Folhas em branco

Daiane Jardim
Melancia
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2 min readDec 3, 2019

Folhas em branco sempre me desesperaram de alguma forma. Preencher com letras miudinhas um espaço tão grande é uma missão complicada. Eu trabalho há quatro anos preenchendo esses espaços em branco, mas a cada vez que abro meu editor de texto a sensação do “como vou fazer?” aparece.

Dessa vez ela assusta um pouco mais. Geralmente eu sei como construir meu texto, muitas vezes nem começo pelo começo, mas sim pelo meio, e depois de ter meu fim, volto e crio minha introdução. Esse é um truque usado por muitos redatores, inclusive. Parece que quando sabemos o fim, o começo se torna um pouco mais estratégico e tudo está sob nosso controle.

Eu e a escrita estamos em um embate há algumas semanas. Esse casamento entre mim e as palavras chegou a um ponto que precisamos mudar, renovar, tomar um fôlego novo, quebrar a rotina, fazer algo diferente e desafiante. Uma aventura talvez. Só que dessa vez eu me sinto uma folha em branco, olhando para o próprio reflexo e se espantando com a transparência.

Abro meu editor de texto como um pintor frente a sua paleta de cores, escolho letra por letra e deslizo sobre a página translúcida palavras que apenas nascem de dentro para fora, de fora para dentro. Tinta negra deslizando pelas teclas e formando uma poça nos meus pés.

Não sei onde é o fim, talvez tenha me perdido um pouco no meio. O começo? Foi quando me olhei no espelho.

Já vejo vocábulos, sentenças, frases inteiras, agora um pouco menos assustada com tanto espaço preenchido e o contador de caracteres anunciando que meu texto já passou das 200 palavras. Nunca imaginei que encarar o vazio de um parágrafo fosse me trazer exatamente o que eu precisava para escrever.

Sem pauta.

Uma letra atrás da outra.

Começando pelo começo.

Pensando que o fim deve ser exatamente assim: espontâneo, imprevisível, supreendentemente simples, e que apenas me traga a satisfação de tê-lo escrito.

Afinal, depois do ponto final só me basta recomeçar e ser folha em branco de novo.

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Daiane Jardim
Melancia

English and Portuguese teacher. Master's in Literature and Education. Polyglot, passionate about teaching and writing.