Rosa Parks: A mãe dos direitos civis para os negros americanos

A mulher que negou ceder seu lugar a um branco e liderou 381 dias de luta e protestos para garantir igualdade a seu povo

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Rosa Parks e Martin Luther King. Foto: Ebony Magazine/Public Domain

A assinatura da lei que garantia o fim da segregação racial nos Estados Unidos em 1964 foi marco de uma luta que começou pelo menos nove anos antes. Ainda em 1955, Rosa Parks negou-se a levantar para dar lugar a um homem branco e foi presa por isso. Seu cárcere gerou um boicote que quebrou o sistema de transporte do Alabama e iniciou uma caminhava vitoriosa em direção ao Movimento dos Direitos Civis Americanos.

Rosa Louise McCauley nasceu em 4 de fevereiro de 1913, na cidade de Tuskegee, no Alabama, Estados Unidos. Era negra de escravos e filha de James, um carpinteiro e Leona, professora. Cresceu em uma fazenda até a separação dos seus pais, quando ainda era uma criança, mudando-se para Detroit com sua mãe.

Depois de Detroit, Rosa e sua mãe mudaram-se novamente, desse vez para Montgomery, também no Alabama, onde a menina precisou começar a trabalhar. Devido a problemas de saúde com sua mãe e sua avó, deixou a escola ainda aos 11 anos e aprendeu a costurar para ajudar em casa.

Ainda em 1932, com seus 19 anos, Rosa se casou com Raymond Parks, de onde vem o seu sobrenome mais famoso. Seu cônjuge era barbeiro e membro da National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor ou NAACP), iniciativa defendia e buscava os direitos civis dos afro-americanos. Rosa se apaixonou pelo movimento e se tornou uma de suas militantes mais fiéis.

Rosa tomava o ônibus na Avenida Cleveland todos os dias após o trabalho para retornar a sua casa. Naquela época, em uma américa segregacionista, ainda haviam regras distintas para negros e brancos no transporte público, consideradas constitucionais desde o início dos anos 1900.

Foto: AP

Resumidamente, as pessoas brancas podiam entrar pela frente, pagar e sentar-se em qualquer banco sem ser incomodada. Ao mesmo tempo, os negros deviam entrar pela frente, pagar, descer, entrar novamente por trás do ônibus e sentar-se nos bancos traseiros, separados por uma placa moveu para “Colored People”, que representava os lugares destinados a pessoas negras.

Existe uma história da própria Rosa que conta que, em um dia chuvoso, também saindo do trabalho, tentou tomar o ônibus para casa. Pagou e ia entrando pela porta dianteira quando o motorista obrigou-a a descer. Mesmo retrucando pela tempestade que caia do lado de fora, Parks desceu para entrar pela porta traseira, mas o condutor arrancou e a deixou na chuva.

No dia 1 de dezembro de 1955, após um dos longos dias de trabalhos, Rosa foi até a mesma parada de ônibus, na Avenida Cleveland, onde tomou a lotação para voltar para casa. Ela se sentou no primeiro banco atrás da placa para Colored Peoples, ao lado de três outras pessoas negras.

A terceira parada do itinerário do ônibus ficava na Montgomery Street, 251, em frente ao antigo Teatro Empire, atual Davis Theater. Neste local entraram alguns passageiros, em geral brancos, e parte deles ficou de pé. James Blake, o motorista do ônibus, foi até o fundo do veículo e movimentou a placa que limitava o espaço dos negros e dos brancos para trás da fileira onde Rosa estava, então, todas a frente, inclusive ela, deveriam se levantar.

Monumento erguido no local onde ficava a parada de ônibus onde Rosa foi abordada. No local também há um museu em seus homenagem. Foto: Justin Sullivan.

Das quatro pessoas sentadas naquela fileira, três levantaram e apenas uma seguiu sentada. Era Rosa. Ela estava no banco ao lado do corredor e apenas mudou-se para o banco na janela. Em entrevista dada para o documentário “Eyes on the Prize”, Rosa Parks comentou que o motorista perguntou-a novamente se iria levantar e com a negativa, decidiu chamar a polícia.

— Quando ele me viu ainda sentada, perguntou se eu ia ficar de pé e eu disse: ‘Não , Eu não vou.’ E ele disse: ‘Bem, se você não se levantar, terei de chamar a polícia e mandar prendê-la.’ Eu disse: ‘Você pode fazer isso’ — Rosa Parks durante o programa de 1985.

Com a chegada dos oficiais, Rosa foi novamente questionada se levantaria. Novamente se negou. Desta vez ela conta que a conversa foi algo do tipo: “Por que vocês mexem com a gente assim?” E eles responderam “Eu não sei, mas é a lei e você está presa”. Parks foi acusada de violar a lei de segregação de Montgomery em seu artigo que dizia que negros não podem sentar-se em assentos para pessoas brancas. Amigos pagaram sua fiança e ela foi liberada no dia seguinte.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sentado no mesmo banco onde Rosa Parks foi abordada. Foto: Divulgação/Casa Branca

O julgamento de Rosa ficou marcado para o dia 5 de dezembro. Ela foi condenada ao pagamento de uma multa de $10 com mais $4 pelos custos do processo. Naquele dia os negros da cidade encontraram pelas ruas diversos folhetos pedindo para que não usassem o transporte público em apoio a Parks.

Na mesma data, depois do julgamento, os lideres dos movimentos negros e parte a comunidade afro-americana da cidade formaram a Montgomery Improviment Association. Uma reunião foi realizado na igreja da cidade, cujo o pastor que liderava era um reverendo que chegara a pouco tempo. Seu nome era Martin Luther King Jr.

