Como é vestir a pele do estrangeiro

Daiane Jardim
Melancia
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3 min readJul 20, 2020

A pele nova que ganhamos ao viver em outro país

Foto de acervo próprio: Daiane Jardim
Foto de acervo próprio: Daiane Jardim

Desde a primeira vez que saí do meu país eu me vi vestindo uma nova pele, uma que eu ainda não conhecia: a pele do estrangeiro.

Essa pele que está embaixo da nossa camada cotidiana, aflora quando entramos em contato com um ambiente que ainda não conhecemos, ouvindo uma nova língua e com uma cultura diferente da nossa.

Percebemos essa nova roupagem de uma forma um pouquinho mais lenta, e a vemos pelos olhos dos outros. Um dia nos darmos conta que ali naquele ambiente somos o diferente, o “intruso”, o estrangeiro.

Eu gosto desse arrepio que o sentimento de ser estrangeiro causa. Ninguém sabe quem eu sou, e eu não sei quem é ninguém. Toda essa incerteza e desconstrução me permite ter um olhar mais atento e curioso sobre tudo ao meu redor, vendo oportunidades de novas vivências e experiências que eu não teria no meu lugar comum.

Mas não só de belas paisagens e lindas descobertas é feita a vida de um estrangeiro, ainda mais quando você é mulher e latina como eu.

Na pele de uma estrangeira latina já passei por diversas experiências de todos os tipos, e pouco a pouco separo as pedrinhas que me foram lançadas. Algumas vezes fui olhada como um pedaço de carne ou com inferioridade, assim como também fui recebida com largos sorrisos sinceros que aqueceram tanto meu coração quanto o calor da minha terra.

Quando você é turista sabe que ao chegar em casa vai tirar essa pele, colocar o seu pijama quentinho e se acomodar na cama que você já conhece. Quando você decide construir sua vida em outro país, o buraco fica um pouco mais embaixo, e a pele do estrangeiro é que a você usa quando dorme e acorda. Todos os momentos que você se olhar no espelho ela estará lá, e o que te resta é se acostumar.

A pele do estrangeiro às vezes é gostosa, às vezes é dolorosa demais, e pode ter mais cicatrizes do que aquela que você trazia antes. Mas essa pele também te faz resistente, conecta seu interno com o externo, e te faz lembrar todos os dias que você é forte e corajoso para encarar um dos maiores desafios que um dia se propôs a viver.

Na minha pele há tatuagens marcadas pelos diversos momentos que vivo em terras desconhecidas, que me ensinam e me modificam. Em dias vivo anos, e as agulhas trabalham formas entre os meus poros. Todos os dias passo meus dedos por seus desenhos e me orgulho por essa pele ser resistente o suficiente para me abrigar em todos os momentos nessa minha jornada em um novo mundo.

Alguns dias são mais fáceis, outros mais difíceis, e ao pouco a pouco vou aprendendo a conviver com esse eu tão estrangeiro de mim.

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Daiane Jardim
Melancia

English and Portuguese teacher. Master's in Literature and Education. Polyglot, passionate about teaching and writing.