Djalma Dias: os 80 anos de um craque formado em Campos Sales

Museu da Memória Americana
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7 min readAug 30, 2019

Emmanuel do Valle

Djalma Dias e Nilo: campeões de 1960 pelo América | Revista do Esporte

As divisões de base do América têm uma longa tradição de formar jogadores técnicos e vigorosos, e isso vale também para a defesa. O zagueiro Djalma Dias jogou futebol em uma era de baixa visibilidade e registros guardados em preto e branco, lembranças violentadas pelo tempo, que logo tratou de fazê-lo mais lembrado por um filho igualmente talentoso, que jogava no ataque: Djalminha. Mas o pai trilhou carreira tão ou mais sólida e admirável que a do rebento e entrou para a história do clube como um dos campeões do Carioca de 1960. O fato de nunca ter jogado uma Copa do Mundo é encarado por muitos pesquisadores e jornalistas da época como uma das maiores injustiças do futebol brasileiro.

Carioca, nascido em 21 de agosto de 1939 em família de classe média do bairro Cidade Nova, Djalma quase foi dentista por vontade dos pais, ou engenheiro por vontade própria. Optou pela bola. Levado ao América por Oscar, ex-jogador rubro, entrou no time infanto-juvenil em 1956, subindo para os juvenis no ano seguinte, categoria na qual chegaria à Seleção Brasileira. Jogava de centro-médio (atual volante) ou meia-armador.

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No Sul-Americano de juvenis, disputado em março de 1958, no Chile, Djalma atuou como meia e chegou a dar o passe para o gol da vitória do Brasil sobre a Argentina por 1 a 0. Mas o título acabou nas mãos dos uruguaios. Antes disso, já havia chamado a atenção do célebre treinador húngaro Gyula Mandi em sua passagem pelo comando da equipe. Era frequentemente puxado para treinar com os profissionais, assim como outros bons valores da base americana.

Campeões de 1960: o zagueiro Jorge, o goleiro Ari e Djalma Dias | Revista do Esporte

A estreia no time de cima veio na goleada de 5 a 1 sobre a Portuguesa pelo Campeonato Carioca em Campos Sales, no dia 5 de dezembro de 1957. Djalma, então com 18 anos, teve atuação elogiada, mesmo com o gramado completamente enlameado e atuando por um America já fora da disputa do título. — Portou-se bem, dando conta do jogador que estava sob a sua guarda e cooperando com os companheiros no serviço de cobertura — escreveu o “Jornal dos Sports”.

Mas naquele ano e em 1958, Djalma ainda jogaria pouco, passando a maior parte do tempo na equipe de aspirantes. A temporada de 1959 seria de maior presença no time titular, ainda que rodando por várias posições da defesa, atuando ora como zagueiro central, ora como lateral, ora como médio. No ano seguinte, enfim fixado no miolo de zaga por Jorge Vieira, destacaria-se na temporada que entraria para a história do America.

Usando toda a técnica já demonstrada quando atuava no meio-campo, Djalma Dias tornou-se um zagueiro elegante, classudo, que se recusava a recorrer a botinadas. Foi com esse estilo que liderou a defesa americana na conquista do título carioca, atuando em 21 das 22 partidas de uma campanha surpreendente, que levou um pouco badalado time rubro ao quebrar um jejum de 25 anos e se tornar o primeiro campeão do novo estado da Guanabara.

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A equipe de Jorge Vieira só perdeu um jogo (1 a 0 para o Bangu, na quinta rodada), foi campeã batendo o Fluminense por 2 a 1 de virada no último jogo e terminou o torneio com a defesa menos vazada: apenas 15 gols sofridos em 22 partidas. Djalma Dias foi eleito o melhor zagueiro do campeonato e também a revelação do ano. Ganhou destaque até na revista italiana “Il Calcio e Il Ciclismo Ilustrato”, então uma das principais do país.

No ano seguinte, o América não repetiu a grande campanha no Carioca, mas fez bom papel na Taça Brasil, chegando às semifinais. Djalma ficou de fora da primeira fase, quando os rubros não tiveram trabalho para eliminar o Fonseca, de Niterói, campeão do antigo estado do Rio de Janeiro. Mas marcou presença quando o esquadrão rubro eliminou o Cruzeiro, campeão mineiro, e o Palmeiras, então detentor do torneio, antes de cair somente diante do Santos de Pelé.

