Dá pra traduzir? Como convergir as linguagens de negócios e tecnologia.

Thiago Souza dos Santos
Meiuca
Published in
4 min readJun 2, 2021

--

Foi-se o tempo em que falar o idioma inglês era um diferencial no currículo profissional de qualquer pessoa. Para quem não dominava o inglês, dava até um calafrio quando alguém dizia que precisava fazer reunião com uma empresa estrangeira. E sempre era escalado para a reunião aquela pessoa da área que falava inglês.

Na maioria das empresas, é mais ou menos isso que acontece quando as pessoas de negócios e de tecnologia se juntam para discutir alguma iniciativa ou projeto. Parece que eles estão conversando em duas linguagens bem diferentes. Por falta de um vocabulário que seja comum a estas pessoas, muitas iniciativas de tecnologia falham em entregar o valor de negócios que era esperado. O Chaos Report, que é um estudo do Standish Group sobre desenvolvimento de software, indica que mais de 60% dos projetos de software falham de alguma maneira, seja em termos de prazo, custo ou entrega de valor.

As pessoas de negócios reclamam que é difícil se comunicar com pessoas da área de tecnologia, com o seu excesso de “tecniquês” e palavras que ninguém entende. Já as pessoas da área de TI argumentam que a área de negócios não sabe articular muito bem o que deseja.

Eu comecei minha carreira como desenvolvedor e desde sempre gostava de entender primeiro qual era a necessidade de negócio antes de sair codificando. Isso era muito importante para mim, pois me poupava de refazer o meu trabalho quando ia entregar alguma coisa para a área de negócios. Eu era um tipo de desenvolvedor um pouco preguiçoso. O objetivo pra mim não era desenvolver o melhor código do mundo, mas sim desenvolver algo que resolvesse a dor do negócio da maneira mais simples e eficiente possível. Depois de algum tempo, eu descobri que gostava mais de resolver problemas usando tecnologia do que de fato escrever código.

Era um adepto dos princípios KISS (Keep it Simple, Stupid). Este termo foi usado pela primeira vez por Kelly Johnson, engenheiro aeronáutico e líder na Lockheed Skunk Works. Para exemplificar este princípio, Kelly Johnson disse ao seu time de projeto que a aeronave que eles estavam projetando deveria poder ser reparada por pessoas em situação de combate, com conhecimentos básicos de mecânica e apenas ferramentas simples. Este case do Skunk Works foi, inclusive, uma das inspirações para a criação de métodos de desenvolvimento ágil, como o Scrum.

Leonardo da Vinci dizia que a simplicidade é o último grau de sofisticação. Eu gosto de dizer que o mais difícil é fazer o simples. Não precisa enfeitar demais o pavão.

Estes princípios de simplicidade precisam ser a base para facilitar a conversa entre negócios e tecnologia. Não adianta nada falar um monte de termos técnicos, numa linguagem que ninguém entende, só para parecer a pessoa mais entendida da área de tecnologia. Às vezes, nem mesmo as outras pessoas da área de tecnologia entendem toda aquela sopa de letrinhas e nomes das novas tecnologias que acabaram de surgir no mercado.

O desafio é ser simples na comunicação, tentar explicar algum conceito técnico de uma maneira tão básica que uma pessoa que não tenha nenhum conhecimento no assunto possa entender. Uma pessoa que trabalhou comigo certa vez, costumava dizer: “me explique isso como se eu fosse a sua mãe”. Ao tentar traduzindo o “tecniquês” para uma linguagem mais simples que todo mundo entenda, aos poucos o pessoal de negócios também vai conseguindo ter uma visão da complexidade e dos desafios da área de tecnologia

Do outro lado, as pessoas de negócios devem trazer para a discussão quais são os seus reais desafios e objetivos a serem alcançados. Uma das coisas mais incômodas para alguém de tecnologia é quando já chegam com a solução e não com o problema. O gerente da área de negócios fala para o time de desenvolvimento: “A gente precisa de um appzinho que tenha só um formularinho que salva os dados do cliente”. Normalmente costumam falar assim no diminutivo para parecer que é algo fácil de desenvolver. Ao invés de trazer uma solução, as perguntas chave nesta conversa deveriam ser: Porque você precisa de um app? Qual a dor dos clientes que queremos resolver? Quais resultados queremos alcançar? Quais métricas usaremos para medir estes resultados?

Para criar uma linguagem que seja comum entre as áreas de negócios e tecnologia, acredito que todos deveriam focar na visão do cliente final e quais os objetivos de negócios precisam ser alcançados. Acredito que as discussões precisam ser mais pautadas em tentar resolver as dores e problemas dos nossos clientes e não em trazer soluções prontas. Todos precisam saber falar a linguagem dos objetivos de negócios. Mas como isso pode ficar mais claro para todos? Utilizando mais métricas e menos achismos. Converse com o cliente e deixe que ele te diga o que achou do seu produto. Construa algo com o cliente e não para o cliente. E desta forma precisaremos também de menos intérpretes nas nossas reuniões.

--

--