Whiskeria.
Andava meio perdido no Centro da Cidade, não tinha o costume de caminhar por essa área da cidade, pegou o papel amassado do bolso e se dirigiu para onde acreditava ser a rua.
Aquele dia útil estava no fim, a maioria das pessoas já se encaminharam para suas casas e as poucas que sobravam se dirigiam apressadas aos seus destinos, o céu pesado, como aqueles dias em que a chuva reside sobre a cidade, mas insiste em não cair deixando o ar frio como um dia de começo de inverno.
Ele deveria ir ao local indicado depois das 7 da noite, olhou o relógio, já eram 7 e 55, caminhou pela Rio Branco e parou em frente a rua transversal, a rua que estava escrita no papel. Desceu a Rua da Alfandega, andou quase a rua toda e quase no fim virou para o lado esquerdo meio que instintivamente e lá estava à pequena porta, preta, com alguns dizeres
colados na porta; “Whiskeria 96 – Clube para Homens”, e uma imagem da silhueta de uma mulher em uma pose sexy, colocou a mão na maçaneta e sentiu um pequeno tremor tomar conta de seu corpo, um tremor como se uma corrente elétrica tivesse atravessado sua ele, parecia um pressentimento ruim, mas já que estava ali, deveria ir até o fim.
O bar era enorme, por fora não parecia, a ideia de clube descrita na porta não coincidia com a ideia que ele criou na cabeça, olhou novamente o papel amassado do seu bolso, sabia que estava no lugar certo. Uma névoa azul e roxa tomava conta de todo o ambiente, um enorme balcão tomava a parede do canto de um salão grande tomado por espelhos e luzes coloridas ao seu redor, espalhados em locais possivelmente estratégicos estavam despesas mesas e cadeiras algumas já ocupadas por homens, alguns de terno, bebendo e conversando alto, a musica leve tomava conta do ambiente contratando com a névoa que trazia uma sensação de aconchego que não existia em bar algum, vez por outras, mulheres em roupas curtas passavam, algumas com enormes bandejas e outras sorrindo e conversando com os homens.
Um homem grande, vestindo um terno roxo, de pescoço enorme e mãos maiores colocou uma delas no ombro do rapaz que recém adentrara o bar, com sua voz grave:
- És novo! Seja bem vindo, procuras algo? Ele olhou assustado para aquele homem gigante ao seu lado que sorria.
- Sim, procura alguém que possa satisfazer minha vontade, meu desejo, o que queima meu coração e minhas entranhas. Tirou o papel amassado e deu ao homem que com a mão que o segurava no ombro pegou e leu rapidamente.
- Acho que Netuna pode lhe ajudar nessa noite. Sente ao bar e beba um dos nosso melhores whiskey. O rapaz apenas agradeceu balançando a cabeça, o homem colocou o papel entre os dedos, e assim, uma chama se ascendeu e logo aquele pequeno papel se transformou em cinzas.
Ele caminhou lentamente ate o bar, sentou ainda tonto, o barman trouxe um copo, colocou a frente e serviu o whiskey, a bebida tinha uma cor que lembrava um fim de tarde de sol, escuro e com um cheiro intenso, ele sentiu realmente uma necessidade enorme de provar a bebida depois de sentir o aroma e em um gole, virou o copo, antes que colocasse o copo novamente no balcão uma mulher de cheiro de uvas maduras e primavera sentou ao seu lado, o cheiro era parecido com o vinhedo que visitará a muitos anos atrás com seu pai e aquele aroma delicioso nunca havia deixado sua mente.
- Olá meu jovem, sou Netuna, Boris me disse o que você queria, prometo que não ira se arrepender. A menina era linda, tinha pele rosa, de um rosa intenso, cabelos vermelhos como o fogo e seus olhos verdes pareciam safiras recém lapidas que pareciam invadir os olhos e lessem sua alma. – se quiser beber mais tudo bem, mas se não pode vir comigo para conversamos melhor, em um lugar reservado, ela pegou na mão dele e o fez levantar, ele não queria beber mais e a seguiu de mãos dadas ate a área de trás do bar, ela abriu uma cortina e lá haviam alguns quartos, um corredor enorme com algumas portas, Netuna escolheu uma, abriu a porta com uma chave e entrou com o rapaz.
