Arte de Juliana Angel

Por que Trump?

Cecilia Farias
Membrana Linguística
15 min readAug 13, 2019

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Este é o primeiro de uma série de artigos do linguista e cientista cognitivo George Lakoff que serão traduzidos para o Membrana Linguística. Eles serão publicados seguindo a ordem original de publicação pelo autor, e por isso necessitam de alguma contextualização. Lakoff escreveu este texto no começo de 2016, momento em que Donald Trump era um pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano e se destacava por declarações que soavam absurdas para ouvidos minimamente sensatos. Não parecia que alguém com esse tipo de discurso conseguisse sequer ser escolhido pelo partido para concorrer às eleições. Mas ele estava ganhando. Como isso era possível é o que Lakoff discute aqui, usando de seu conhecimento enquanto linguista cognitivo para analisar como pensam mentes conservadoras e mentes progressistas.

Por que Trump?

2 de março de 2016

Donald Trump está ganhando as primárias presidenciais do Partido Republicano a uma velocidade tão grande que é provável que ele se torne o próximo candidato republicano à Presidência — e talvez o próximo presidente. Os democratas têm pouca compreensão de por que ele está ganhando (e ganhando com folga), e mesmo muitos republicanos não o veem como um republicano e estão tentando pará-lo, mas não sabem como. Existem várias teorias: as pessoas estão com raiva, e ele fala para a raiva delas. As pessoas não pensam muito no Congresso e querem um não-político. Ambas podem ser verdadeiras. Mas por quê? Quais são os seus detalhes? E por que Trump?

Muitas pessoas estão iludidas. Ele parece ter saído do nada. Suas posições sobre diversas questões não se encaixam em um padrão comum.

Ele gosta da Planned Parenthood,¹ da Social Security² e do Medicare,³ que não são posições tipicamente republicanas. Os republicanos odeiam desapropriações (“eminent domain”, termo usado para quando o Poder Público toma uma propriedade privada alegando utilidade pública) e amam a Trans-Pacific Partnership (o acordo de comércio TPP), mas Trump tem opiniões opostas sobre ambos os casos. Ele não é um religioso que prega práticas religiosas, mas os evangélicos (isto é, os evangélicos brancos) o amam. Ele acha que os seguros de saúde e as empresas farmacêuticas, assim como empreiteiros militares, estão tendo muito lucro, e ele quer mudar isso. Ele insulta grandes grupos de eleitores, por exemplo, latinos, enquanto a maioria dos republicanos estão tentando cortejá-los. Ele quer deportar 11 milhões de imigrantes sem documentos — e acha que pode. Ele quer impedir que todos os muçulmanos entrem no país. O que está acontecendo?

A resposta requer um pano de fundo ainda não discutido pela mídia.

Alguns antecedentes…

Eu trabalho na área das ciências cognitivas e cerebrais. Na década de 1990, me comprometi a responder a uma pergunta no meu campo: como as várias posições políticas dos conservadores e progressistas se articulam entre si? Tomemos como exemplo o conservadorismo: o que ser contra o aborto tem a ver com ser a favor do porte armas? O que as armas têm a ver com negar a realidade do aquecimento global? Como é que ser antigoverno se encaixa com querer um exército mais forte? Como você pode ser pró-vida e a favor da pena de morte? Os progressistas têm visões opostas. Como suas visões estão articuladas entre si?

A resposta veio de uma percepção de que tendemos a compreender a nação metaforicamente nos termos de uma família: nós temos pais fundadores. Enviamos nossos filhos e filhas para a guerra. Temos o Homeland Security.⁴ As visões de mundo conservadoras e progressistas que dividem o nosso país podem ser facilmente compreendidas em termos de pontos de vista morais encapsulados em duas formas comuns, muito diferentes entre si, de vida familiar: a família Pai Acolhedor (progressista) e a família Pai Rigoroso (conservadora).⁵

O que as questões sociais e a política têm a ver com a família? Somos governados pela primeira vez nas nossas famílias, e então crescemos entendendo as instituições governamentais de acordo com os sistemas de governo das famílias.

