Pelo América, César foi artilheiro do Brasileirão, há 40 anos

Museu da Memória Americana
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8 min readNov 28, 2019

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Com 13 gols, César foi o artilheiro isolado do Campeonato Brasileiro de 1979

Emmanuel do Valle

É pouco provável que o América de 1979 esteja entre os times favoritos de boa parte da torcida. Não foi encantador como o que seria campeão da Taça Rio e do Torneio dos Campeões, e tampouco tão coeso quanto o que seria semifinalista do Brasileirão de 1986. Mas a campanha honesta daquele ano produziu um destaque individual. Ccom 13 gols, César foi o segundo jogador do América a conquistar a artilharia da competição, dez anos depois de Edu.

César Martins de Oliveira nasceu em São João da Barra, interior do estado do Rio, em 13 de abril de 1956, e começou a jogar no Fluminense local. No fim de 1974, após passar rapidamente pelo Americano, foi trazido para os juvenis do América pelo ex-presidente rubro Valdir Motta (mandatário no título carioca de 1960). O atacante jogaria aquela categoria por toda a temporada 1975 e no início da de 1976, quando esteve entre os artilheiros do certame.

Na equipe principal, dirigida por Danilo Alvim, estreou em jogos oficiais na vitória por 2 a 0 sobre o Volta Redonda pelo primeiro turno do Carioca de 1976, mas só foi promovido de vez ao time de cima no terceiro turno, em que o América disputou — e ganhou — a repescagem entre as equipes que haviam sido eliminadas da etapa anterior. A conquista levou o clube ao quadrangular final do Estadual, no qual o América terminou em terceiro.

Atacante de muito espírito de luta e movimentação, além de contar com bom cabeceio e bom chute com as duas pernas, firmou-se no time americano e não perdeu mais a titularidade. No Brasileiro de 1976, em que César atuou como titular em dez dos 12 jogos do América, ele marcou seu primeiro gol com a camisa rubra num torneio oficial de profissionais, na vitória de 2 a 0 sobre o Vasco no Maracanã, pela primeira fase da competição.

Curiosamente, em julho de 1977, sob o comando do técnico Tim, César chegou a ser brevemente testado de improviso na lateral-direita em amistosos de meio de temporada e na abertura do returno do Campeonato Carioca, depois que tanto o titular Uchoa quanto o lateral-esquerdo Jorge Valença (que costumava ser deslocado para o outro lado) se lesionaram. Mas, logo voltou à sua posição habitual de ponta-de-lança, onde rendia melhor.

César em jogo contra a Desportiva, em 1977 | Arquivo

No Brasileirão daquele ano, César fez 19 partidas, sendo 15 como titular, e marcou quatro gols. Balançou as redes nos empates com o Vitória em Salvador (1 a 1), com o Flamengo no Maracanã (1 a 1) e com o Confiança em Aracaju (2 a 2), além de marcar o gol da difícil vitória por 3 a 2 sobre o Brasília na capital federal. Já no torneio do ano seguinte, praticamente emendado no anterior, foi o único titular em todos os 26 jogos da campanha, e marcou mais quatro gols.

Na primeira fase daquele torneio, César deixou seu gol nas vitórias sobre o XV de Piracicaba (3 a 1) e o Nacional de Manaus (2 a 1), ambas fora de casa, e também fez o gol que decidiu, no último minuto, o clássico diante do Flamengo (3 a 2). Já na segunda etapa, fez o gol americano na derrota por 3 a 1 para o Botafogo de Ribeirão Preto no interior paulista. Até ali, havia somado nove tentos em três Brasileirões — nada comparável ao que viria em 1979.

HISTÓRIA DE UMA ARTILHARIA

A estreia do América naquele Brasileirão aconteceria no dia 7 de outubro diante do Operário-MS, time perigoso, que havia chegado às semifinais do torneio na edição de 1977. O jogo foi disputado no estádio botafoguense de Marechal Hermes. E após um empate sem gols no primeiro tempo, César abriu a contagem logo aos quatro minutos, com um belo drible de corpo no zagueiro Biluca (ex-America) e um chute forte e indefensável de perna esquerda.

