Branding de desastres: a importância de nomear
Este texto faz parte do nosso projeto de tradução de textos do cientista cognitivo e linguista George Lakoff, nos quais ele analisa linguística e cognitivamente o fenômeno Trump nos Estados Unidos, suas repercussões e as possibilidades de agência das pessoas perante suas políticas devastadoras.
Originalmente, o texto seria publicado nos próximos meses, no entanto, acreditamos que este artigo seja muito relevante no momento atual. Hoje, florestas nos estados do Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul ardem descontroladamente, produto da maior onda de queimadas dos últimos cinco anos. As ações do governo atual, especificamente no que toca à proteção da Amazônia, são causas indiretas de uma crise ambiental de tais proporções. O desmatamento tem aumentado vertiginosamente nos últimos meses, o diretor do INPE foi demitido após a publicação dos dados que comprovam esse aumento, Noruega e Alemanha retiraram o apoio ao fundo Amazônia. Isso apenas nos primeiros oito meses de governo.
Neste texto, Lakoff chama a atenção para o ato de nomear esse tipo de desastres. Dar o nome que os eventos merecem ajuda a criar uma narrativa que indique os seus causadores. Convidamos à leitura do texto e à nomeação coletiva do que nos fere.
Branding de desastres: a importância de nomear
03 de junio de 2017
Donald Trump conhece a importância do branding, e inclusive obtém lucros altíssimos vendendo o uso do próprio nome. No entanto, o poder do branding e do nome pode ser uma faca de dois gumes: quando um presidente cria e perpetua desastres humanos reais, podemos ligar tranquilamente o seu nome aos desastres e possibilitar que o branding do mesmo se espalhe naturalmente.
O Sr. Trump usa a palavra “desastre” metaforicamente para práticas e políticas de que ele não gosta. Mas existem desastres literais e desastres reais no mundo: enormes incêndios, enchentes devastadoras, tempestades mortais, secas importantes — desastres causados sistematicamente pelo aquecimento da atmosfera terrestre e pelos seus efeitos no sistema climático global.
O Acordo de Paris representa um esforço global, cientificamente orientado para reverter o aquecimento da atmosfera da Terra e, consequentemente, também seus efeitos literalmente desastrosos — efeitos que matam, podem começar guerras e custam trilhões.
Quando o presidente Trump tirou os Estados Unidos do acordo para esse esforço global, mostrou que a política também pode ter efeitos mortais sistemáticos; por exemplo, travar os esforços para reverter os efeitos do aquecimento e permitir que os desastres climáticos reais piorem.
Lideranças políticas e corporativas nos Estados Unidos — governadores, prefeitos, CEOs — têm se comprometido com o pacto, como se os Estados Unidos continuassem fazendo parte do esforço comunitário mundial do Acordo de Paris. Elas podem realizar muito coletivamente e precisam ser parabenizadas pela coragem moral e pelo bom senso de fazer oposição à administração Trump.
Mas nós não precisamos nos sentir indefesos diante do governo. Os cidadãos dos Estados Unidos têm poder além do voto:¹ o poder de nomear, ou de fazer branding dos desastres. Agindo coletivamente, podemos renomear todos os incêndios, as tormentas, as enchentes e as secas perpetuadas e causadas pelas ações do Sr. Trump contra o esforço global para terminar com essas catástrofes.
Dê aos maiores desastres o nome do maior responsável por perpetuá-los e por causar outros no futuro. Quando os níveis do mar aumentarem na Flórida, ou quando o aquecimento atmosférico causar evaporação massiva no Pacífico, e a névoa voar em seguida para o nordeste, resultando em enormes enchentes no meio-oeste dos Estados Unidos, chame-as de enchentes catastróficas do Trump. Quando o aquecimento atmosférico constante produzir incêndios massivos no Texas, chame-os de incêndios catastróficos do Trump.
Quando o aquecimento do Golfo do México atingir níveis acima da média histórica e trouxer furacões, chame-os de furacões Trump, e os seus efeitos, devastação Trump. Quando os efeitos sistemáticos do aquecimento atmosférico levarem à seca, com falta de água e perdas na agricultura, chame-a seca do Trump.
Não temos o costume de usar o poder que milhões de pessoas comuns têm de nomear o que as fere e o que fere o planeta que habitam e o futuro dos seus filhos e netos. É chegado o momento de usar esse poder. Apenas dê nome aos bois.
Se o branding de desastres viralizar, vai conseguir ilustrar a gravidade da oposição da administração Trump à solução da devastação causada pelo aquecimento da atmosfera terrestre. Ativistas ambientais se esforçam para convencer o público da urgência dos desastres decorrentes do aquecimento global. A retirada de Trump do Acordo de Paris criou uma situação com efeitos devastadores, de maneira que uma medida pouco usual se faz necessária. Devemos nomear a pessoa responsável por essas consequências. Chegou a hora do branding de desastres: associar desastres reais pelos quais o Trump é responsável, usando a marca Trump.
Não precisamos de mais nada do que a linguagem — liberdade de expressão garantida pela Constituição. Não precisamos marchar em protestos, nem da desobediência civil, nem de qualquer coisa que possa ser minimamente violenta. Apenas precisamos nomear as coisas. Há muito poder no ato de nomear.
Texto original: Disaster Branding: The Importance of Naming.
[1] NT: Lembrando que não só os cidadãos estadunidenses têm esse poder, mas sim todo povo em outros países.