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Memorando Literato

assim como as pessoas, são os animais

Pedido de desculpas aos homens que amei

5 min readMar 11, 2025

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Imagem: Do autor.

Amei pouquíssimos homens nesta vida. Me relacionei amorosamente com alguns dos quais fui muito amiga, o sexo vinha como brinde. Perigoso, claro, porque quando a relação acabava, a perda poderia ser em dobro. O primeiro homem tentou me ensinar a tocar violão, mas eu era mesmo muito ruim. Com ele aprendi a beijar bem, a cantar na frente de outras pessoas, a fazer longos passeios de bicicleta. Experimentei querer bem de maneira ingênua e cega, éramos como irmãos.

Com o segundo aprendi um pouco sobre desenho, enquanto o observava estudar depois das aulas no SAGA, com esse pratiquei o amor de várias formas e me aprimorei a escrever sobre elas. Foi o primeiro a me pintar. Ele era o mais artista dos dois. Me ensinou a me odiar de diversas maneiras. Com ele aprendi o que é ter o coração partido e a como fazer arte disso.

Outro falava muito sobre espiritualidade, sonhos lúcidos, dizia que eu tinha o corpo aberto. Uma noite, enquanto dormíamos juntos, ele me olhou na penumbra e perguntou quem eu era. Não soube responder. Houve Tito, que me ensinou a como cuidar e amar gatos, sobre o amor de longe, a dividir a cama, menos o lençol, sempre puxo todo para mim.

E finalmente, Marcelo, que me mostrou que existe um lado em mim que suprimi a vida inteira, graças aos esforços contínuos da minha família em me infantilizar e por vezes tirar o mérito do que conquistei. Com ele, descobri que sou boa cozinhando, que sou feminina e sempre tenho ótimas ideias para resolver os problemas dos outros, menos os meus. Marcelo tentou me ensinar a ser mansa, a ser esposa, a quase ser mãe. Sobre ele, escrevi pouco.

Quiseram, à sua maneira, fazer jus ao significado de pertencer. Houve períodos em que tentei o mesmo. Mas paro para pensar, estive fugindo desses homens como o diabo da cruz. O amor que recebi sentia como um tornado, que tentava me sugar e tirar todo o ar dos meus pulmões. O único pensamento possível que atravessava a minha mente naqueles momentos era o de correr para o mais longe possível. E foi o que fiz.

Talvez esse seja um pedido de desculpas aos homens que amei. Aos poucos namorados, ao Tito, ao Marcelo, ao ex com quem tive a infeliz ideia de voltar a namorar depois do divórcio, após anos separados, mas que não aguentei a presença por sequer dois míseros meses. Bem, esse último talvez não mereça pedido de desculpas algum, continua um escroto do caralho.

É graças a vocês que consigo organizar os anos cronologicamente na minha mente, os textos. Graças a vocês, tenho um par de escritos dos quais me orgulho muito, poesias que ainda enfeitam gavetas e nunca viram a luz do dia, mas que me fazem sorrir para o passado. Quando releio aquilo que escrevi enquanto os amei, sinto menos a estranheza de que sou um corpo vazio. Me sinto mais humana, capaz de sangrar por algo que não seja um problema financeiro, uma questão de saúde, o envelhecer e as notícias insanas deste planeta.

Vocês foram péssimos, foram ótimos, lindos, feios, engraçados, deprimentes. E em algum momento do tempo, meus.

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Imagem: do Autor.

Bruma despida.

No domingo, ela despiu-se de todos os nomes. Era apenas ser, estava nua de qualquer propósito do mundo. Deitou-se no sofá, bebeu vinho e leu sobre as estrelas. E foi assim que o marido a encontrou na segunda, na terça, na quarta, na quinta e na sexta. No sábado, pôs a roupa de mulher e foi para a cama com ele, embriagada de desejos.

Durante a madrugada, ao olhar para a lua, resolveu que vestiria a roupa de mãe algum dia, mas não tão cedo. As paredes deixaram de ser coisas sólidas assim que se fez senhora de si, eram a sombra de uma falsa segurança. O real perigo sempre vinha de dentro.

Era ela uma coisa viva, uma voz esquisita ao telefone, uma sombra parecida com outras tantas, um útero, um lábio, um olho, uma fenda, um buraco negro a engolir seus mistérios.

Uma variedade de cores misturava-se nas gavetas. Tanto espaço para si sem estar, tanto lugar para cobrir sem querer. Chorou ao se descobrir ferida, não conhecia tanto esse lado que era calado pela vida que corria feito sangue pelas pernas. Era o tempo que impedia o ser de ser, de saber o que era no meio das coisas que existem.

No domingo, vestiu-se dela, abriu a janela, fumou um cigarro. Olhou para o céu e imaginou o planeta flutuando no abismo, no desconhecido.

Eles não eram tão distintos.

O notebook, que batizei carinhosamente de Highlander, quebrou no meio do ano passado. Graças a isso e a outro evento canônico em minha vida, parei de postar textos na internet e escrever. Peço desculpas aos que esperavam algum retorno meu, aqui inclusive, depois do post de retorno da Fale com Elas. Senti que era hora de dar uma pausa, esperar as coisas se assentarem. A vida não permite esses momentos de reabilitação, precisei forçá-lo.

São anos trabalhando incessantemente, muitos sem férias, sem me priorizar, mas priorizando a empresa e o sonho dos outros. Quero escrever sobre e exorcizar a raiva, esse sentimento comum, o de ser explorado por empresários neste país. Quero falar sobre esses anos em que desesperadamente me debrucei sobre mesas, pilhas e pilhas de contratos, livros, viajando pelo país, matando cada demanda como se, só naquele momento, pudesse ter a minha existência justificada em algum lugar.

Preciso escrever sobre o último apartamento, sobre a violência silenciosa que sofri, sobre o medo de ser mulher e morar sozinha nessa cidade. Me sinto tão boba, por Deus, me sinto tola. Preciso de ajuda para me organizar. Alguém que me segure na mão e diga, agora faça isso, depois isso. E que não me trate como se eu fosse uma máquina. Estou lutando contra o hábito tenebroso de precisar me sentir útil.

Recentemente comecei a escrever no Tumblr com um amigo, e encontrei muita alegria nisso. Pareço adolescente de novo. Falamos sobre música, sobre vinil, sobre Recife, filmes, publicamos fotografias estranhas. É como voltar ao tempo em que saía do colégio direto para lan-house para postar algo piegas na internet e não ter um pingo de constrangimento por isso. Fazer isso acompanhada de alguém que amo é uma dádiva, fazer no anonimato é catártico.

Tenho dividido o tempo ocioso entre os episódios de ruptura, a organização e limpeza dos discos de vinis ainda em caixas, no armário novo. Você só tem noção real da quantidade de coisas que tem no momento em que precisa levar tudo de um lado para o outro. Nesses dias tenho invejado os minimalistas.

Até logo.

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celina
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Written by celina

Escritora, nordestina, roteirista e fotógrafa. Editora da Fale Com Elas no Medium. Stories in Portuguese and English.

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