Sim, eu vou sozinha. E daí?

Daiane Jardim
Melancia
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3 min readFeb 16, 2019
Foto: Daiane Jardim. Paris/2018

Gosto de estar sozinha e isso não é segredo para quem convive comigo. Para mim nunca foi problema entrar num restaurante e sentar numa mesa para dois, ou ir ao cinema e ver um filme meloso acompanhada apenas da minha pipoca.

Para mim pode não ser um problema, mas percebi que para as outras pessoas é. Lembro-me de uma vez que entrei no cinema sozinha na minha cidade (que é de interior e bem pequena) para assistir um filme romântico baseado num livro que gosto bastante, e todo mundo me olhava. Parece que era errado eu assistir a história de Jojo Moyes sem um ombro másculo para me escorar.

Passei a reparar em como as pessoas me olhavam nessas situações, e lá estava ele: o dó.

O mesmo dó que um grupo de meninas me dirigiu no aeroporto enquanto esperávamos o avião para Londres e me perguntaram “mas cê vai sozinha?”

- Sim.

- Mas você não tem medo?

- Não.

Elas me olharam como se tivesse nascido um chifre de unicórnio no meio da minha testa. Uma delas me disse: “eu jamais viajaria sozinha”. Será que por medo? Reprovação? Não sei e nem perguntei.

Um pouco antes de embarcar, enquanto segurava minha mochila e esperava para entrar na aeronave, uma colega da faculdade me encontrou e fez a mesma pergunta que a moça anterior, e lá estava ele: o olhar de dó.

Comecei a me sentir um pouco incomodada, confesso.

Mas naqueles dias que foram só eu e minha mochila, percebi que me permiti muito mais do que se estivesse acompanhada. Conheci pessoas, me hospedei no couchsurfing, me abri para experiências que nunca tinha vivido antes, conversei com estranhos e respeitei o meu tempo.

E o medo?

Ele estava lá, em algum lugar. Medo do desconhecido, do perigo. Mas sempre pensei: seja uma menina esperta. E nada me aconteceu. Tomei todos os cuidados, abri o coração, pois o medo não poderia ser maior que a minha vontade de descobrir o mundo e viver todas as minhas experiências intensamente.

Ele não roubaria de mim as minhas oportunidades.

Absorvi todos os meus momentos intensamente, chorei, tirei os sapatos e sentei na grama quando já estava cansada de andar. Entrei em um bar, pedi cerveja, comi, bebi e vivi. Foram dias passando por cidades, países, ônibus, trem, aeroportos, casas, hostels, pessoas.

Quanta coisa se passou em minha mente, e em nenhum momento me senti sozinha, pelo contrário, compartilhei os momentos mais marcantes da minha vida com a minha melhor companhia: eu mesma.

Uma vez uma pessoa me disse: se não conseguimos gostar da nossa própria companhia quando estamos sozinhos é porque há algo errado. Desde então, eu acho algo incrível demais conseguir fazer coisas sozinha, ainda mais nesse mundo que todos os dias temos que lutar pelo nosso espaço e quebrar padrões.

Fazer coisas sozinha e até mesmo gostar disso é confundido com solidão ou tristeza, mas nunca consegui ver dessa forma. Penso que quando você é capaz de fazer as coisas que você gosta sem precisar esperar por alguém e gostar da própria companhia, você está passos a frente de uma evolução pessoal e de autoconhecimento. Afinal, muitas vezes é preciso ter maturidade e coragem para assumir as rédeas da própria vida.

Mas quando você é mulher e entende que a melhor companhia é a sua, causa incômodo naqueles que ainda não entendem. Olhares de dó e julgamento sempre vão nos acompanhar. Não condeno essas pessoas, acredito que assim como nós um dia decidimos dar o primeiro passo e colocar uma mochila na costa, comprar o bilhete do cinema ou sentarmos numa mesa no restaurante sozinha, essas pessoas um dia, quem sabe, conseguirão também.

Se você tem vontade de viajar sozinha ou ir àquele rodízio, que não vai porque ninguém pode ir ou nunca tem um amigo disponível, apenas vá. Viva o que você desejar viver, que todo o resto será apenas figuração a partir do momento que você assumir o protagonismo da sua vida. Isso também é uma forma de empoderamento.

Eu também amo sair com meus amigos, às vezes até viajar com eles, mas nada jamais vai ser melhor que a minha própria companhia.

Não tenha medo, não se limite. Voa, mulher!

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Daiane Jardim
Melancia

English and Portuguese teacher. Master's in Literature and Education. Polyglot, passionate about teaching and writing.