Reviso meus planos #26

Nickolas Ranullo
Memórias de um pianista de bordel
4 min readJun 23, 2018

Meu aniversário, eu admito, tinha se tornou mais gostoso de comemorar nos últimos anos. A razão, disso, é claro, passava muito pela a presença da Gabriela na minha vida. Esse já era o terceiro aniversário que passávamos juntos e também era o mais tranquilo, tendo em vista os últimos. Jantamos com a família e alguns amigos, depois passamos em um barzinho, curtimos um pedaço da noite e depois fomos pra casa.

Aqui, é claro, a festa tornou-se muito mais pessoal e, como não poderia deixar de ser, muito mais deliciosa. Apesar do tempo que se passava, eu ainda achava incrível a forma que nos encaixávamos tão facilmente e tão perfeitamente. O destino realmente tinha unido nossos caminhos numa estranha mistura de amor e prazer.

No meio da madrugada, eu acordei e, antes de me levantar, eu olhei para a Gabi dormindo junto a mim. Eu via seus traços, tão delicados, a respiração tranquila enquanto dormia…

Eu, ali deitado com ela, apenas podia pensar em como tudo aquilo que eu havia vivido com ela era incrível. Quem diria… Ela tinha chego como quem não queria nada — e, de fato, ela sequer queria me dizer seu nome na noite em que nos conhecemos, mas tornou-se, aos pouquinhos, parte essencial no meu universo particular.

Levantei com todo o cuidado para não acorda-la e tomei o caminho da cozinha. A noite abraçava São Paulo e fazia com que eu visse o meu reflexo na porta que levava a sacada do apartamento. Eu parei ali exatamente da mesma forma que tinha parado alguns anos atrás, quando as coisas entre eu e a Gabriela estavam apenas começando. Os fios brancos que eu antes já não gostava, hoje eram muito mais presentes no meu rosto.

Peguei o copo com água na cozinha e me sentei no sofá. Mais um ano, menos um ano. O tempo estava passando rápido. Como eu sabia que o meu sono ainda demoraria um pouquinho para voltar, resolvi pegar o notebook e dar uma olhada nos meus e-mails, dei também uma rápida passada pelas redes sociais, vi e curti as mensagens de parabéns que eu recebi, mas deixaria para responder tudo quando eu realmente acordasse no dia seguinte.

Com o notebook no meu colo, me lembrei de uma velha ideia: a de escrever um livro. Fiquei encarando a tela em branco enquanto o cursor piscava sobre a página, esperando que as palavras aos poucos começassem a sair. Elas, porém, não saíram.

Sai na sacada do apartamento e resolvi me deitar na rede. Ao olhar a cidade que nunca dorme, resolvi me entregar aos meus devaneios.

— Então você me larga na cama e vem deitar aqui? — eu quase virei a rede com o susto que eu tomei quando ouvi a voz da Gabi.

— Moça… Por favor. Eu acabei de completar mais um ano. Eu acho que não tenho mais idade pra esses sustos — ela ria. Eu adorava vê-la assim, mesmo que fosse a custa dos meus sustos. E ela, infelizmente pra mim, adorava me dar colocar em situações assim.

— Hmmm… Pelo que vi de você algumas horas atrás, moço — ela começou a dizer, vindo na minha direção e como a noite estava um pouquinho gelada, ela acabou pegando a minha camisa e a vestiu — Eu acho que você também é quase como um bom vinho — ela me deu um beijo.

— Sério? E como seria isso? — eu respondi, lhe dando outro beijo.

— Os anos passam e eu acho que você fica apenas melhor no que faz — como é bom ter o ego alimentado.

— Hmmmm… Você apenas acha, então? —devolvi, sorrindo.

— É… — ela me deu mais um beijo, mas tratou de adicionar uma mordidinha no meu lábio.

— E como você acha que podemos tirar essa dúvida da sua cabeça de uma vez?

— Não sei… — ela me deu as costas e entrou novamente apartamento — O que acha de entrar pra vermos isso?

Ela disse isso de costas pra mim enquanto tirava a minha camisa. Ela não usava nada por baixo. Sua cabeça virou levemente, para que eu visse o malicioso sorriso que se abria em seus lábios. Era impossível resistir.

Sai da rede enquanto ela caminhava em direção ao nosso quarto. Acabei esquecendo o notebook ligado em cima da mesa de centro da sala. A página onde eu começaria a escrever seguiu em branco, com o cursor piscando. Tem histórias que podem esperar para serem contadas, mas tem outras que não podem nunca esperar para serem vividas — e deliciosamente provadas.

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Nickolas Ranullo
Memórias de um pianista de bordel

"Não digam a minha mãe que sou jornalista, prefiro que continue acreditando que toco piano num bordel".