Brené Brown e a arte de ser vulnerável

Daiane Jardim
Melancia
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5 min readApr 30, 2019

Uma reflexão sobre trabalho, criatividade e a política do medo

Assisti ao especial da Brené Brown “A call to courage” (O poder da coragem) da Netflix, em que ela fala sobre coragem e vulnerabilidade, e como essas duas coisas andam juntas. Brené é autora best-seller de diversos livros, também é professora e pesquisadora. Em 2010 ela deu uma palestra no TEDx Houston sobre o poder da vulnerabilidade, e o vídeo viralizou sendo visto por milhares de pessoas. Esse vídeo inspirou a criação do especial “A call to courage”.

Ser vulnerável não é nenhum pouco fácil, deixar o outro ver sob a nossa armadura de fortaleza, expondo nossas emoções e cicatrizes exige coragem.

Embora seja uma palestra que se encaixa em diferentes contextos em nossa vida, quero chamar a atenção para um aspecto em especial: o trabalho.

Em um momento Brené diz que não conheceu nenhuma pessoa feliz que estivesse descontente com o seu trabalho. Logo, as duas coisas estão estritamente conectadas, não é preciso muito esforço para entendermos isso.

Ela contou que já foi chamada para palestrar em empresas, mas que os donos não queriam que ela falasse sobre vulnerabilidade, pois a política interna exigia que os funcionários fossem assertivos sempre, ou seja, não havia margens para erros.

Eu sei como é respirar o ar da assertividade, e trabalhar 8 horas por dia sobre uma pressão do medo. Certa vez, estive em um lugar em que os erros eram sempre punidos, os funcionários eram humilhados e ouviam belos gritos quando eles aconteciam. Eu mesma ouvi esses gritos quando errei e foram várias vezes.

Exigia-se que nada saísse da ordem e que ainda fossemos criativos. Mas como criar quando se está vivendo em um ambiente em que o medo domina? Criar envolve ousadia, e ousar envolve ser vulnerável. Se meus erros eram punidos, a minha única meta era somente fazer tudo certo, o que era praticamente impossível.

Lógico que isso traz consequências perigosas, os gritos eram o de menos perto da ansiedade que meu corpo gerou, do diagnóstico da síndrome de pânico e o antidepressivo na minha bolsinha de remédios. Foram meses que meu corpo funcionou no automático, e minhas emoções estavam inertes enquanto a mente definhava.

Ir ao trabalho era um teste de resistência emocional e física, um sacrifício e uma briga interna para o corpo obedecer ao meu comando de levantar, colocar uma roupa, escovar os dentes, pegar a mochila e sair.

Até que chegou o dia que o corpo não obedecia mais, pois o medo de sair de casa era grande demais, a rua me dava medo e todo tipo de paranoia me rondava. Estava com medo de sair da minha cama, de abrir a porta de casa, ali era meu único lugar seguro e que eu deveria ficar. Mas mesmo assim levantava e me achava corajosa demais por ter conseguido colocar meus pés no chão e dado passos em direção a aquele inferno.

Por meses essa foi a minha rotina: um constante medo. Trabalhava como um zumbi, e a noite voltava chorando para a casa. Meu pai presenciava minhas crises de choro no carro, e sempre me dizia: você não precisa passar por isso. Mas eu precisava, eu tinha que passar, os boletos chegavam e o medo já estava em mim até os ossos.

O tempo passou, as coisas mudaram, mas tudo gera um reflexo. E até hoje lido com as consequências que isso me gerou emocionalmente.

Este não foi o único lugar que trabalhei sob a política do medo, já passei por outros lugares em que errar também era proibido, mas com certeza esse foi o que mais extrapolou nesse quesito.

Todos nós vamos errar em algum momento, principalmente no trabalho. Erros fazem parte do processo de aprendizagem, ou seja, é bem difícil aprender algo sem errar. E, para isso precisamos estar vulneráveis.

Certa vez trabalhei como caixa e minha aptidão para números sempre foi algo questionável. Tive um problema com o sistema e com a máquina de cartão que gerou um prejuízo de 50 reais. Eu pensei que a minha chefe iria arrancar minha cabeça, já estava preparada emocionalmente para os gritos e pensando que seria descontado do meu salário. Para a minha surpresa, ela apenas me orientou, disse que naquela situação eu deveria fazer a cobrança de novo, e falou sem gritar ou me humilhar. Nunca mais errei nesse sentido e nem tive o valor descontado do meu salário. Afinal, era uma rede de livrarias milionária, eles não precisavam e o mais importante era que eu aprendesse.

Quando a empresa sabe como trabalhar com os erros dos seus funcionários, oferecem a eles a oportunidade de crescer e de serem criativos, de melhorarem. Mas quando tudo é baseado somente em acerto, o que temos não são funcionários focados em criar e buscar resultados inovadores, mas sim que trabalham apenas com o objetivo de não errar.

Sei que tenho muito ainda a aprender sobre a vulnerabilidade. Não sou um exemplo de ser humano que consegue ser vulnerável, é algo muito difícil para mim, mas que estou trabalhando.

Hoje não aceito mais entrar em empresas em que não me sinta confortável para errar, em que a minha única opção seja trazer resultados e acertos. Eu não sou um robô.

Procurar acertar o tempo todo é pesado demais, o ombro fica rijo, a postura ereta, os olhos altivos e o maxilar travado. Desde que relaxei um pouquinho meus ombros, troquei meu jeans skinny pelo moletom e alivei o maxilar, sorrir ficou mais fácil e percebi que não preciso viver sob tanta pressão assim.

Estou caminhando, não sei quando vou chegar lá, mas só pelo fato de ter dado o primeiro passo para sair do lugar me faz sentir um pouco mais feliz e talvez, um pouquinho mais vulnerável e até agora está tudo bem.

Recomendo e muito que você assista “A call to courage”, Brené é maravilhosa e tenho certeza que as reflexões desse especial mexerão um pouquinho com as coisas aí dentro de você. Afinal, às vezes tudo o que precisamos é ouvir o nosso chamado para a coragem.

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Daiane Jardim
Melancia

English and Portuguese teacher. Master's in Literature and Education. Polyglot, passionate about teaching and writing.