Porque é que doentes com cancro têm maior risco de infeções?

Nuno Gato
Mentora-Health
Published in
3 min readJul 5, 2020

É comum associar-se o cancro a maior fragilidade e maior susceptibilidade a infeções, sendo comum a imagem de um doente de cancro a usar máscara ou estar em isolamento por este risco. Importa ressalvar que nem sempre um doente com cancro tem maior risco de infecções que uma pessoa sem este diagnóstico, e isto depende de vários factores.

Tanto o cancro como os seus tratamentos podem aumentar o risco infeccioso por alterações no sistema imunitário que impossibilitam uma resposta imunitária totalmente eficaz, limitando a capacidade do doente combater infeções. Quando existe esta incapacidade do sistema imunitário de estar competente, fala-se de imunossupressão. Isto pode dever-se a vários fatores:

1) Neutropenia: é a diminuição do número de neutrófilos, um tipo de glóbulos brancos no sangue, que ajuda no combate das infecções destruindo bactérias e fungos. A neutropenia é um efeito adverso comum de alguns tratamentos quimioterapia, mas também pode acontecer com radioterapia (depende da dose e local), outros medicamentos ou por infiltração direta do tumor na medula óssea (é na medula que são produzidas as células do sangue, incluindo os glóbulos brancos).

2) Disrupção de barreiras anatómicas: as barreiras anatómicas normais, como a pele e as mucosas orofaríngea, gastrointestinal, respiratória e genitourinária, constituem um importante mecanismo de defesa natural. Qualquer dano causado nestas superfícies aumenta o risco de infeção causada pelos microrganismos que as colonizam de forma natural. Esta alteração das barreiras pode ser causada pela quimioterapia (inflamação das mucosas a que se chama mucosite, oral ou gastrointestinal, por exemplo), radioterapia, dispositivos endovasculares (como cateteres), procedimentos diagnósticos ou terapêuticos (como endoscopias ou cirurgias), e mesmo pela invasão direta pelo tumor de determinadas estruturas.

3) Obstrução causada pelo tumor: quer o tumor primário quer as metástases podem causar obstruções em múltiplos locais e potenciar assim a ocorrência de infeções. Tal pode acontecer ao nível das vias aéreas (podendo aumentar o risco de pneumonias, abcessos pulmonar, empiema, fístulas, etc…), vias biliares (colangite, abcessos hepáticos e pancreáticos), intestinos (oclusão intestinal, necrose, perfuração, peritonite), vias urinárias (infecções urinárias, abcessos renais, prostatite), entre outros.

4) Desnutrição: um desequilíbrio entre os nutrientes que o corpo precisa e os nutrientes que o corpo obtém leva a carência de vitaminas, minerais, proteínas e energia que podem comprometer o bom funcionamento do sistema imunitário. A desnutrição em doentes com cancro é mais comum por alguns factores: as células cancerígenas que consomem mais nutrientes pelo metabolismo acelerado; a toxicidade da quimioterapia e/ou radioterapia que pode provocar náuseas, vómitos, diminuição do apetite e mucosite, levando a uma diminuição do aporte nutricional necessário; uma maior dificuldade de ingestão, digestão ou absorção dos alimentos em alguns tipos de cancro (como o sistema digestivo).

É importante salientar que o risco de infecção é variável e deve ser avaliado de forma individual pela equipa cuidadora de cada doente. Não é por alguém ser diagnosticado com cancro que tem maior risco de infecção, mas quando este existe, importa conhecer as medidas a tomar para o reduzir.

Artigo por: Filipa F. Silva (Oncologista)

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