Na família Pai Rigoroso, o pai sabe mais. Ele sabe o que é certo e o que é errado e é a autoridade final que garante que seus filhos e sua esposa façam o que ele diz, que é tomado como o certo. Muitas esposas conservadoras aceitam essa visão de mundo, defendem a autoridade do pai e são rigorosas nas áreas da vida familiar das quais são responsáveis. Quando seus filhos desobedecem, é dever moral do pai puni-los dolorosamente, o suficiente para que, para evitar a punição, os filhos o obedeçam (façam o que é certo), e não apenas façam o que gostam. Por meio da disciplina física, eles devem se tornar pessoas disciplinadas, internamente fortes e capazes de prosperar no mundo. E se eles não prosperarem? Isso significa que eles não são disciplinados e, portanto, são merecedores de sua pobreza. Esse raciocínio aparece na política conservadora, segundo a qual os pobres são vistos como preguiçosos e indignos, e os ricos como merecedores de sua riqueza. A responsabilidade é, portanto, vista como responsabilidade pessoal e não como responsabilidade social. O que você se torna é apenas responsabilidade sua; a sociedade não tem nada a ver com isso. Você é responsável por si mesmo, não pelos outros — que, por sua vez, são responsáveis por si mesmos.

Vencendo e insultando

Como o lendário treinador do Green Bay Packers,⁶ Vince Lombardi, disse, “Vencer não é tudo. É a única coisa”. Em um mundo governado por responsabilidade pessoal e disciplina, aqueles que vencem merecem vencer. Por que Donald Trump insulta outros candidatos e líderes políticos publicamente sem piedade? É simples: porque ele sabe que pode vencer um jogo de insultos num programa de TV. Aos olhos dos conservadores, isso faz dele um formidável candidato de sucesso que merece ser um candidato vencedor. A competição eleitoral é vista como uma batalha. Insultos que colam são vistos como vitórias — merecidas vitórias.

Considere a afirmação de Trump de que John McCain não é um herói de guerra. O raciocínio: McCain foi abatido. Heróis são vencedores. Eles derrotam os caras maus. Eles não são derrubados. As pessoas que são derrubadas, espancadas e presas em uma cela são perdedoras, não vencedoras.

A hierarquia moral

A lógica do Pai Rigoroso se estende ainda mais. A ideia básica é que a autoridade é justificada pela moralidade, e que, em um mundo bem ordenado, deve haver (e tradicionalmente tem existido) uma hierarquia moral em que aqueles que têm tradicionalmente dominado devem dominar. A hierarquia é: Deus acima do ser humano, o ser humano acima da natureza, o disciplinado (forte) acima do indisciplinado (fraco), o rico acima do pobre, patrões acima dos trabalhadores, adultos acima das crianças, a cultura ocidental acima de outras culturas, nosso país acima de outros países. A hierarquia se estende a: homens acima das mulheres, brancos acima de não-brancos, cristãos acima de não-cristãos, heterossexuais acima de homossexuais.

Vemos essas tendências na maioria dos candidatos republicanos à Presidência, bem como em Trump, e em geral as políticas conservadoras vêm da visão de mundo Pai Rigoroso e dessa hierarquia.

Visões de mundo moralizantes baseadas na família têm raízes profundas. Uma vez que as pessoas querem se ver fazendo o certo, e não o errado, visões de mundo moralizantes tendem a ser parte da nossa autodefinição — quem você é lá no fundo. E, assim, a sua visão moral de mundo define como você acha que o mundo deveria ser. Quando ele não é como se espera, a pessoa pode ficar frustrada e irritada.

Há certo espaço de mobilidade na visão de mundo Pai Rigoroso, e há variações importantes. Uma divisão importante ocorre entre: 1) brancos cristãos evangélicos; 2) os conservadores do livre mercado e do laissez-faire; e 3) conservadores pragmáticos que não estão vinculados a crenças evangélicas.

Evangélicos brancos

Os brancos que têm uma visão de mundo pessoal do Pai Rigoroso e são religiosos tendem ao cristianismo evangélico, de modo que Deus, no cristianismo evangélico, seria o pai rigoroso por excelência: você segue seus mandamentos e vai para o Céu; você desafia seus mandamentos e queima no Inferno por toda a eternidade. Se você é um pecador e quer ir para o céu, você pode “renascer” declarando sua lealdade, escolhendo seu filho, Jesus Cristo, como seu Salvador pessoal.

Essa versão de religião é natural para aqueles com a moralidade do Pai Rigoroso. Os cristãos evangélicos entram na igreja porque são conservadores; eles não se tornam conservadores porque entraram em uma igreja evangélica, embora essas realidades possam co-ocorrer.

O cristianismo evangélico gira em torno da vida familiar. Assim, há organizações como a Focus on the Family⁷ e referências constantes aos “valores da família”, voltadas aos valores evangélicos da visão do Pai Rigoroso. Segundo a moralidade do Pai Rigoroso, é o pai que controla a sexualidade e a reprodução, a igreja tem controle político, há leis que exigem o consentimento dos pais e dos cônjuges no caso de intenção de aborto.

