Aquele da London Eye: incertezas, pizza e chocolate molenga

Daiane Jardim
Melancia
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3 min readApr 28, 2019
Foto: Daiane Jardim Ano: 2018

Era uma tarde quente, me disseram que aqueles dias de sol eram raros em Londres e eu havia tido sorte.

Estava com fome, algumas moedas no bolso, não tinha mais que 20 libras para terminar aquele dia e ainda passar pelo seguinte. Achei uma lojinha perto da London Eye e comprei um pedaço de pizza quentinho e com um cheirinho delicioso.

Andava pela ponte e esperava a London Eye ascender, pela internet as imagens pareciam lindas e queria ver aquilo com meus próprios olhos.

Mas eu não estava bem. Há dias eu me sentia perdida, a paisagem de Porto se tornava comum, e às vezes até incômoda. Não sabia bem o que estava acontecendo, mas sabia que dentro havia um furacão de emoções e eu não entendia o porquê.

Enquanto caminhava pela avenida, resolvi parar e me encostar para comer a pizza e esperar as luzes se acenderem. Foi a melhor pizza que já comi na vida.

Já fazia alguns dias que eu não estava bem, porém havia planejado uma viagem sozinha (somente eu e minha mochila) por alguns países que desejava conhecer. E, finalmente, estava na cidade que eu tanto sonhei um dia. Era difícil acreditar que eu havia chegado até ali.

Dentro de mim tudo gritava no meu silêncio. Não havia para onde correr. Naquele momento me concentrei em matar a fome e ver as luzes surgirem aos pouquinhos. As ruas começaram a ficar mais vazias e a noite caia devagarinho.

Achei melhor voltar para o hostel, pois não queria ficar sozinha na rua até tarde. Então, antes de todas as luzes acenderem, decidi ir embora. Fui seguindo meu google maps e passando por algumas ruas estranhas com uma naturalidade como se eu sempre tivesse vivido ali.

O sotaque dos ingleses ao fundo, as ruas movimentadas e cheia de lixo de turistas, os chineses, a pressa, o estresse de uma cidade grande, tudo passava ao meu redor como um borrão.

Parei numa lojinha com coisas do chão ao teto, o dono indiano me encarava desconfiado, ele me olhava percorrer cada fileira e com certeza deve ter visto minha boca aberta pela quantidade de coisas que tinha naquele lugar. Mas fiquei incomodada com a situação e peguei uma barra de chocolate qualquer. Segui com meu chocolate e refletindo sobre o que eu havia sentido enquanto estava na avenida. Aquelas sensações realmente me incomodavam e mexeram comigo.

Já estava escuro, as ruas não estavam mais tão cheias e o cansaço dominava meu corpo. Estava suada, queria um banho, meus pés doíam, e meu tênis começou a mostrar sinais que iria abrir o solado.

Com minha barra de chocolate já meio molenga, fui cruzando por algumas ruas até chegar em uma árvore enorme. Atrás dela eu via luzes cor de rosa brilhando.

Questionei se aquela seria a London Eye acesa como eu queria tanto ver, mas o medo de ser assaltada não me deixou ficar por muito tempo, e percebi que sim, era ela.

Que estranho foi vê-la de costa e por outro ângulo, parecia menor, mais perto de mim, mais real como uma roda gigante de um parque do interior, e não a poderosa London Eye. Senti-me íntima daquele monte de ferro, era como vê-la por um buraquinho da porta em um momento cheio de graça e que só eu presenciava.

Parei e fiquei ali alguns minutos totalmente absorvida pela cena.

Esqueci-me do cansaço, da sede, do meu sapato abrindo e até do chocolate derretendo na minha mão.

Era isso.

Sorri um sorriso no escuro, que ninguém deve ter visto.

No meio de todo aquele furacão interno, de repente meu coração e minha mente pararam para contemplar o que meus olhos viam.

Agradeci.

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Naqueles segundos que pareceram horas, as coisas dentro deram uma pausa, uma calmaria interior que ainda não havia sentido naquele dia.

Virei às costas e entrei no ônibus.

Foi preciso entrar em várias ruas para chegar e ver o que eu mais desejava e sob outro ângulo, foi especial de certa forma, como se ela tivesse se revelado só pra mim. Pode parecer bobo, mas me senti especial, privilegiada e acima de tudo, agradecida.

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Daiane Jardim
Melancia

English and Portuguese teacher. Master's in Literature, Education and Formation. Polyglot, passionate about teaching and writing.