Ilustração: Laura Guarie

Não é “só uma traduçãozinha”: a tradução UX no Mercado Livre

Niala Pessuto
MELI UX
Published in
6 min readMar 17, 2022

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As empresas estão de olho em internacionalizar seus produtos para a expansão em novos mercados. Pra isso, precisam contar com especialistas em tradução que trabalhem par a par com as equipes de criação de conteúdo para construir essa experiência não só em outro idioma, mas também em outra cultura.

No Mercado Livre, nós, tradutores, somos parte do time de UX. Nosso trabalho é fundamental para garantir que a melhor experiência — não importa em que país você esteja usando nossos produtos e serviços — será mantida nas versões do conteúdo traduzido.

Assim como UX Writers, seguimos heurísticas de conteúdo que nos ajudam a traduzir com naturalidade, consistência e qualidade, atendendo sempre a critérios de usabilidade e a boas práticas de redação UX.

Além disso, precisamos levar em consideração não apenas as diferenças linguísticas, mas os aspectos culturais e as particularidades regionais de cada país.

Afinal, assim como nunca é “só um textinho”, também nunca é “só uma traduçãozinha”, néah?

[Observação importante: aqui estamos usando “tradução” no sentido mais amplo, incluindo os conceitos de localização e adaptação.]

Tradução e a experiência de uso

Onde quer que a pessoa usuária esteja, lá também estaremos nós representando a voz local do MeLi (como chamamos todo ecossistema do Mercado Livre) e levando a palavra da tradução UX.

No MeLi, diferentes equipes de UX Writers, espalhadas em diversos países, produzem conteúdo e escrevem para produtos em espanhol e português, e nós traduzimos para esses idiomas e também para o inglês. Estamos falando do grande mercado brasileiro e dos outros 17 países onde o Mercado Livre atua na América Latina!

Cada país tem suas particularidades linguísticas e culturais. E, quando falamos do idioma espanhol, precisamos ainda considerar as diferentes variações que temos nessa língua, que faz com que palavras, expressões e algumas construções mudem entre diferentes países hispanohablantes.

Como parte dos aspectos específicos de cada país, precisam ser consideradas diferentes organizações territoriais, documentos, sistemas bancários, meios de pagamento, informações fiscais e moedas, para citar alguns exemplos.

Agora que você já tem uma dimensão do nosso desafio, algumas das perguntas fundamentais que nos fazemos no nosso dia a dia:

  • Quem são e onde estão as pessoas que usam nossos produtos e serviços?
  • Quais são suas necessidades de comunicação?
  • Como podemos garantir que o texto facilite sua experiência de uso, faça sentido e funcione na sua realidade local?
  • Temos todo o contexto necessário para fazer essa tradução?

Como garantir a melhor experiência de uso em conteúdos traduzidos?

Pois bem, assim como UX Writers escrevem levando em consideração uma série de heurísticas de conteúdo, nós, tradutoras e tradutores UX do MeLi, também seguimos algumas heurísticas para nossas traduções atenderem a critérios de usabilidade e estarem alinhadas à voz e tom do Mercado Livre.

Além disso, criamos glossários trilingues e usamos nosso Manual de Estilo para escrever de forma clara, amigável e consistente.

Manjamos de tradução, e também manjamos de UX. Temos essa dupla expertise para entregar conteúdos autênticos, percebidos como naturais, e que despertem confiança.

Heurísticas de conteúdo aplicadas à tradução

Em linhas gerais, essas são as heurísticas do conteúdo que traduzimos no MeLi:

  • Significativo
  • Claro
  • Conversacional
  • Conciso
  • Consistente
  • Acessível e inclusivo

Nos baseamos no quadro proposto pela Torrey Podmajersky no icônico “Redação Estratégica para UX” para criar nossa própria matriz de referência, adaptando os critérios de avaliação às necessidades da tradução UX.

Matriz adaptada para avaliação de tradução a partir de critérios de usabilidade

E quais são nossas soluções para os desafios do dia a dia?