Aos 31 minutos, depois de ter sofrido um pênalti escandaloso não marcado pelo árbitro (chegou a ser agarrado pelo pescoço), acabou marcando o segundo gol ao cobrar uma falta sofrida fora da área por Silvinho. No fim, César ainda teve tempo de participar da jogada do terceiro gol, tabelando com o meia Nélson Borges, que levantou para Silvinho fechar a contagem. Uma estreia tranquila para o América, diante de um difícil adversário, e promissora para César.

O atacante passou em branco no jogo seguinte, uma vitória de 3 a 1 sobre o Rio Branco-ES, de novo em Marechal Hermes, mas voltou a balançar as redes em grande estilo em uma memorável vitória americana diante do Grêmio em pleno Estádio Olímpico, em Porto Alegre, no dia 14 de outubro. O tricolor gaúcho abriu o placar com o meia Nardela, aos 21 minutos de jogo. Mas, nos contra-ataques, o America chegou à virada, fazendo 3 a 1.

Recuando para o meio-campo como o quarto homem do setor e avançando em velocidade até a área gremista para receber os cruzamentos dos ponteiros, César foi o grande destaque do jogo. Ele marcaria o gol de empate aos 29, completando de cabeça um cruzamento de João Luís resvalado na defesa, e também o terceiro, já aos 21 do segundo tempo, outra vez de cabeça por entre os beques, após uma bola alçada da direita pelo ponta Serginho.

César não marcou pelos quatro jogos seguintes, mas ainda assim o América colheu alguns bons resultados: venceu o Figueirense em Marechal Hermes (1 a 0, gol de Silvinho), empatou com o Internacional, futuro campeão invicto, em pleno Beira Rio (1 a 1, gol de falta de Léo Oliveira), sofreu seu primeiro revés ao perder para o bom time do Santa Cruz no Arruda (1 a 0), mas se recuperou batendo o Sport, novamente no Arruda (2 a 0, Léo Oliveira e Silvinho).

Classificado por antecipação para a fase seguinte, o América ainda teria pela frente, no Rio, a dupla paranaense Atlético e Coritiba. Contra o primeiro, César voltou a marcar, mas os rubros foram surpreendidos e perderam por 3 a 1. Depois de ter sofrido um pênalti não marcado pelo árbitro, o atacante fez o gol de honra americano em Marechal Hermes, já nos acréscimos. Contra o Coritiba, vitória fácil por 3 a 0, marcando Merica, Nélson Borges e Silvinho.

Se na primeira fase o clube fez ótima campanha, terminando em segundo lugar entre dez clubes numa chave bastante forte, a largada da etapa seguinte do Brasileirão deixou bastante a desejar, com duas derrotas consecutivas que prejudicaram bastante as ambições rubras de classificação. Em Curitiba, o time foi derrotado pelo Colorado-PR por 2 a 1 e depois, jogando em Marechal Hermes, foi surpreendido pela Campinense-PB por 1 a 0.

Mordido, o América mostrou poder de reação no jogo seguinte, goleando a Francana-SP por 4 a 1 de novo em Marechal Hermes, com grande atuação de César, que abriu o placar logo aos cinco minutos concluindo lançamento de Nélson Borges. O atacante ainda iniciou a jogada dos dois gols seguintes, primeiro lançando o ponta Serginho, que cruzou para o gol de Merica, e mais tarde lançando o próprio Merica. Na etapa final, o zagueiro Heraldo anotou o quarto.

César também deixou o seu contra o Brasil de Pelotas no interior gaúcho, mas o empate em 1 a 1 deixou o América em situação delicada, quase desclassificado. Mas antes de a eliminação se confirmar, veio a grande goleada sobre o Mixto no Maracanã, na noite de quinta-feira, 22 de novembro. O time mato-grossense foi frequentador assíduo do Brasileirão no período entre 1976 e 1985, mas naquele dia não conseguiu segurar os rubros.

