Nuno Gato
Mentora-Health
Published in
4 min readJul 3, 2020

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Tamara Milagre — Associação Evita (Apoio a portadores de alterações nos genes relacionados com cancro hereditário)

Como surgiu a EVITA?

A EVITA nasceu depois de eu me ter cruzado em 2008 com uma jovem grávida que morreu dois anos mais tarde com cancro da mama porque nem ela nem os profissionais de saúde tinham dado a devida atenção aos primeiros sintomas. Associaram a alteração na mama à gravidez pois ela “não tinha idade para ter um cancro da mama”. Já duas tias paternas dela tinham morrido aos quarenta anos com o mesmo cancro e mais tarde identificou-se uma mutação no gene BRCA1 na família. Foi aí que acordei pela minha própria história familiar e depois do aconselhamento genético, identifiquei igualmente uma mutação BRCA1 na minha família. Apesar do choque inicial, senti rapidamente uma enorme gratidão por ter tido a oportunidade de poder EVITAr o cancro hereditário e depois de muita investigação solitária, tomei as minhas decisões informadas.

Em homenagem a essa grávida falecida que, sem o saber, salvou-me a minha vida, decidi em 2011 criar um “ombro amigo” para os portadores de mutação. A EVITA acompanha os mesmos antes, durante e depois do teste genético e durante todas as decisões complexas resultantes. Trabalhamos arduamente para melhorar a qualidade de vida e para salvarmos cada vez mais vidas.

Ao longo destes anos, com o seu papel na EVITA, imaginamos que tenha contactado com muitos doentes e sobreviventes oncológicos. Quais são as maiores necessidades por suprir que identifica nos seus cuidados?

Os sobreviventes devem ser analisados em dois grupos: homens e mulheres. Aprendemos que a comunicação em saúde com os homens é complicada, tanto enquanto parceiro da doente oncológica como sendo ele o doente. Têm muito menos capacidade de exprimir os seus medos e as suas necessidades e acham que o acompanhamento por um psico-oncologista não é para homens. Ainda por cima, o cancro mais frequente no homem, o cancro da próstata, está associado à disfunção erétil. Temos que estudar mais o comportamento do homem na doença oncológica para dar uma melhor resposta às suas necessidades não correspondidas.

As mulheres são muito pro-ativas e organizam-se melhor na entreajuda, uma enorme mais valia pois “já não estão sozinhas”. Na nossas mulheres com cancro em idade precoce, o medo pelos filhos ou não os poder ver crescer é estrangulador.

Durante o tratamento sofrem imenso com a sua imagem alterada: careca, mais gorda ou mais magra, talvez “mutilada”, pouco amável. Também há tratamentos hormonais prolongados que envelhecem o organismo por sentidas décadas, menopausas precoces com todas as suas consequências incapacitantes, qual vida sexual?!

Para ambos os grupos, o fim dos tratamentos leva às vezes à sensação do abandono: agora não estou a fazer nenhum tratamento, será que o cancro volta?

Aliás, esse medo acompanha qualquer doente oncológico até ao fim da sua vida.

Onde é que os doentes oncológicos mais encontram estratégicas e apoio para gerir da melhor forma a doença?

Atualmente, e graças a mudanças no paradigma de centrar os cuidados no doente, as associações de doentes já estão muito mais divulgadas e integradas na equipa.

Para as informações técnicas, os doentes confiam muito nos seus médicos que, mesmo com toda a boa vontade que possam ter, estão mais do que sobrecarregados com imensas consultas e nem sempre podem dar todo o apoio desejado. Alguns doentes também desconhecem a possibilidade de pedir um acompanhamento por um psicólogo especializado.

As associações de apoio ao doente oncológico oferecem outros serviços complementares. Em concorrência ao Dr. Google, na EVITA tentamos esclarecer e apoiar as pessoas nas suas decisões informadas. Também fazemos regularmente campanhas de consciencialização. Na nossa página há informação fidedigna relacionada e temos um conselho consultivo que nos apoia nas questões mais específicas. Além disso, proporcionamos encontros de entreajuda que dão a sensação de uma nova “família”, estamos juntos nisso, já não estamos sozinhos. Não tem preço!

O que é que a faz acreditar na importância da MH para melhorar a vida de quem passa por um diagnóstico de cancro?

Estou convencida da enorme mais valia que essa informação em saúde da vida real do doente tem, desde a última consulta até a presente consulta, pois o médico já estará a par sobre como o seu doente passou e assim rentabiliza mais o escasso tempo da consulta, bem como podem discutir em conjunto possíveis soluções.

Na perspetiva do doente, passa a ter um “assistente pessoal” no bolso (telemóvel), no tablet ou no computador que o orienta melhor com benefícios animadores para a qualidade de vida e fá-lo sentir-se mais acompanhado. Gosto especialmente da informação personalizada do exercício físico que a pessoa possa e deva fazer, sem medo, mas sim, com o enorme benefício que traz para a saúde física e mental. Não só vai melhorar a imagem, como também ajuda libertar as hormonas da felicidade.

Para saber mais sobre a Associação EVITA: https://www.evitacancro.org/

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