As diferenças linguísticas não são o único fator a considerar, também precisamos pensar no contexto e nas limitações de espaço envolvidas na adaptação de um idioma a outro.

Nosso maior compromisso é com a usabilidade do conteúdo que irá informar e orientar quem usa nossos produtos e serviços a atingir seus objetivos.

Como tradutora e revisora do par português-espanhol, compartilho alguns pontos de atenção:

.: Parecidos, pero no mucho

A tendência na tradução de idiomas tão semelhantes, como é o caso do espanhol e português, é reproduzir alguns termos e estruturas que, embora existam em um, não são usados com tanta frequência — ou no mesmo contexto — que no outro.

Linguisticamente, esses idiomas têm diferenças contrastivas importantes, em aspectos como uso da voz passiva, função e ocorrência pronominal, flexão de proposições e de pronomes possessivos — para citar alguns deles — que precisam ser considerados numa tradução de qualidade.

Além da frequência de uso de um termo em um determinado contexto, outro fator decisivo para a escolha de um ou outro termo de tradução é o entendimento do público e da unidade de negócio para a qual estamos traduzindo.

.: Diferenças culturais, regionais e de registro

Nas nossas comunicações do MeLi em português, sempre que necessário, procuramos suavizar o tom para dar instruções usando o imperativo, principalmente por uma tendência de não usarmos um tom tão direto quanto no espanhol.

Além disso, algumas datas podem não ter o mesmo significado em diferentes países, e é aí que entra nossa sensibilidade local para avaliar a pertinência de adaptar ou não uma comunicação para o mercado brasileiro.

.: Design first!

Da mesma forma que UX Writers, nós também precisamos escrever levando em consideração princípios de design. Por isso, conhecer o layout das telas é fundamental na tradução.

O que funciona num idioma, pode não funcionar no outro. Fazemos uma verdadeira ginástica do ponto de vista linguístico para transmitir a mesma mensagem em português, considerando a organização dos componentes das telas projetadas originalmente em espanhol (e vice-versa).

.: Limitação de espaço/ e ou número de caracteres

Muitas das particularidades linguísticas citadas anteriormente, além do vocabulário próprio do idioma, podem transformar uma frase curta em espanhol em uma frase longa em português.

Como especialistas em tradução UX, sabemos o que precisa ser transmitido no conteúdo traduzido e o que pode ser omitido sem prejuízo à experiência de uso. Por isso, seguimos no exercício de dar una vueltita no texto para que o conteúdo em português tenha o mesmo número de caracteres e palavras em componentes como pills, CTAs, placeholders, textos de ajuda e em comunicações do tipo push.

.: Marcadores de gênero

Português e espanhol são idiomas com dois gêneros gramaticais. Sempre que possível, buscamos alternativas que não marquem gênero para sermos mais inclusivos.

Para isso, usamos a criatividade para substituir adjetivos e substantivos por outras construções, como as que usam verbos e pronomes.

E a tal da fidelidade ao texto-fonte, é sempre o que buscamos?

Essa é a pergunta que não cala no mundo da tradução, e a resposta é: depende. E, no mundo da tradução UX, mais do que nunca, esse “depende” envolve o escopo da iniciativa, o contexto, quem é nosso público, as voltas que precisamos dar para atingir nosso objetivo de comunicação e a limitação de caracteres dos componentes, para citar alguns fatores.

Antes de fidelidade, preferimos falar de adaptação: precisamos de um olhar tradutor treinado para identificar uma ou outra situação.

Claro que as mensagens traduzidas precisam corresponder à original, mas nunca é uma tradução “palavra por palavra” ou “literal”. Sempre buscamos que o conteúdo seja relevante para o público local, e aí também podemos lançar mão da transcrição. Mas esse pode ser assunto para outro post 😉.

Escrevi essa reflexão a partir do dia a dia no time de Adaptaciones UX do MeLi, liderado pela maravilhosa Julia Sala Domingues.

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Niala Pessuto
MELI UX
Writer for

Tradutora que se encontrou no UX Writing e por aí ficou .:. Mestra em Letras-Língua Espanhola .:. Tradutora UX @MercadoLibre