— Eu conheci King antes de sermos presos. Eu o conheci em agosto de 1955, quando ele veio ser o orador convidado em uma reunião da NAACP e eu era a secretária. Fiquei muito impressionado com sua fala como orador e, claro, sua genuína amizade como pessoa — comentou Rosa sobre Martin Luther King em entrevista.

Rosa ao lado de Martin Luther King em jantar. Foto: Bettmann/GettyImage

A igreja ficou lotada por dentro e por fora, sendo necessário a instalação de autofalantes para que todos acompanhassem o que era debatido. Em certo momento, Luther King indagou a todos sobre a continuidade do processo. Aqueles que apoiassem, deveriam levantar-se. Não houve nenhum assento que se mantivesse ocupado.

Conta-se que naquela época mais de 40 mil passageiros, 75% dos usuários do transporte público de Montgomery, eram negros. Nos dias seguintes, ônibus ficaram completamente vazios. As empresas de taxi comandadas por negros concordaram em buscar as pessoas nos pontos para que eles pudessem chegar a seus trabalhos, outros caminhavam até suas empresas, mas nenhum negro cruzava a porta do coletivo. Muitos, incluindo rosa, perderam o emprego.

Dias depois do início do protesto, a Montgomery Improviment Association apresentou três demandas ao Congresso Municipal da cidade contra as leis de segregação nas empresas de ônibus. Todas rejeitadas. Desta forma o protesto seguiu por 381 dias, cerca de 13 meses.

— Não me lembro de ter sentido essa raiva, mas me senti determinada a aproveitar isso como uma oportunidade para deixar claro que não queria ser tratada daquela forma e que as pessoas já suportaram isso por muito tempo. No entanto, eu não tinha, no momento da minha prisão, nenhuma ideia de como as pessoas iriam reagir. E já que eles reagiram favoravelmente, eu estava disposto a aceitar isso — comentou Rosa em entrevista.

O sistema de transporte público da cidade acumulou prejuízos incontáveis. Em fevereiro de 1956 o boicote foi considerado pratica ilegal pela autoridades de Montgomery. Rosa Parks e Martin Luther King chegaram a ser presos por comandar o movimento. Até hoje o protesto é considerado um dos maiores realizados de forma totalmente pacífica por seus participantes, contudo, as respostas do governo e dos suprematistas brancos não foram tão amigáveis. A casa dos dois líderes chegaram a sofrer atentados.

Foto: Divulgação

Em 13 de novembro de 1956 a Suprema Corte de Montgomery considerou inconstitucional as leis que segregavam brancos e negros no transporte público do Alabama. O boicote em si só viria a ser finalizado em 20 de Dezembro. Rosa Parks não foi a primeira pessoa a lutar pelo direito de estar onde quisesse, mas por ser uma cidadã modelo, se tornou um marco do basta aos preconceitos raciais.

Ainda houveram boicotes posteriores em cidade como Birmingham, no Alabama e Tallahassee, na Florida. Nove anos depois dos eventos em Montgomery, em 1964, o presidente Lyndon Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis Americanos, tornando a segregação racial ilegal em todo o território dos Estados Unidos da América.

Diz a lenda que Rosa Parks e Martin Luther King retornaram aos ônibus após a aprovação da inconstitucionalidade das leis. Ironicamente o motorista teria sido o mesmo James Blake que expulsou a ativistas quase 10 anos antes. Na ocasião o motorista teria se direcionado ao pastor com os dizeres “É uma honra ter o senhor em meu ônibus”.

Rosa Parks seguiu como uma ativista dos movimentos em defesa dos direitos dos negros. Lançou sua autobiografia em 1992 e sua história virou filme em 2002. Neste mesmo ano, já idosa, morava em Detroit e foi despejada por falta de pagamento ao banco dono do prédio onde morava. A comoção nacional fez com que sua dívida fosse perdoada e ela morou lá até sua morte.

No dia 24 de outubro de 2005 Rosa faleceu em sua casa, aos 92 anos, de causas naturais. Ela convivia com doenças mentais e demência senil. Após sua morte todos os ônibus de Detroit tiveram seu dois primeiros acentos interditados por um laço preto. Parks foi velada com honras das forças armadas de Michigan e até mesmo o presidente americano da época, George W. Bush, esteve presente na cerimônia.

Rosa Parks e Nelson Mandela. Foto: David Turnley/Corbis

Rosa fundou o Parks Institute para trabalhar com jovens de 11 a 17 anos, ensinando-os sobre história e desenvolvimento pessoal, guiando-os para que tenham senso crítico e lutem por seus direitos e princípios. Em Montgomery foi criado o Rosa Parks Museum, na mesma calçada da famosa parada de ônibus, onde também há uma placa em sua homenagem.

O próprio ônibus onde tudo ocorreu também virou peça de museu, sendo restaurado pelo Henry Ford Museum. Hoje ele se encontra no Museu Nacional dos Direitos Civis, em Memphis, no antigo hotel onde Luther King foi assassinado em 1968.

Olhando para trás, naqueles dias, é como um sonho. A única coisa que me incomodou foi que esperamos tanto para fazer esse protesto e para deixar claro aonde quer que formos, que todos devemos ser livres e iguais e ter todas as oportunidades que os outros deveriam ter — Rosa Parks em discurso a American Academy of Achievement.

Rosa Parks recebendo de Bill Clinton a Medalha Presidencial da Liberdade. Foto: Sipa Press

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Igor Santana
Paginas em preto — Memórias de um Griot

Jornalista, assessor da Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e programador de jogos digitais nas horas vagas. @santanaigor27