Você merece receber pelo que escreve

Marco Rigobelli
Medium Brasil
Published in
3 min readJul 27, 2015

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Ser pago como autor(a) no Brasil é talvez o maior obstáculo pra qualquer um se aventurando na escrita criativa. E não falo sobre viver de escrever, ou aquela pequena porção que enriquece escrevendo.

Tirando esse problema do caminho, preciso deixar claro que viver de escrever não é só um problema brasileiro, não é o resultado de um país que não lê, é como trabalhar com escrita criativa funciona. Nós sempre lembramos dos autores que conseguem viver dos direitos de seus livros, você provavelmente pensou em pelo menos dez deles. Agora pense: quantos são do mesmo país? Indo mais longe no exercício: você acha que escreveram todos os livros que estão nas prateleiras das livrarias? Dá pra dizer que, exceto pelo Stephen King, os autores que vivem da própria literatura são a minoria dos nomes expostos em livrarias e bibliotecas — são provavelmente 1% do total de literatura produzida. Mesmo os que vendem muito, ainda precisam de outros trabalhos para ter uma renda garantida e pagar as contas.

Os problemas dos quais falo são tão menores que mesmo autores(as) não param pra pensar nas causas deles, mas fazem questão de eventualmente reclamar mesmo assim.

Isso acontece porque escritores são membros orgulhosos e egocêntricos de nossa sociedade, para muitos ver o nome ganhando destaque no pacote de papel higiênico já seria o suficiente para uma satisfação de dois ou três dias, quando voltaria a procurar outras formas de publicação. Somos uma espécie curiosa que está disposta a pagar um dinheiro que não temos para uma editora que parece ter ainda menos do que nós só pelo prazer de ver um livro com nosso nome na capa publicado e receber pelo correio a recompensadora caixa cheia de calhamaços de papel, parte da tiragem mínima que você por contrato tem de garantir, e que uma hora vamos cansar de tentar vender e acabaremos distribuindo por aí ou usando pra construir nossa casa na rua, já que não pudemos pagar o empréstimo bancário do valor pedido pela editora. E isso acontece com uma frequência desesperadora.

Talvez reproduzindo essa cultura ou se aproveitando dela, vejo um crescimento de blogs e revistas literárias que procuram autores para publicar em troca da divulgação do trabalho. Só que divulgação não é pagamento, é favor; e passamos da fase de trocar trabalho por favores há alguns séculos. Autores e autoras merecem ser pagos e precisam aprender que o trabalho deles tem valor, porque a forma como as coisas estão hoje é muito conveniente tanto para editoras quanto para organizadores de concurso e até as pessoas responsáveis pelas revistas e blogs de antologia.

Repito, nem sempre essas pessoas agem de má fé, é até mais comum que elas simplesmente reproduzam a ideia de que divulgação serve como pagamento para o trabalho das pessoas, porque em algum momento isso fez sentido na cabeça de quase todo mundo. Mas não precisa ser assim sempre, autores e autoras devem começar a entender que o trabalho deles, mesmo no início da carreira, tem valor pelo simples motivo de ser o trabalho deles.

Se você escreve — ficção ou não — cobre pelo seu trabalho, você merece. Não se deixe levar por quem te oferece divulgação em troca de publicação gratuita porque se eles não precisam te pagar, também não precisam se esforçar na hora de divulgar. Não publique de graça em qualquer outra situação que não seja por conta própria, não deixe que outros usem seu trabalho para se promover sem te remunerar da maneira devida por isso. Porque escrever dá muito trabalho — este texto levou mais de uma hora entre o primeiro rascunho e a revisão final, mas será lido em três minutos. Seu tempo é valioso.

E você que publica os autores, pague-os. Se não tem condição, não se ofereça para publicá-los, ou encontre alternativas. A antologia Nebulosa se propôs a pagar os autores através de uma campanha de financiamento coletivo, podendo assim manter o livro disponível gratuitamente para o público. No mundo atual, as desculpas são poucas para não oferecer um trabalho profissional de verdade. Tendo que pagar seus autores, seu critério aumenta e o trabalho deles para crescer também. Então paguem os autores.

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