação pode até provocar um derrame cerebral.
O segundo tratamento é feito pelo cateterismo cardíaco. Através de uma pequena punção no punho ou na virilha, é passado um cateter que é capaz de chegar até as artérias do coração. Por dentro deste cateter pode-se tratar mecanicamente a oclusão. São utilizados balões e stents, pequenos arcabouços metálicos, que ao serem inflados são capazes de desfazer a oclusão expandindo a artéria até seu tamanho normal. Este tratamento é conhecido como angioplastia primária. Como o tratamento é localizado, a chance de reestabelecimento de fluxo sanguíneo é melhor do que com a trombólise. Por essa mesma razão os riscos são menores de derrame cerebral são menores em comparação a trombólise.
Quanto mais cedo o paciente é tratado com uma destas modalidades melhor para o paciente: mais músculo é salvo e menor o risco para o paciente. A meta para estes pacientes é que a partir do momento que um paciente entra em um serviço de saúde com um infarto agudo do miocárdio, dentro de 30 minutos para trombólise e dentro de 90 minutos para a angioplastia primária a artéria deverá ser aberta. Este é o tempo porta-balão. No artigo do New York Times estão preocupados com redução de minutos, por exemplo, 72 minutos em um caso, para menos de uma hora.
Não tenho dados nacionais. Em hospital da região da grande São Paulo angioplastia primária é procedimento de exceção. Alguns pacientes não chegam a fazer o cateterismo pois já morreram antes. É comum que sejam encaminhados pacientes para realização de cateterismo cardíaco uma semana, dez dias, um mês ou até três meses após um infarto agudo do miocárdio. Nesses que chegam, a sequela cardíaca já se instalou. São pacientes com corações que perderam parte de sua massa múscular e perdem parte de sua capacidade de bombear sangue. Neste ponto, apenas pode-se constatar o dano que já foi feito. O paciente pode começar a ter falta de ar para realizar suas atividades do dia a dia e necessitando de internações mais frequentes por conta da sequela.
Podemos tentar extrapolar os dados de mortalidade do infarto agudo do miocárdio proveniente do DATASUS em comparação aos dados americanos. A taxa de mortalidade nos Estados Unidos em uma análise até 1994 foi de 1,5 por 1000 casos de infarto para homens de 0,5 por 1000 casos de infarto para mulheres. No Brasil em 2014 a taxa de mortalidade por infarto agudo do miocárdio 10,43 por 1000 casos em homens e 14,18 por 1000 casos em mulheres.
Atenção para o problema seria um primeiro passo para sua resolução. Existe uma campanha da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista — Coração Alerta — que visa justamente chamar atenção para este problema. O custo de se lidar com as consequências da falta de tratamento pode ser até maior de que a realização do tratamento de emergência logo após o infarto. São necessárias políticas que possibilitem a organização do sistema de saúde para rápido identificação e encaminhamento destes pacientes para centros com salas de cateterismo cardíaco. É preciso sair deste marasmo para por isto em prática.