Vida Nova.

Eri6ck Lota
Medium Brasil
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8 min readAug 20, 2017

Mauricio já tinha lá para os seus 50 anos quando começava a se queixar da vida.

Trabalhava em uma repartição publica cercado de uma estressante e muito entediante rotina. Isso era cansativo demais para ele.

Ate os 30 e poucos não sabia o que era tédio profissional e muito menos tédio na vida de um modo geral, porém, apesar das queixas era feliz.

Casou-se aos 35 com uma mulher, um ano mais nova, completamente cheia de vida, amor e alegria. Viviam bem em uma enorme casa na melhor área de um bairrozinho do subúrbio, longe da barulheira das zonas sul e norte e longe do emaranhando de favelas que cercavam toda aquela área da cidade, tinham um filho de pouco mais de dois anos e aquilo era mais um motivo de felicidade para ele, mesmo com o nascimento meio que tardio do primogênito, ter um filho novo naquela idade não era algo muito comum, mas o pequeno era amado e viveria bem com a família estável que tinha.

Na hora do almoço, a esposa ligou como todo dia, conversaram amenidades por alguns minutos, conversaram sacanagem e Mauricio se sentia muito feliz de ter uma mulher que ainda tinha vontade de fazer tudo que ele necessitava, mesmo que uma vez por semana, tinha amigos que nem uma vez por mês faziam sexo e se sentia abençoado por ter a esposa que tinha. Desligaram o telefone e terminou seu almoço, voltou lentamente para seu escritório olhando a rua, prestando atenção em cada detalhe, em cada vida, em cada pessoa, respirou fundo e não permitiu que seus instintos soassem mais alto, arrumou sua gravata e quando percebeu estava de frente ao prédio de seu trabalho, entrou no elevador e seguiu para o escritório, sorria, pois como em todo horário de almoço se sentia realmente feliz com a vida que estava levando, o trabalho era apenas uma besteira que deveria levar em frente, via como um fardo que deveria carregar por sua vida tão calma e satisfatória até por que nada é perfeito.

No fim do dia terminava um relatório quando sentiu seu coração bater mais forte, seus instintos lhe diziam algo, olhou para o relógio do computador e já passava de sua hora de sair, fechou os olhos por exatos dois minutos e sua cabeça zumbia de leve, sabia que aquilo era um pressentimento mas resolveu não dar ouvidos, terminou o relatório o mais rápido possível, colocou seu blazer que estava estendido na cadeira, bateu o ponto e saiu sem falar com ninguém, queria correr para casa, o único lugar onde sentia se seguro, calmo, onde conseguia abafar tudo o que sua cabeça insistia em o obrigar a ouvir.

Pegou o trem lotado para casa, sacolejava, todos se encostando, a irritação de estar ali cercado de muitas pessoas quase sem poder respirar e com o ar condicionado falhando mudava o foco de sua cabeça e lhe dava tempo para pensar, para esquecer e finalmente chegar a sua casa.

Ainda não era noite quando desceu do trem e seguiu para casa, gostava de chegar de dia em casa mesmo sabendo que era culpa do horário de verão e que passava das sete da noite, caminhava cada vez mais rápido, enquanto caminhava sentia sua cabeça zunir mais, sentia seu peito palpitar cada vez mais forte, sentia todos os seus sentidos dizendo o que ele não queria ouvir, não queria lidar com aquilo agora, só queria chegar, deitar nos braços de sua mulher e dormir.

Quando chegou em casa o portão estava aberto, os cachorros do lado de fora e nenhum sinal de sua esposa, correu para dentro, seus cachorros atrás, a porta também aberta, parou na sala e viu a porta do quarto de seu filho escancarada como todas as outras portas da casa, luz acessas, a panela de feijão no fogo queimando, apagou, deu a ultima geral em sua casa e se desesperou.

Alguma coisa estava muito errada, sua esposa pediu ajuda e ele não ouviu, deixou o celular em modo avião como sempre fazia para não usar a internet na rua, detestava, pegou o celular do bolso e ativou o sinal, nenhuma ligação perdida, estranhou, fechou as portas, deixou os animais dentro de casa e tentou se acalmar, foi ate o portão e respirou fundo mais uma vez, mas nada, sua cabeça não zunia mais, seus batimentos haviam se normalizado, apenas o peso no peito e a dor da certeza de que algo muito ruim aconteceu, então seu celular tocou.

- Mauricio, estamos com sua esposa e seu filho, não tente nada estupido e nem chame a policia, ative a internet, enviaremos fotos e um vídeo para provar que não estamos mentindo, você pagara por tudo o que fez e assim começa nossa vingança. Não teve tempo de dizer uma palavra de resposta e a ligação se encerrou.

Não quis ligar a internet, resolveu finalmente liberar seus instintos, tirou o blazer, tirou a gravata, tirou o sapato e ouviu, ouviu o mundo, ouviu os gritos, ouviu a voz de sua mulher e de seu pequeno, ouviu palavras de raiva, palavrões e em poucos segundos identificou onde estavam não respirou fundo, se agachou e em um impulso só cortou os céus.

