Coisas vazias
pela manhã
me arrastando para o banheiro
antes de lavar o rosto
penso em todos os outros que tive
penso em barbáries & barbas ralas, cafés & cigarros
em roupas íntimas e poucas umidades
em milhares de cheiros
milhares do mesmo novo homem
depois me lavo debaixo do chuveiro
cedo as coisas mornas esfriam
me despertam para a mesa de mármore
para o chão de cerâmica
enquanto todas as palavras ocas
que escuto
voam feito poeira fina para dentro
e fora *dentro e fora*
da janela aberta
pela manhã recordo
o que nunca aconteceu
a angústia por fazer
o desejo por começar
e as coisas unilaterais
que também podem ser egoístas
me recolho, estendo o corpo e recolho
por mais cinco minutos, só mais cinco minutos!
ser jovem é constantemente pensar em se tornar velho
as manhãs são para os que sonham acordados
para procura de algo que faça o coração começar a bater feito louco
na ausência disso agendamos despertadores suportavelmente barulhentos
pela manhã penso em tudo que é possível
na ausência de outras cores, em lábios escuros e finos, em gatos malhados, em colchões no chão da sala
em uma são paulo em que há amor, na aspereza das palavras, em esquecimento sem aviso prévio
mas penso principalmente em curtos vazios
em refeições instantâneas que nunca tive com estranhos de mãos compridas do outro lado da mesa
ser jovem é constantemente pensar em ser só
quero dizer amanhã, à manhã, por gentileza, sirva somente o café
me deixe ser somente bicho, ser sem pensar em ser e sentir
mas ela sempre me olha feito criança, como Deus, como meu pai ao me ver atrasada para algum compromisso
e permito escutar todas as racionalidades humanas
e a frieza das coisas do lado de fora do lençol
escrevo na minha cabeça as coisas que gostaria de dizer
enquanto ela me observa fazer a bolsa
olhar no espelho e tentar reconhecer algo que lembre que tipo de mulher eu um dia já fui
antes de sair vejo contra a luz dela
partículas de poeira de todas as conversas inexistentes do mundo
atravesso a rua inalando pequenas nuvens
e passando por cima dos sonhos alheios
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Isabella Luiz é de Recife, escritora, roteirista e criadora da Fale com Elas. Tem poesias em coletâneas publicadas no Brasil e em Portugal e um livro brega em andamento. Atualmente escreve na internet e se diverte.
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