Os evangélicos são muito organizados politicamente e exercem controle sobre um grande número de disputas políticas locais. Portanto, os candidatos republicanos têm de se aliar sobretudo aos evangélicos se quiserem ser nomeados e ganhar eleições locais.

Conservadores pragmáticos

Os conservadores pragmáticos, por outro lado, não precisam ter uma orientação religiosa. Em vez disso, eles podem garantir principalmente sua própria autoridade pessoal, e não a autoridade da igreja, ou de Cristo, ou de Deus. Eles querem ser pais rigorosos em seus próprios domínios, com autoridade principalmente sobre suas próprias vidas. Assim, um jovem conservador solteiro — homem ou mulher — pode querer ter relações sexuais sem se preocupar com o casamento. Eles podem precisar de acesso à contracepção, aconselhamento sobre doenças sexualmente transmissíveis, informações sobre o câncer do colo do útero, e assim por diante. E se uma menina ou uma mulher fica grávida e não há possibilidade ou desejo de casamento, um aborto pode ser necessário.

Trump é um conservador pragmático por excelência. E ele sabe que há muitos eleitores republicanos que são como ele em seu pragmatismo. Há uma razão para ele gostar da Planned Parenthood. Existe um monte de jovens conservadores pragmáticos solteiros (ou mesmo casados) que podem precisar do que a Planned Parenthood tem a oferecer — preço baixo e confidencialidade.

Do mesmo modo, tanto os conservadores pragmáticos jovens como os de meia-idade querem maximizar sua própria riqueza. Eles não querem arcar com o fardo financeiro de cuidar de seus pais. A Social Security e o Medicare os livram da maioria dessas responsabilidades. É por isso que Trump quer manter a Social Security e o Medicare.

Defensores do livre mercado e do laissez-faire

As políticas conservadoras dominantes não têm sido moldado apenas pelo poder político das igrejas evangélicas brancas, mas também pelo poder político daqueles que procuram potencializar o livre mercado e o laissez-faire, estrutura na qual os ricos e as corporações definem regras de mercado em seu favor com a mínima regulação e ação do governo. Eles veem a tributação não como o investimento dos recursos pagos pela população para todos os cidadãos, mas como o governo tomando seus rendimentos (sua propriedade privada) e dando dinheiro àqueles que não o merecem por meio dos programas do governo. Essa é a fonte da visão anti-imposto e o Estado mínimo dos republicanos dominantes. Essa versão do conservadorismo se dá muito bem com a terceirização, que aumenta os lucros enviando a fabricação de produtos e muitos serviços para lugares onde a mão de obra é barata, com a consequência de os trabalhos bem pagos deixarem os EUA e os salários aqui serem reduzidos. Uma vez que esses conservadores dependem de importações baratas, eles não são a favor da imposição de tarifas elevadas.

Mas Donald Trump não está em um negócio que fabrica produtos no exterior para importá-los e obter lucro. Como construtor, ele faz hotéis, cassinos, prédios comerciais, campos de golfe. Ele pode construí-los no exterior usando mão de obra barata, mas não pode importá-los. Além disso, ele reconhece que a maioria dos pequenos empresários nos EUA são como ele — empresas estadunidenses como lavanderias, pizzarias, lanchonetes, encanadores, lojas de ferragens, jardineiros, empreiteiros, lava-rápidos e profissionais como arquitetos, advogados, médicos e enfermeiros. As tarifas elevadas não são um problema.

Muitos empresários são conservadores pragmáticos. Eles gostam do poder do governo quando funciona para eles. As desapropriações, por exemplo. Os republicanos médios as veem como um abuso do governo — o governo tomando a propriedade privada. Mas os conservadores do ramo imobiliário, como Trump, dependem das desapropriações para que casas e pequenas empresas nas áreas em que querem construir sejam tomadas para a execução de seus planos imobiliários. Tudo o que eles têm que fazer é se aliar a funcionários do governo local, fazendo contribuições para suas campanhas, que então prometem um aumento dos impostos locais, ajudando a adquirir os direitos de desapropriação. Trump aponta para Atlantic City, cidade onde ele construiu seu cassino usando o processo de desapropriação para obter a propriedade.