Voou em direção de onde sentia a presença de sua esposa, cortou os céus da cidade em menos de 10 minutos chegando em outro município, parou no ar por alguns minutos, olhou todas as casas do bairro pobre lá de cima, viu o movimento, vez por outra homens armados passavam para cima e para baixo das ruas de terra batida e lama, suas mãos tremiam de raiva e o suor lhe escoria a face mesmo com o vento gelado dos céus. Fechou os olhos e ouviu o choro de sua esposa, olhou para casa e em um impulso novamente voou em direção a casa, estourou o teto e caiu no meio do quarto onde estavam sua esposa e filho, ela olhou para ele assustada, estava feliz que ele estava ali, mas assustada da forma que ele entrou. Os bandidos, tremeram, não sabiam o que fazer, Mauricio olhou firmemente para eles.

- Quem manda em vocês? Quem é o desgraçado do seu chefe? Com as mãos cerradas ia em direção aos bandidos armados que apontavam seus fuzis na direção de Mauricio tremendo como bambu em ventania.

- Não… Não podemos falar. Desculpa ai mano, não é nada pessoal.

- Vocês tiraram minha mulher e meu filho do meu lar e vem me dizer que não é pessoal? A raiva tomava conta de Mauricio que avançava lentamente para cima dos bandidos. — me digam quem é seu chefe! AGORA! O grito fez com que os bandidos caíssem no chão, um deles apontou o fuzil para Mauricio que permanecia de pé e assim que apertou o gatilho e antes que a primeira bala saísse do cano da arma Mauricio partiu para cima dele, pegou o fuzil com uma mão apertando forte estourando a arma ao meio e com a outra mão deu um soco certeiro no rosto do homem que voou na parede com a cara estourada banhada em sangue, os outros dois tremiam deitados no chão, um chorava de medo.

- É o Eduardo seu Mauricio, Eduardo Velasques! Ele que mandou nois pegar sua esposa cara, desculpa, num mata a gente não mano. Enquanto implorava por sua vida o bandido molhava as calças, sabia com quem estava lidando, todos sabiam quem ou o que Mauricio era.

- Aquele desgraçado, só por que tem dinheiro acha que pode fazer tudo! Ele deveria ter me deixado em paz. Sigam para suas casas seus merdas. Mauricio pegou sua mulher e seu filho no colo e partiu pelo mesmo buraco no teto que fez quando chegou, os homens levantaram lentamente e saíram pela porta vendo o homem voar para longe ate desaparecer no escuro do céu sem estrelas daquela noite.

Pousou suavemente na porta de sua casa, colocou sua mulher na varanda e seu filho, a mulher pegou na mão do menino, Mauricio deu as chaves na mão da esposa que o olhava ainda com olhar de medo.

- E agora Mauricio? Como vai ser agora? Nossa vida?

- Não vai ser nada, essa historia acaba hoje.

- Por favor, amor não faça nada precipitado.

- Eu só quero continuar nossa vida sem… O celular no bolso de Mauricio toucou, os dois olharam um para o outro com um medo no olhar. — entre, vai tomar banho, descanse e esqueça o que aconteceu hoje, por favor. Atendeu ao telefone e era Eduardo, Mauricio reconheceu de imediato.

- Olá meu amigo, como esta? Bonita família! Quanto tempo não conversamos. Dizia em tom sarcástico e Maurício odiava aquele tom de voz direcionado a ele. — venha aqui na rua, quero te ver. A ligação se encerrou. Mauricio estourou seu celular na mão e seguiu para a rua, olhou ao redor e nada, percebeu que caiu em outro truque, o ódio lhe subiu a cabeça, pensou na mulher e antes que conseguisse voltar para casa houve uma explosão, sua casa estava em chamas, voou pelo ares junto com mais duas vizinhas, usou sua velocidade no máximo, invadiu a casa que ainda ruía e pegou no colo a esposa, deitada no chão desacordada em baixo da cama que voou com a explosão, ao seu lado o menino sorrindo por ver o pai ali, mesmo com a casa pegando fogo. Carregou sua família para fora, eles estavam bem, voltou para pegar seus cães, mas eles não estavam bem, morreram na explosão. Olhou ao redor em meio a destruição e o fogo para perceber como aquilo aconteceu, viu os botijões de gás, viu a armadilha e naquele momento percebeu que enquanto ele ia salvar sua esposa longe dali alguém preparava aquilo.

Saiu lentamente de casa, partes de suas roupas queimadas, sujas, os vizinhos já se amontoavam ao redor, sua esposa deitada no chão com seu filho nos braços e seu lar pegando fogo. Não aguentou, as lagrimas caíram, percebeu que sua vida desmoronava a partir daquele momento, ao longe as sirenes do bombeiro pareciam estar proximos.

Odimar, pai de Mauricio, chegou no hospital assim que soube do acontecido, entregou algumas mudas de roupa para seu filho se trocar que estava impaciente no corredor do hospital, sua esposa e seu filho passaram mal devido a fumaça, estava tudo bem mas ficariam em observação. Alguns médicos olharam para as feridas já cicatrizadas, ele estava ótimo mesmo depois de ter entrado no fogo, não sabiam o que Mauricio era.

- Meu filho, o que aconteceu? Perguntou o pai preocupado.

- A vida papai, ela sempre quer mais de mim, vinte anos depois os fantasmas voltam a me assombrar, só que agora não sou apenas eu, olha a merda que deu. Lagrimas escorriam.

- Não há nada que você não possa resolver meu filho, eles estão bem, tudo vai ficar bem. Sorria para Maurício tentando consolar seu filho.

- Tudo bem pai, tudo bem, acabou. Mauricio abraçou o pai enquanto o dia amanhecia lá fora.

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Eri6ck Lota
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"Não grites, não suspires, não te mates: escreve."