O que aprendi sobre comida na França

Daiane Jardim
Melancia
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5 min readNov 28, 2020
A famosa foto para chamar a atenção. Prato: Chucrute a trois poisson. Direitos: Daiane Jardim.

Tenho que começar esse texto com uma confissão, eu AMO assistir tudo o que envolve comida. Assim como também descobri que amo cozinhar, e programas culinários me inspiram a me aventurar nesse mundo.

Ao contrário de muitas pessoas, eu não tenho grandes referências gastronômicas em minha vida. Venho de uma família que cresceu com pouco e não viu fartura abundante na mesa.

Minha mãe passou fome em sua infância, e sempre me disse que essa é uma das piores dores que o ser humano pode sentir.

Assim, cresci vendo meus pais cozinhando o básico, tirando o melhor que podiam dos ingredientes como o arroz, o feijão e das verduras que minha mãe plantava.

Entendi que comida era algo sagrado e que eu tinha que ser grata por ter um prato em minha mesa. A comida tinha sempre que ser respeitada.

Durante muitos anos eu pensava que a função da comida era me satisfazer para manter o corpo em funcionamento e ter boa saúde.

Harmonização? Ponto ideal? Nunca ouvi falar disso. A comida no meu prato tinha que ser boa, gostosa de comer, e isso era o suficiente.

Nunca cozinhei muito em casa, não tive muito espaço para isso. Mas com 11 anos meu pai me ensinou a preparar arroz, feijão e carne.

Então, eu sabia o básico da cozinha, e minha mãe sempre me disse que eu deveria aprender o suficiente para “não morrer de fome” e poder se virar sozinha se um dia precisasse. Afinal, “você não vai ter pai e mãe pra cozinhar para você para sempre”, e eles estavam certos.

Contudo, as coisas começaram a mudar quando passei a viajar mais e a viver fora do país. Vi-me em frente a sabores novos, cada país tinha seu próprio “arroz e feijão” diário, que às vezes me pareciam muito diferentes.

Cada país tinha seus alimentos bases, seus contrastes, e isso me deixou animada.

Lembro-me até agora o espanto que foi pedir um prato e não vir arroz como acompanhamento. Ou ter uma refeição completa com entrada, prato principal e sobremesa. A entrada nesse dia foi uma sopa, e eu comi muito, pois pensei que aquele era o prato principal, estranhei ao ver mais comida chegando. Afinal, para mim sopa é janta sim, senhor!

Eu também entendi o quanto a comida fazia parte da cultura e da história de um povo.

Em 2019, ao me mudar para a França, me deparei com uma cultura que ama comer e onde todos falam sobre comida, não importando a idade ou o lugar.

Você vê jovens na mesa de bar tomando cerveja e falando sobre comida, assim como crianças que dizem o que amam comer. Não importa aonde você vai, a idade, a condição financeira, sempre os franceses estarão falando sobre comida, e para eles isso é algo sagrado.

Diversas vezes em uma mesa de jantar com a família do meu namorado percebi que enquanto comíamos falávamos sobre a comida, as nuances de sabor, um restaurante que conhecemos e recomendamos, enfim, tudo girava em torno desse tópico.

Com o tempo, percebi que eu também estava falando sobre comida, e fui ficando cada vez mais curiosa, tentando explorar os sabores, temperos, e apreciando cada refeição de uma forma que até então eu não tinha feito.

Durante o primeiro lockdown desse ano me peguei assistindo reality shows e programas culinários, ouvindo podcasts e tudo isso me inspirou para colocar a mão na massa. Hoje em dia cozinho quase todos os dias e fico feliz com minhas aventuras gastronômicas.

Porém, após mais de um ano vivendo em terras francesas, comecei a sentir falta da boa comida brasileira. Passei então a ver algumas receitas na internet e me peguei fazendo as comidas que mais amo no Brasil, como por exemplo o pastel.

Mesmo não encontrando a massa de pastel na região em que moro, tentei fazer a minha e voilá, deu certo. Aliás, diversos franceses que tiveram a oportunidade de experimentar gostaram muito. E, este é um dos quitutes preferidos do meu namorado francês.

Durante o confinamento eu e ele começamos a cozinhar coisas que amávamos comer, mas nunca tínhamos atrevido a fazer. Tentamos replicar os pratos dos nossos restaurantes favoritos, ele fez diversos pratos típicos franceses e da região da Alsácia e eu trouxe a minha brasilidade.

Dividimos nossas culturas através da comida e também o amor. Afinal, cozinhar é amar, pois não há nada mais precioso que cozinhar, e ver alguém feliz com algo que você preparou.

Cozinhar aquece a alma, o coração e dá um abracinho gostoso no estômago!

Eu não tenho intenção nenhuma de trabalhar profissionalmente com comida ou estudar gastronomia, mas eu estou adorando cozinhar para aqueles que amo.

Amo poder conhecer um ingrediente novo, entender que um sabor quando acrescentando a outro pode transformar um prato.

Amo a sensação incrível de preparar algo que nunca cozinhei antes.

Amo sentir meu país pertinho de mim quando faço um prato brasileiro.

Amo sentir o cheiro do alho e da cebola no óleo quente, e depois o som do arroz e seus estalinhos quando o coloco na panela. Logo lembro de casa e da Daiane de 11 anos na beira do fogão olhando seu primeiro arroz ficar pronto.

Ou quando no meu almoço coloco um espaguete para cozinhar e preparo um molho de tomate rápido com alho e cebola. Em minutos fico na frente do meu prato favorito.

Aliás, quando conto que este é meu prato favorito as pessoas ficam surpresas por ser algo muito simples. Mas para mim uma macarronada é sinônimo de fartura, comemoração e felicidade.

Quando meu pai recebia seu salário e fazia compras no mercado, ele sempre fazia uma macarronada com frango frito. No Natal, sempre tinha macarronada.

E, posso dizer que a macarronada dele é a melhor que já comi na vida.

Nem mesmo o bistrô no centro de Roma me trouxe a sensação que a comida do meu pai me trouxe.

Lembro que para o jantar um dia antes de ir pegar meu voo para França, ele fez macarronada. Minha mãe fez o arroz doce e fatiou uma melancia.

Lembro também dele dizer “eu não sei quando você vai comer uma boa melancia de novo”, então todos os dias ele trazia uma para casa. Eu e meu pai não somos muito próximos. Nossa relação é baseada em silêncio e respeito. Mas eu nunca tive dúvidas do quanto ele me ama.

E, trazer uma melancia por dia foi a forma dele expressar esse amor.

Assim, quando faço esse prato para mim, mesmo que nunca vá ser igual a dele, sinto todas essas lembranças e fico com o coração e o estômago muito felizes.

Agora em clima de Natal, eu e meu namorado fizemos biscoitos de Natal ou “Le petit gâteau du Noël” pela primeira vez. O cheiro de canela e cookies saindo do forno logo me transportaram para um sentimento novo.

Sinto que estou construindo novas memórias e, assim como meus pais, quero passar amor quando cozinho.

A França tem me ensinado muito sobre comidas, e tem me lembrado como é importante valorizar esse pequenos prazeres da vida, que nos conectam à aqueles que amamos.

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Daiane Jardim
Melancia

English and Portuguese teacher. Master's in Literature, Education and Formation. Polyglot, passionate about teaching and writing.