A névoa roxa que cobria o bar, no quarto tinha uma outra luz, outro cheiro, outra sensação, a névoa avermelhada cobria o ambiente inteiro e deixava a pele dele formigando, mas não aquele formigamento incomodo, era algo que cintilava no corpo todo do menino que sorria com a sensação. Ele olhava para a menina que sentava lentamente na cama, ela o puxou levemente, sentou e olhou diretamente para ele.
- Você esta disposto a pagar o preço? Ela perguntou olhando diretamente nos olhos do rapaz, os olhos verdes queimavam a alma dele e no fundo ele sentia medo.
- Estou, desde o momento que sai de casa. Respondeu como se espantasse o nervosismo.
- Certo! Primeiro realizarei seu pedido, depois, me conte sua historia, esta bem? Ela não tirava os olhos dos olhos do rapaz. – Agora, o trato, me de um beijo e assim selaremos o pagamento.
O rapaz se aproximou mais de Netuna que segurou nas suas duas mãos, fechou os olhos e seguiu com o rosto em direção do rosto da mulher, ela tinha lábios de um vermelho forte, não usava batom e ainda assim, era um vermelho dos mais bonitos que o rapaz já tinha visto na vida, lembrava maça recém-colhida. Beijo-a levemente, ele sentiu um calafrio que subiu as pontas dos pés a te o ultimo fio de cabelo, tremeu, o beijo ficou mais intenso, mais forte, o rapaz tremia cada vez mais, mas retribuía o beijo, então, a mulher o soltou e se afastou sorrindo.
- Certo! Feito, um terço de sua vida agora me pertence, obrigada. O rapaz se sentia mais velho, mais cansado. – agora tome o que veio buscar!
Netuna levantou, foi ate ao criado mudo que ficava do lado da cama e abriu uma gaveta, tirou um pequeno frasco da gaveta, caminhou lentamente e sentou na cama no mesmo lugar que estava antes.
- Agora, me conte sua historia, por favor, assim, quando terminar, lhe darei o frasco. Netuna colocou o frasco em cima da coxa e esperou ansiosa a historia do rapaz que não parecia mais rapaz.
- Tudo bem Netuna, te contarei tudo...
- Primeiro me diga seu nome, assim, me conte tudo, estou ansiosa.
- Calma, direi.
“Chamo-me Damian, moro bem longe daqui e vivia uma vida tranquila ate então. Casei-me com a mulher de minha vida, minha primeira namorada, esposa, amante e vivíamos bem ate então. A três anos atrás ela adoeceu e essa doença levou nossa sanidade, nossas investimentos, nossos trabalhos e quase que leva também nosso amor, mas estive ali, junto dela ate o fim e o fim veio triste, demorado, pesado e desatou sobre nosso lar. Então certo dia encontrei um homem que dizia sentir minhas dores, chegou perto de mim e estranhamente não senti medo, ele transmitia uma coisa boa mas, não consigo se quer lembrar do rosto, do nome ou da voz dele, conversamos por algum tempo e assim como você ele quis saber minha historia e por que eu parecia sofrer tanto, por fim, me deu um papel com esse endereço e que
aqui eu encontraria o que queria se estivesse disposto a pagar o preço, dar uma parte de minha vida.” Netuna sorria, um sorriso lindo, que parecia refletir no quarto inteiro.
- Certo, certo menino Damian que não é mais menino, tome o frasco, derrame o conteúdo em seus lábios e assim ela voltara, sem doença, sem dor, mas lembre-se que ela será 90% do que foi, coisas na alma dela, na mente dela e na vida dela iram mudar, de um lado bom e um lado ruim.
Damian saiu pela mesma porta que entrou com uma pressa maior de quando chegou, o frasco parecia como de perfume francês, daqueles mais caros, dentro havia um liquido azul, brilhante, a luz incidia de forma diferente explodindo em cores roxo, carmim e azul clara que assustou Damian antes de guarda-lo dentro do bolso interno de sua jaqueta, a viagem para casa seria longa, mas valeria a pena.
