Metodologias de design: o arroz com feijão na mesa de negócio

Aline Barros
MELI UX

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Como ajudamos a alinhar objetivos e priorizar soluções em uma iniciativa complexa

Desenhar para logística tem grandes desafios. Sua estrutura complexa possui múltiplos cenários que se conectam e se retroalimentam, seja pelas atividades operacionais ou pelas ferramentas. Entender com profundidade os processos nos ajuda a identificar o foco do problema e a atuar de maneira mais assertiva. Por isso, antes de decidirmos por qualquer caminho, há um trabalho extenso de investigação do problema, alinhamento de objetivos, definição, revisão e validação de regras.

Nos meus primeiros trabalhos como Sr UX no Mercado Livre, minha atuação começava com uma série de decisões já tomadas. Geralmente recebíamos o briefing sobre os acordos e, então, começávamos a pensar na solução. No último ano passei a sentar à mesa de definições e isso me ajudou a entender melhor o impacto da iniciativa, o cenário do problema e, principalmente, deu a possibilidade de reforçar a visão do usuário desde o início. A seguir, conto com mais profundidade um caso em que trabalhei, detalhando as metodologias e os desafios.

Caso aplicado

O processo de Multi warehousing visa distribuir estrategicamente os produtos armazenados entre os diferentes centros de distribuição para que, quando houver uma venda, o produto seja enviado de forma mais ágil e barata. Algumas métricas desse processo nos alertaram que algo não estava funcionando muito bem, e fomos entender o porquê.

Primeiro, houve um mapeamento geral de problemas com os principais responsáveis de cada time envolvido. Aqui, entendemos um pouco a governança cross e os usuários das ferramentas.

Após identificar os usuários, fizemos entrevistas exploratórias para entender suas responsabilidades e como interagiam com as ferramentas no decorrer de suas atividades. Já no início da investigação, identificamos que haviam muitas ferramentas externas que foram construídas para suprir uma ineficiência que havia no nosso sistema de gestão WMS (Warehouse management system).

Essas ferramentas vão desde planilhas no excel, PPTs e dashboards em Looker. Essa ação tem impacto negativo porque, além de consumir horas de trabalho dos operadores, cada armazém cria seu formato e isso pode resultar em despadronização, dificuldade de análise de dados, compliance de KPIs e falta de transparência com a qualidade dos processos.

Nosso principal objetivo como time de produto é criar soluções no nosso WMS que ajudem na gestão e realização das tarefas, e que os dados sejam como um raio-x de como se encontra o armazém fisicamente.

Nesse post eu comento um pouco sobre o funcionamento de um fulfillment e para quais ferramentas desenhamos.

Essa definição serve como lupa para detectarmos o que dos processos não está sendo sistêmico. Com isso em mente, fizemos o levantamento de todas as ferramentas externas e voltamos com o time para analisar quais deveriam ser transferidas para o sistema.

Criamos um painel organizado por usuário e responsabilidades e fizemos um workshop online com o time distribuído em diferentes países da América Latina. Separamos as pessoas em salas digitais agrupadas por disciplina para que comentassem em post-its quais dessas planilhas e dashboards seriam sistematizadas. Nos minutos finais, nos reunimos para discutir o ponto de vista de cada um e o resultado foi que de fato não sabíamos o suficiente para tomar a decisão naquele momento.

Porém, durante as discussões, foi possível identificar alguns conceitos-chave que nos deram uma ideia de como seguir. Transformamos esses conceitos em etapas macro e criamos uma matriz onde agrupamos as ferramentas externas nas respectivas etapas, como um card sorting.

Também inserimos os usuários em suas responsabilidades dentro de cada etapa e voltamos com o time em mais um workshop para apresentar a matriz. A matriz nos ajudou a definir em conjunto qual era o escopo de trabalho dentro da nossa governança. Com isso alinhado, partimos para o desenho e solução.

Considerando o usuário principal da ferramenta que estávamos propondo, começamos a desenhar o que seria as etapas de realização das atividades. Foi preciso entender um pouco mais quais ações eles realizariam a partir dos dados que estávamos construindo, então voltamos com mais entrevistas de profundidade que resultaram na criação de um user stories, onde, para cada atividade agrupamos os tipos de dados que eram essenciais consultar. Agora sim tínhamos informações suficientes para construir em tela essa jornada.

Proposta

A proposta inicial foi de construir um novo relatório em formato de painel de monitoramento com gráficos e resumos quantitativos para apoiar a gestão de execução, onde os usuários poderiam visualizar as tarefas, capacidade do time e cumprimento dos prazos, além de indicar processos parados. A partir dessa detecção quantitativa, a navegação seria direcionada para outro relatório de transferências já existente no nosso WMS, que informaria detalhes das transferências com problemas.