Se as empresas tivessem de pagar pelos serviços de saúde dos seus funcionários, Trump gostaria que elas pagassem o mínimo possível para maximizar os lucros das empresas. Ele gostaria, portanto, que os seguros de saúde e as empresas farmacêuticas cobrassem o mínimo possível. Para aumentar a concorrência, ele gostaria que as companhias de seguros oferecessem planos a nível nacional, evitando os intercâmbios estatais do Affordable Care Act (ou o “Obamacare”). Essas trocas existem para maximizar a cobertura de saúde do cidadão e ajudar as pessoas de baixa renda a obter cobertura, ao invés de aumentar os lucros dos negócios. Trump, no entanto, quer manter o caráter obrigatório da ACA, odiada pelos conservadores por ser vista como um desmando do governo, que força as pessoas a comprar um produto. Para Trump, no entanto, a obrigatoriedade deste recurso para os indivíduos aumenta a quantidade de seguros e diminui os custos para as empresas.

Causação direta vs. causação sistêmica

Causação direta significa lidar com um problema através da ação direta. A causação sistêmica reconhece que muitos problemas surgem do sistema em que estão inseridos e que devem ser tratados via causação sistêmica. A causação sistêmica tem quatro versões: tipos de cadeias de causas diretas; causas diretas que interagem (ou cadeias de causas diretas); circuitos de retorno (ou feedback loops); e causas probabilísticas. A causação sistêmica no aquecimento global explica por que o aquecimento global sobre o Pacífico pode produzir enormes tempestades de neve em Washington DC: massas de moléculas de água altamente energizadas evaporam sobre o Pacífico, sopram para o nordeste e sobre o Polo Norte e caem no inverno sobre a costa leste e partes do meio-oeste dos Estados Unidos como massas de neve. A causação sistêmica tem cadeias de causas diretas, causas que interagem, circuitos de retorno e causas probabilísticas — muitas vezes combinadas.

A causação direta é fácil de entender e parece estar representada nas gramáticas de todas as línguas ao redor do mundo. A causação sistêmica é mais complexa e não é representada na gramática de nenhum idioma. Ela tem que ser aprendida.

Pesquisas empíricas mostraram que os conservadores tendem a raciocinar com base na causação direta e que os progressistas têm mais facilidade para raciocinar com base na causalidade sistêmica. Acredita-se que isso ocorre porque, no modelo Pai Rigoroso, o pai espera que a criança ou cônjuge responda diretamente a uma ordem, e que uma recusa deve ser punida tão rapidamente e diretamente quanto possível.

Muitas das propostas de política de Trump são enquadradas em termos de causação direta.

Os imigrantes estão migrando em massa vindos do México, construa um muro para detê-los. Basta deportar todos os imigrantes que entraram ilegalmente, mesmo que existam 11 milhões deles alimentando a economia e vivendo no país inteiro. A cura para a violência armada é ter uma arma pronta para disparar diretamente no atirador. Para impedir que empregos fujam para a Ásia, onde os custos laborais são mais baixos, e que nosso mercado seja inundado por itens de consumo baratos, a solução é direta: colocar uma tarifa enorme sobre esses bens para que eles sejam mais caros do que os bens de produção local. Para economizar dinheiro em produtos farmacêuticos, faça com que o maior consumidor — o governo — faça ofertas de preços mais baixos. Se o Isis está ganhando dinheiro com petróleo iraquiano, mande tropas dos EUA para o Iraque para assumir o controle do petróleo. Ameace os líderes do Isis assassinando seus familiares (mesmo que esse seja um crime de guerra). Para obter informações de suspeitos terroristas, use o afogamento simulado, ou ainda piores métodos de tortura. Se alguns terroristas podem vir entre grupos de refugiados muçulmanos, basta parar de permitir o ingresso de todos os muçulmanos no país. Tudo isso faz sentido para pessoas que raciocinam usando causação direta, mas não para aqueles que veem as imensas dificuldades e as terríveis consequências dessas ações devido às complexidades da causação sistêmica.

O politicamente correto

Há pelo menos algumas dezenas de milhões de conservadores nos Estados Unidos que compartilham da moralidade do modelo Pai Rigoroso e de sua hierarquia moral. Muitos deles são de classe baixa ou média e muitos são homens brancos que se veem como superiores aos imigrantes, não-brancos, mulheres, não cristãos, gays e pessoas que dependem de assistência pública. Em outras palavras, eles são o que os liberais chamam de “fanáticos”. Há muitos anos, esse fanatismo não tem sido publicamente aceitável, especialmente com a chegada de mais imigrantes, com o país tornando-se menos branco, com o maior acesso das mulheres à educação e ao mercado de trabalho, e com a maior visibilidade dos LGBT e a aprovação do casamento gay. Como as organizações liberais de oposição ao fanatismo têm apontado ruidosamente, além de discutir publicamente a natureza anti-estadunidense desse fanatismo, os conservadores sentiram-se mais e mais oprimidos pelo que chamam de “politicamente correto” — a pressão pública indo contra suas opiniões e contra o que veem como “liberdade de expressão”. Isso se exacerbou desde 911, quando os sentimentos antimuçulmanos ficaram mais fortes. A eleição do presidente Barack Hussein Obama criou indignação entre os conservadores, que se recusaram a vê-lo como um estadunidense legítimo (como exemplo, veja o movimento birther), muito menos como uma autoridade legítima, especialmente por suas visões liberais contradizerem quase tudo no que eles acreditam, como conservadores.

