Um velhinho que falava sobre amor

Cinthia
Mellon Literário
Published in
3 min readApr 2, 2019
https://500px.com/photo/49525804/55-years-later-by-bobby-tingle

Se o poeta falar num gato, numa flor,
num vento que anda por descampados e desvios
e nunca chegou à cidade…
se falar numa esquina mal e mal iluminada…
numa antiga sacada… num jogo de dominó…
se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam de verdade…
se falar na mão decepada no meio de uma escada
de caracol…
Se não falar em nada
e disser simplesmente tralalá… Que importa?
Todos os poemas são de amor!

Mario QuintanaPoesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 474)

Você gosta de poesia?

Algumas pessoas não gostam de ler poesia, mas provavelmente gostam de ouvir a poesia interpretada em uma música ou de ver a poesia tatuada no rosto de alguém através de seu sorriso. O ser humano se agrada na beleza e na inspiração.

Eu assumo que meu sonho é ter esse talento: conseguir colocar em palavras os sentimentos, capturar aquilo que passa por nossos corações de forma abstrata e externar isso. Quero ver diante de mim, em uma folha de papel, o retrato do que são as turbulências e os deleites da alma, coisas que dentro de nós são grandiosas, mas delicadas; às vezes de forma sublime, suave e difícil de definir. Nos meus cadernos você vai encontrar várias tentativas de fazer isso, todas estão inacabadas. O sentimento é como tentar capturar uma borboleta que é muito esperta: me aproximo passo após passo, com medo de ser notada, e quando estou prestes a pegá-la as palavras somem, a mente desconecta e a borboleta sai voando. Então, simplesmente me comprazo em ver os espécimes que aqueles que conseguem ser mais velozes ou silenciosos do que eu capturaram. Quintana certamente é aquele que sempre esteve 10 passos a minha frente, capturando todas elas e me entregando como um presente, para que agora sejam minhas:

Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo… é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua…

Mario Quintana— Espelho mágico. Porto Alegre: Ed. Globo. 2005.

Como eu me identifico com esse velhinho, ele era um poetinha e um passarinho. É normal sentir saudade dele mesmo sem conhecê-lo?

Quem me conhece, sabe que eu não tenho medo de envelhecer, pelo contrário, penso tanto nisso. Meu sonho é que os cabelos brancos me tragam a verdadeira sabedoria, que a idade edifique e que o coração nunca perca a paixão. Talvez você ache que eu estou romantizando demais — eu sei que a idade traz as suas dores — mas eu vejo na velhice uma das poesias mais lindas de Deus: Ele permite que o nosso corpo se torne um livro e cada ruga e cicatriz guarde os anos. Se o tempo não envenena o coração, ele o coroa.

Que a poesia do poetinha continue fazendo sentido assim como a de tantos outros que já leram o meu coração. Eu não sei como aprisionar as borboletas que vêm ao meu jardim, mas que elas nunca deixem de vir, pois mais importante do que escrever poesia é senti-la, entendê-la e reconhecer O Autor da vida nela.

--

--