Porque Não Fazemos O Que Nos Faz Feliz

Menino de Sua Mãe
Menino De Sua Mãe
Published in
3 min readJul 5, 2018

--

Viver é estar num rio com água pela cintura — o que nos cai das mãos vai na corrente, não o voltamos a ver, e o rio é o tempo, é o correr dos dias. Diaramente escolhemos o que temos nas mãos, do que nos alimentamos, e o que inevitavelmente nos cai das mãos que são só duas. E, embora todos tenhamos já ouvido a história do vaso onde só cabem as pedras grandes se as lá pusermos antes das pequenas, nem sempre são as pedras grandes as urgentes, as prementes, as que gritam mais alto; nem sempre são as pedras grandes as que ficam nas mãos, frequentemente boiam pela corrente abaixo (as pedras metafóricas boiam — aliás, essa é uma das suas vantagens).

Damos por nós a contar dias sem que os aproveitemos, dias vazios do que nos faz feliz. Dias em que fizemos o que devíamos, a nossa obrigação, o que é esperado de nós, mas pouco ou nada do que nos faz sorrir. E se alguns de nós têm esta consciência, encaram de frente a angústia de saber que gastam os dias sem prazer, muitos optamos pelo subterfúgio, pelo engano, por contarmos a nós mesmos uma história que, por um lado, aumenta a suposta felicidade que nos dá o que fizemos e, por outra parte, justifica, de maneira mais ou menos esfarrapada, porque não fizemos o que nos faz feliz.

Explicamos tudo com o tempo, dizemos que é curto e que não estica, que não chegou para isso; alegamos o cansaço, a energia que não temos porque houve tantas outras coisas para fazer. Justificamo-nos com as prioridades, com a extrema importância de outras coisas, tão sérias, que exigiram a nossa atenção. Explicamos que, de qualquer forma, não estavam reunidas as condições ideais para aquilo que nos faz feliz — ou porque chovia, ou porque a casa não estava arrumada, ou porque o carro precisava de ir à revisão.

Na verdade a desculpa do tempo só significa que não criámos tempo para fazer o que queríamos, deixámos que outras coisas o preenchessem, e o mesmo se passa com o cansaço, se estamos cansados para fazer o que gostamos é porque deixámos que outras coisas nos consumissem a energia. É tudo uma questão de prioridades, afinal, e concluímos que as coisas que nos fazem felizes não estão assim tão alto na nossa lista de coisas importantes para fazer, só na lista de coisas que queríamos ter feito.

O que nos faz infelizes é muitas vezes esta desconexão, a diferença no valor que damos às coisas ao rever o passado e ao decidir o presente, como se as prioridades, quando olhamos para a floresta, fossem diferentes das que vemos árvore a árvore.

Ser feliz, é um facto, não se compra. Compra-se, quando muito, o tempo que não se gasta a fazer coisas que não nos trazem felicidade. Mas ser feliz aprende-se; aprende-se antes de mais nada a distinguir entre aquilo que podemos ou não mudar; e aprende-se, sobretudo, às vezes tardiamente, às vezes só pela experiência, e mesmo que às vezes, durante algum tempo, nos esqueçamos, a escolher, todos os dias, no que empregar a energia, no que consumir o tempo, no que focar os olhos.

--

--