Ao apresentar a proposta, discutimos casos de uso e formas de consumir os dados e entendemos em conjunto que, tanto os objetivos quanto o conteúdo do novo relatório de monitoramento estava se cruzando com outros relatórios existentes. Para não duplicar ou sobrepor ferramentas, optamos por seguir apenas com o relatório de transferência, iterando e agregando resumos e alertas de backlog pendente orientados a detecção e resolução de problemas.

Fizemos um trabalho em conjunto para mapear em que momento do processo seria possível identificar sistemicamente um problema, ou seja, no momento em que o produto passava por uma conferência teria indicação se ele havia passado de etapa ou não. A partir disso, estruturamos visualmente as informações junto com ajustes nos dados da tabela, filtros e acessos ao relatório.

Com a validação da solução end game, definimos a primeira entrega de valor para trazer impactos dentro do trimestre de trabalho. Em paralelo a esse desenho, também revisamos o processo operativo e construímos soluções que atuavam em paralelo na causa raiz, evitando que alguns problemas acontecessem.

No Mercado Livre, a inovação é base dos pilares culturais, e o Beta contínuo faz parte do DNA que nos mantém em constante movimento. Para acompanhar o ritmo, é necessário desenvolver habilidades que vão muito além das especialidades curriculares; é preciso ter segurança para tomar decisões, assumir riscos e colaborar com os espaços horizontais de discussão. Desenhar com foco em inovação pressupõe que vamos ter caminhos abertos rumo a um futuro desconhecido, e um time multidisciplinar pode ter perspectivas diferentes sobre o melhor trajeto. A melhor forma de alcançar o objetivo é percorrer a estrada juntos.

As metodologias de UX podem ser fundamentais para promover a compreensão compartilhada, orientar intencionalmente a priorização e execução do trabalho, e nessa iniciativa o time foi protagonista. Coordenar mesas, mediar dinâmicas e propor alternativas ampliaram as discussões e influenciaram diretamente o andamento e o resultado do projeto. Com essa atuação, mostramos que temos visão e recursos para construir soluções de forma estratégica, alinhados com viabilidade, custo, benefício para os usuários e para o negócio, papel que geralmente é esperado de uma pessoa especialista em produto. Dizer que as metodologias de design são arroz com feijão na mesa de negócio é reforçar os seus benefícios no dia a dia para o desenvolvimento de um produto saudável.

Principais aprendizados

Mediar com flexibilidade

Planejamos a aplicação de dois workshops com o time para decidir quais ferramentas externas seriam passadas para o WMS, compartilhamos o Figma e esperamos deles uma participação mais ativa com comentários e informações sobre as ferramentas. Não conseguimos o resultado que esperávamos, então nos reunimos e revisamos o próximo encontro. Para o segundo, compartilhamos a tela e guiamos a discussão enquanto preenchemos a matriz com novos insights. Nesse momento, foi preciso avaliar o quanto precisaríamos controlar o tempo da dinâmica, pois estavam surgindo pontos relevantes que não faziam sentido interromper. Mediar com flexibilidade possibilitou adaptar a dinâmica, tanto no objetivo e modelo planejados inicialmente quanto às regras de tempo durante a aplicação.

Storytelling

Tudo tem a estrutura de história: a história dos usuários e suas atividades, a história da tela que conta as necessidades ou história do projeto e a jornada para chegar até o resultado. Dominar a estrutura narrativa e entender em que momento é necessário resumir ou detalhar é um desafio diário. Talvez para isso seja preciso criar mais de um tipo de documento, mas o mais importante é registrar de todas as formas possíveis.

Gestão em design

Trabalhamos em 8 UX designers, entre managers, experts, líderes e seniores, e para que funcionasse bem, foi fundamental a organização das tarefas e responsabilidades de cada um. Também foi importante alinharmos com o time qual seria o nosso entregável ao fim do trimestre (que é o tempo de execução de cada projeto). Caso contrário, poderíamos nos sobrecarregar ou mesmo deixar de cumprir os acordos no prazo.

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Esse projeto foi intenso e de muitos aprendizados e por isso o considero um divisor de águas dentro da minha atuação. Deixo o meu agradecimento e reconhecimento ao time em geral, mas em especial ao time de UX ao qual eu tive o privilégio de construir, desconstruir e reconstruir métodos, experiências e pensamentos em conjunto Beatriz Barbosa De Figueiredo Mila Josch Mariana Pascucci Fernando Manuel Rois Douglas Dos Santos Lemos Lima Silvina Soledad Tejeda Gianfranco Chiappe

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