No ônibus que o levava para casa estava o mesmo o homem sentado no único banco ocupado, ele olhou para o rapaz rapidamente que entendeu e sentou ao seu lado.
- Como foi à experiência meu rapaz. O velho perguntou antes de Damian sentar.
- Diferente? O que eram aquelas mulheres?
- No caso de Netuna, bem, ela é uma ninfa, uma ninfa especial demais para estar ali, ela é filha de um Elemental da agua, por isso tem o poder de devolver vida, saúde e etc. o velho acendia um cigarro, o rapaz pensava que não podia fumar dentro do ônibus, mas sabia que o velho ignoraria. – ela pegou só uma parte de sua vida, você deve estar 4 ou 5 anos mais velho apenas.
- Eu sei, senti, entendi, foi muito estranho, eu não sabia que esse tipo de coisa existia. O velho olhava fixo para Damian e o rapaz reconheceu, o velho parecia o homem grande que o recepcionou na Whiskeria, só que bem mais velho mais fraco e frágil, mas resolveu não questionar, tudo já estava estranho demais.
- Então, boa volta e que tudo ocorra bem, mas nunca, nunca se arrependa ok? Disse o velho o dedo indicador levantado na direção do homem. Um vento forte bateu nas janelas do ônibus assustando o rapaz que olhou na direção contraria e quando olhou de novo o velho já não estava lá, percebeu que o velho também não era desse mundo como tudo o que ele viveu aquela noite.
A viagem demorou muito tempo, Damian desceu correndo, entrou em casa e se dirigiu para o quarto, lá estava sua esposa, morta, deitada na cama, ele olhou por um tempo, a chuva fina começava a cair lá fora, mesmo morta ele ainda a achava maravilhosamente linda. Aproximou- se, pegou o frasco, abriu a tampa e derramou nos lábios brancos da mulher, o liquido azul escorreu levemente boca adentro e em pouco tempo o liquido já não era mais visível nos lábios da mulher e nada aconteceu. Sentiu a mais pura desolação em seu peito, sentiu que tudo o que havia feito fora completamente para nada.
Desceu, abriu o armário e tirou um velho conhaque empoeirado que estava guardado alia a alguns anos, antes de casar ele gostava de beber, mas sua mulher detesta álcool, então a garrafa ficou esquecida, mas aquele dia ele precisava, necessitava esquentar o corpo, a mente inebriar a decepção. Encheu o copo, olhou para janela e a chuva caia forte, beberia sem gelo o
conhaque de cor forte, um marrom parecendo madeira antiga, encostou o copo na boca quando ouviu um barulho vindo do andar de cima, onde ficava o quarto.
- Quantas vezes te pedi pra não beber Dami? Uma voz nervosa o repreendia severamente
como se fosse uma criança mal criada. – venha e me ajude a descer as escadas, minhas pernas não me respondem direito.
Damian derramou o copo na pia, jogou a garrafa na lixeira e subiu correndo, sua mulher esperava no alto da escada que dava acesso ao quarto, a apoiou no ombro e ambos desceram as escadas bem devagar.
- Não acredito que funcionou! Como você esta meu amor? Perguntou incrédulo, olhava para ela e parecia tudo bem. A levou até o banco da cozinha que ele estava antes, ela sentou e o fitou de maneira seria.
- Sim, estou bem, mas não consigo me lembrar, não consigo me lembrar... Quanto tempo eu dormi?
- Alguns dias amor, o câncer acabou com você.
- Câncer? Eu não tenho nada, apenas dormi. Ela olhava confusa.
- Tudo bem. Damian sentiu que algo estava diferente, sentiu que a bebida mudou algo na cabeça dela, aparentemente apagou tudo o que estava relacionado a morte dela. – Fico feliz que esteja de pé novamente. Damian a abraçou e ela retribuiu.
- Eu te amo Dami.
- Também te amo Leticia.
Fim da parte 1.