O ódio que você semeia: o cotidiano do povo negro de USA ao Brasil

A filosofia de Tupac e o reflexo do racismo estrutural e institucional que baseiam a sociedade e a polícia

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(Reprodução)

No bairro negro de Garden Heights, um casal de jovens tem o carro parado pela polícia após saírem de uma festa. A revista truculenta, baseada em acusações de sequestro, tráfico e outros crimes, acaba com Khalil (Algee Smith), motorista do veículo, baleado e morto pelo policial branco que confundiu sua escova de cabelo com uma arma. A manchete que enfoca o corpo negro no chão e que infelizmente ainda é comum, é o enredo que embasa a trama de The Hate U Give (O ódio que você semeia).

Starr Carter (Amandla Stenberg) é uma apenas uma jovem negra filha de Lisa Carter (Regina Hall), uma enfermeira, e Maverick Carter (Russell Hornsby), um dono de mercearia e ex-gangster. Ao lado de seus dois irmãos mais novos, Seven (Lamar Johnson) e Sekani (TJ Wright), formam uma família criada a base de ideias revolucionários advindos da filosofia Black Power, dos Panteras Negras e do Rap.

A vida de toda a família e sua comunidade muda após o assassinato, principalmente porque Starr era a passageira do carro naquela noite e se torna única testemunho de defesa de Khalil no julgamento que pretende absolver o policial.

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O filme foi lançado em 2018 com direção de George Tillman Jr. é adaptação do livro de mesmo ano lançado em 2017 e escrito por Angie Thomas. Baseando-se na filosofia Thug Life, implementada por Tupac Shakur, no lado oeste dos Estados Unidos nos anos 1990, a trama busca uma reflexão sobre o que os negros sofrem desde o início de sua infância.

The Hate U Give” é uma abreviação de “The Hate U Give Little Infants Fuck Everybody”, frase que deu origem a sigla Thug Life. No livro, Khalil define a filosofia como “O ódio que você passa para as criancinhas fode com todo mundo (…) Isso quer dizer que o ódio que a sociedade nos dá quando somos pequenos morde a bunda dela quando crescemos e ficamos doidos”.(THOMAS, Angie. The Hate U Give. 1ª ed. 2017, p. 21).

O código de conduta criado pelo rapper focava em proteger as comunidades negras da repressão policial e de si mesmo. Basicamente, era como um pedido para que gangs e traficantes não trouxessem para próximo das crianças a realidade que viviam, na esperança que os jovens pudessem viver algo diferente, longe do crime e principalmente do estereótipo que pressupõe culpa ao invés de inocência aos afro americanos.

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O cenário apresentado no filme poderia facilmente ser um dia comum em qualquer lugar dos Estados Unidos, mas se encaixa de maneira ainda mais coesa no Brasil. Segundo o Mapping Police Violence de 2020, no ano passado a polícia americana assassinou cerca de 1200 pessoas e, apesar de ter apenas 13% da população formada por negros, 27% das mortes foram de pessoas de cor. No mesmo período o Brasil registrou mais de 6300 mortes causadas por incursão policial segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Aqui, onde cerca 54% da população se identifica como negra ou parte, 79,1% dos mortos pelos policiais tinham a pele preta.

O racismo estrutural institucionalizado que a afeta as forças de segurança do estado brasileiro, unido ao despreparo e a ineficaz guerra as drogas servem para inflar esses números. Tivemos casos onde um guarda-chuva e uma furadeira foram confundidos com arma de fogo, um saco de pipoca com drogas e até mesmo uma família inteira alveja com mais de oitenta tiros por acharem que tinham roubado o carro em que estavam. Ainda assim, existe que não acredite no genocídio do negro brasileiro.

A ficção de O ódio que você semeia poderia facilmente ser um filme baseado em fatos reais. Infelizmente, nesse caso, de fato a vida imita a arte e por diversas vezes os jovens negros são alvejados. É doloroso assistir algo tão real, mas se torna necessário conhecer o cenário para saber como combate-lo. A filosofia de Tupac se aplica a todos as periferias do mundo, porque aonde houver o povo negro, haverá a injustiça causada por anos de exploração.

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Igor Santana
Paginas em preto — Memórias de um Griot

Jornalista, assessor da Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e programador de jogos digitais nas horas vagas. @santanaigor27