O Sábio é um Equilibrista

Absalão Marques
Memórias Póstumas do Livro de Rostos
2 min readFeb 15, 2021
Philippe Petit equilibrando-se entre duas torres da Catedral de Notre-Dame, em 26 de junho de 1971.

Há dois extremos execráveis no relacionamento do homem com a criação: a ingratidão e a idolatria. Podemos rejeitar a bênção da criação, assim degradando-a, como também podemos engrandecê-la em demasia, arvorando-a em divindade. Com efeito, o equilíbrio, onde habita a verdade, é o grato desfrute da criação na presença do Criador.

Quanto maior a repulsa de uma pessoa a um dos extremos, tanto mais fácil é para ela identificar o equilíbrio e sua verdade com o outro extremo igualmente funesto.

É por isso que alguém que é tremendamente ingrato quanto à vida e ao testemunho dos santos pode julgar a devida honra tributada a eles como uma afeição necessariamente idólatra — o que não poderia estar mais longe da verdade. Em contrapartida, alguém que tenha em demasiada estima a tradição humana, relegando assim a Revelação nas Escrituras, pode reputar uma visão sadia e reverente da Tradição por uma infeliz ingratidão para com o desenvolvimento histórico da fé cristã.

Todo equilíbrio é perigoso: um pequeno passo em falso pode levar a pessoa a descambar inexoravelmente em um dos lados tenebrosos; ele é o caminho estreito, trilhado por todo o que é escravo da verdade, que é uma só em meio a um abismo de falsidades. Contudo, o perigo assumido é mais diminuto quando estamos em equilíbrio, porque temos dele ciência e temor; quem jaz no abismo, por outro lado, já foi enredado pela falsa segurança — não temer o perigo do abismo é, portanto, já estar envolto em suas densas trevas.

O equilíbrio é perigoso por uma simples razão: é o único caminho.

“Quem é sábio, que entenda estas coisas; quem é prudente, que as saiba, porque os caminhos do Senhor são retos, e os justos andarão neles, mas os transgressores neles cairão.” (Os XIV, 9)

Texto publicado no Facebook em 20 de novembro de 2020.

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