Donald Trump fala em voz alta tudo o que sente — com força, agressão, raiva e sem vergonha. Tudo o que eles têm que fazer é apoiar e votar em Trump e nem sequer precisam expressar suas visões “politicamente incorretas”, uma vez que Trump faz isso por eles e sua vitória torna essas visões legítimas. Ele é o campeão. Ele lhes dá um senso de auto-respeito, autoridade e a possibilidade de poder.

Lembre-se disso sempre que você ouvir as palavras “politicamente correto”.

Conceitualizações binárias⁸

Não há meio-termo na política estadunidense. Existem moderados, mas não existe uma ideologia do moderado, uma ideologia única com a qual todos os moderados concordam. Um conservador moderado tem posições progressistas em algumas questões, embora isso varie de pessoa para pessoa. Da mesma forma, um progressista moderado tem posições conservadoras em alguns pontos, variando outra vez de pessoa para pessoa. Em suma, os moderados estão presentes nessas duas visões de mundo, mas em maior número em uma delas. Essas duas visões morais de mundo em geral se contradizem. Como elas podem residir no mesmo cérebro ao mesmo tempo?

Ambas são caracterizadas no cérebro por circuitos neurais. Eles estão ligados por um circuito comum: a inibição mútua. Quando um é acionado, o outro é desligado; quando um é reforçado, o outro é enfraquecido. O que os ativa ou desativa? A linguagem que se encaixa numa visão de mundo ativa essa visão de mundo, fortalecendo-a, enquanto desliga a outra cosmovisão e a enfraquece. Quanto mais os pontos de vista de Trump são discutidos na mídia, mais eles são ativados e mais fortes eles ficam, tanto na mente dos conservadores hardcore como na mente de progressistas moderados.

Isso é válido mesmo para quando se está atacando as falas de Trump. A razão é que, ao negar um frame, esse frame é ativado, como eu apontei no livro Don’t Think of an Elephant! (Não pense em um elefante!). Não importa se você está promovendo ou atacando Trump, você está ajudando Trump.

Um bom exemplo da vitória de Trump entre progressistas com conceitualização binária (biconceptuals) inclui certos trabalhadores sindicalizados. Muitos membros do sindicato exercem o papel de pais rigorosos em casa ou em sua vida privada. Eles acreditam em “valores familiares tradicionais” — uma palavra do código conservador — e podem se identificar com o discurso dos “vencedores”.

Por que Trump está ganhando nas primárias republicanas?

Olhe para todos os grupos conservadores aos quais ele apela!

O Partido Democrático não tem levado a sério muitas das razões do apoio a Trump e a escala desse apoio. E a mídia não tem discutido muitas das razões para esse apoio a Trump. Isso precisa mudar.

Tradução: Cecilia Farias

Colaboração: Juliana Angel

Revisão: Joana Franco

O texto original pode ser lido aqui: https://georgelakoff.com/2016/03/02/why-trump/#more-4935

Notas:

[1] Organização estadunidense que fornece cuidados de saúde reprodutivo e planejamento familiar. Hoje, é responsável por metade dos abortos legais realizados no país.

[2] Administração da Previdência Social dos Estados Unidos.

[3] Sistema de seguro de saúde gerido pelo governo dos EUA; lembrando que nesse país não há uma estrutura de saúde pública para a população.

[4] Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.

[5] Os termos que ele usa são Nurturant Parent family e Strict Father family.

[6] Time de futebol americano.

[7] Organização estadunidense de caráter conservador cristão fundada em 1977; atua na promoção de ações socialmente conservadoras sobre políticas públicas.

[8] O conceito usado por Lakoff é biconceptuals.

[9] Frames podem ser entendidos, na linguística cognitiva, como roteiros envolvidos em algum campo semântico. Por exemplo, o frame do verbo comprar envolve um vendedor, um comprador, o que é comprado/vendido, um valor atribuído ao que é comprado/vendido, etc.

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Cecilia Farias
Membrana Linguística

Investigações linguísticas, políticas e cognitivas. Estudar com música. Fazer podcasts (Punho e Babel). Divulgar ciência e revolução.