A maldição dos juros baixos

Rezo todos os dias para que nenhuma economia de relevo se constipe nos próximos anos

Marco Alves
2 min readApr 26, 2014

O governo rejubila com as descidas das taxas. A descida é sem dúvida uma boa notícia para as contas públicas: pagamos menos juros pelo dinheiro que pedimos emprestado para que os serviços estatais funcionem. Quanto menos juros pagarmos, menos impostos temos de recolher. É razão para celebrar…

Mas há aqui qualquer coisa estranha. Quando os mercados resolveram penalizar-nos por termos uma dívida pública enorme e um défice público crónico, tínhamos uma dívida de ~70% do PIB e um défice de 3,7%. Agora, depois do ajustamento imposto pelos mercados e pela Troika, temos uma dívida 130% do PIB e um défice de 5% — isto para não falar do desemprego que também aumentou. Se estamos pior nos indicadores fundamentais, por que razão os mercados não continuam a penalizar-nos?

Evolução da dívida pública em percentagem do PIB: ~70% em 2008 vs ~130% em 2013
Evolução do défice público: 3,7% em 2008 vs ~5,0% em 2013

Em 2008, com a crise do subprime, os investidores (aqueles que investem em dívida pública) viram parte significativa do seu dinheiro desaparecer. Com menos dinheiro nas mãos, não tiveram dinheiro suficiente para investir em países com indicadores económicos menos sólidos — Portugal vem no fim da lista dos países desenvolvidos. Daí à subida dos juros de Portugal foi um passo: com menos gente interessada na nossa dívida, tivemos de oferecer melhor condições, ou seja, pagar juros mais altos. Resumindo, a nossa condição de maior fragilidade económica (dívida e défice) pôs-nos a jeito de sofrer bastante com um problema que nada tinha que ver connosco.

Por isso é que agora temos ainda mais razões para estarmos preocupados. Porque temos mais dívida e mais défice do que tínhamos em 2008. E mais desemprego. E mais talento que saíu do país. Somos o equivalente a um portador de HIV cujo sistema imunitário é tão frágil que qualquer corrente de ar que apanhemos ou amigo que nos tussa para cima nos pode colocar em risco de vida.

As taxas de juro podem estar a baixar porque os investidores voltaram a ter dinheiro suficiente para alocarem parte do montante a países como Portugal. É fácil de imaginar que parte deste dinheiro vem directamente do Fed, que tem injectado dinheiro no sistema económico ao longo dos últimos anos — o que tem puxado pelas bolsas.

Estes juros baixos criam-nos a ilusão que o problema está resolvido. Mas não é de todo o caso. Estamos muito mais frágeis. Rezo todos os dias para que nenhuma economia de relevo se constipe nos próximos anos. A constipação deles pode ser a nossa morte.

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