Silvinho abriu o placar aos 21 minutos de jogo aproveitando falha da defesa, mas Gonçalves se infiltrou na zaga americana para empatar aos 41, e o jogo foi para o intervalo em um teimoso 1 a 1. Na volta, o time saiu do sufoco graças a Ernani, goleiro emprestado pelo próprio América, que papou um frangaço em um chute fraco de Silvinho. E o jogo, que vinha se mostrando dramático, se transformou num passeio quando César entrou em cena.

Aos 14 minutos, o atacante recebeu de Merica e bateu cruzado, da entrada da área, para ampliar: 3 a 1. No minuto seguinte, Serginho bateu rápido uma falta entregando a César, que driblou o goleiro e tocou para o gol. A bola desviou no lateral Luís Carlos e entrou: 4 a 1. O quinto veio na base do oportunismo: Celso chutou forte, Ernani deu rebote e César conferiu na pequena área, aos 27. E o sexto, para fechar, veio após passe de Léo Oliveira, aos 31.

A goleada de 6 a 1 é até hoje a maior aplicada pelo América numa competição nacional. E César se tornou o jogador do clube a marcar o maior número de gols numa mesma partida em um torneio desse porte. Os quatro gols vitaminaram a marca do centroavante na briga pela artilharia do Brasileirão, mas ele não pararia por aí, embora o time não voltasse a vencer em suas duas últimas partidas, ficando num discreto quinto lugar numa chave com oito concorrentes.

No Mineirão, o time sofreria uma derrota injusta para o Atlético por 2 a 1, resultado que enterrou de vez as remotas chances de classificação. César deixou o seu, abrindo o placar, ao receber cruzamento de Merica, ajeitar no peito e bater forte, com a bola desviando em Osmar Guarnelli. Mas os rubros teriam o ponta Serginho expulso junto com o lateral atleticano Nei Dias, após falta dura deste, e ainda um pênalti do lateral Alves em Álvaro não marcado.

Logo depois desses dois lances, o time mineiro chegou à virada com gols de Reinaldo e Fernando Roberto. Na despedida, o America empatou em 1 a 1 com Coritiba, jogando mais uma vez em Marechal Hermes. E César anotou o último gol do time — e seu 13º na competição — aos sete minutos do segundo tempo, concluindo uma jogada iniciada pelo lateral-direito Uchoa e que também teve a participação do meia Léo Oliveira.

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

Jornal dos Sports de 09/11/1977

Em um primeiro momento, César teve a companhia do atacante Roberto César, do Cruzeiro, na artilharia do Brasileirão, sendo atribuídos 12 gols a cada um. Porém, no dia 30 de dezembro, a CBF confirmou, de posse das súmulas dos jogos, que o americano havia marcado 13, e não 12, já que um de seus quatro contra o Mixto havia sido reportado pela imprensa como sendo gol contra, mas na verdade havia sido dado a César pelo árbitro do jogo.

Esclarecido isso, o goleador rubro recebeu o prêmio de Cr$ 20 mil em dinheiro oferecido pela Caixa Econômica Federal ao artilheiro daquele Brasileirão, deixando seus bolsos um pouco mais recheados naquele fim de ano. Antes disso, no dia 12, o América havia acertado a venda de César ao Benfica, de Portugal por fabulosos Cr$ 8 milhões — com o atacante recebendo Cr$ 3 milhões, referentes aos 15% obrigatórios por lei mais as “luvas”.

O negócio foi fechado após reunião de quase oito horas entre dirigentes rubros e o presidente dos Águias, com a presença do atacante. Todas as partes saíram felizes: os milhões recebidos permitiriam ao clube renovar o time, enquanto o goleador dizia que chegara sua hora de fazer dinheiro. César ficaria no Benfica até o início de 1983, quando seria repatriado pelo Grêmio, clube em que também se faria ídolo na conquista da Taça Libertadores da América.

*Emmanuel do Valle é jornalista e pesquisador da história do futebol brasileiro e internacional.

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