Djalma Dias posa para foto em 1961: início de carreira no América | Revista do Esporte

Djalma foi novamente eleito o melhor zagueiro central do futebol carioca em 1961 e começou a ser cotado para uma vaga na Seleção Brasileira que defenderia o título na Copa do Mundo do Chile, no ano seguinte. Incluído na lista de pré-convocados para o Mundial divulgada em março, o central americano faria sua estreia pelo Brasil no dia 12 de maio, entrando no lugar de Mauro durante a vitória por 3 a 1 sobre o País de Gales no Maracanã.

Porém, na relação final dos convocados, o zagueiro central de 22 anos seria preterido por Bellini e Mauro, ambos com 31 anos e veteranos de 1958. A tristeza com a ausência do Mundial seria logo amenizada com a conquista da International Soccer League, um torneio que reunia clubes da Europa e das Américas organizado por um milionário norte-americano chamado William “Bill” Cox e que já havia sido levantado pelo Bangu dois anos antes.

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A competição, também conhecida simplesmente como Torneio de Nova York, foi disputada entre julho e agosto de 1962 com 12 equipes divididas em dois grupos. O América venceu sua chave de forma invicta, superando Chivas (México), Palermo (Itália), Hajduk Split (Iugoslávia), Dundee United (Escócia) e Reutlingen (Alemanha Ocidental). E fez a final contra os portugueses do Belenenses, vencendo os dois jogos no estádio de Randall’s Island por 2 a 1 e 1 a 0.

Djalma Dias posado, antes de jogo, no Maracanã | Revista do Esporte

Referência técnica da equipe e cobiçado por diversos clubes cariocas e paulistas, Djalma teve problemas para tentar renovar seu contrato ao voltar de Nova York e entrou em litígio com o América, que chegou a colocar seu passe à venda por um valor inviável. Ficou cerca de um mês fora do time, mas acabou aceitando um novo contrato-tampão apenas até o fim da temporada, recebendo o salário-teto do elenco.

Embora não pensasse em deixar Campos Sales, acabaria mudando de ares no início de 1963. Logo no dia 3 de janeiro, o Palmeiras pagaria 29 milhões de cruzeiros pelo jogador, um dos valores de transferências mais altos do futebol brasileiro na época. Pouco tempo depois, levaria também para o Parque Antártica o ponta-esquerda Nilo, indicado por ele ao clube paulista.

Djalma Dias acompanha Pepe, em treino pela Seleção Brasileira | Revista O Cruzeiro

No Palmeiras, Djalma venceria dois campeonatos paulistas (1963 e 1966) e participaria da campanha do título do Torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1967. Porém, ficaria por vários meses afastado do clube por ter mais uma vez se desentendido com dirigentes durante uma renovação contratual. Os cartolas paulistas queriam que ele abrisse mão dos 15% a que teria direito pela antiga lei do passe em caso de transferência.

Após uma longa batalha judicial, Djalma conseguiu sua liberação e assinou com o Atlético-MG no início de 1968. No ano seguinte, voltou ao futebol paulista para defender o Santos, onde atuaria ao lado de seu primo Carlos Alberto Torres e se sagraria campeão paulista. Em 1971, retornaria ao Rio para defender o Botafogo. Já veterano, sua passagem pelo Alvinegro teve altos e baixos, e ele pendurou as chuteiras em 1973, aos 34 anos.

Depois de ter sido preterido na Seleção Brasileira para a Copa de 1962, Djalma voltaria à Seleção no ciclo do Mundial da Inglaterra, em 1966, mas de novo perderia o lugar entre os 22 convocados para o ainda mais veterano Bellini, na exclusão mais contestada daquela lista. Em 1969, depois de ser titular do Brasil por toda a fase de Eliminatórias da Copa do Mundo do México, perdeu espaço com a saída de João Saldanha e ficou mais uma vez de fora.

Djalma Dias posa para foto amarrando as chuteiras | Revista do Esporte

Sempre lembrado como um grande jogador brasileiro que nunca teve a oportunidade de disputar um Mundial pelo país, embora contasse com a invejável marca de 15 vitórias em 15 partidas oficiais pelo Brasil, Djalma seria resgatado pela Seleção Brasileira de másters nos anos 80, mostrando toda a velha classe e ainda uma ótima forma física. Porém, em abril de 1990, não resistiria a um AVC repentino, falecendo no dia 1º de maio, aos 50 anos, sem ver o filho despontar entre os profissionais.

*Emmanuel do Valle é jornalista e pesquisador da história do futebol brasileiro e internacional.

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