Empatia nos tempos do coronavírus - Uma visão de UX

Nenhum de nós poderia imaginar que hoje estaríamos usando a empatia como base para a reclusão social.

Paula Lopes
Mergo
4 min readMar 19, 2020

--

Composição feita com imagem do vírus retirada daqui

Quem já teve de ensinar pessoas sobre UX ou sobre metodologias de design, como o design thinking, provavelmente teve de explicar o termo “Empatia”. Era um termo não muito falado há alguns anos, mas que de uns tempos para cá tomou conta dos livros de autoajuda e das frases motivacionais inspiradoras que vemos em post de Instagram.

Quando explicamos sobre o termo empatia falamos de “nos colocarmos no lugar do outro”, pensarmos como eles, imaginarmos suas dores. Há na web diversos vídeos, crônicas e livros explicando muito detalhadamente o conceito. E nós, pessoas de UX, seguimos explicando o termo aplicando a empatia para chegarmos à soluções adequadas àquele usuário que estamos buscando conhecer.

Como profissional de UX ensino sobre empatia, a aplico em todo processo de trabalho, em especial na fase de imersão e entendimento (fase essa que em algumas metodologias também se chama Empatia). E procuro aplicá-la no dia a dia também: no trânsito, na fila do mercado, no relacionamento com pessoas à minha volta. Acredito que muita gente, em especial quem está na mesma profissão que eu, balançou a cabeça positivamente lendo essa frase, pois tenta fazer o mesmo.

Nenhum de nós poderia imaginar que hoje estaríamos diante desse fenômeno mundial pandêmico que é o coronavírus, tendo de pensar na empatia não somente como termo famoso e simpático, mas como conceito base para uma das soluções mais indicadas (e polêmicas) para o momento: a reclusão social.

Diversos países, diante das consequências da doença, recomendaram que as pessoas não saiam de casa para diminuir o contágio entre elas. Isso se daria pois quanto menos pessoas congregando, menor a dispersão do vírus.

No artigo de The Washington Post de 14 de março de 2020 vemos uma simulação da quantidade de infectados considerando pessoas andando livremente e também com variações de distanciamento social:

Gráfico traduzido e retirado de The Washington Post

Com o distanciamento extensivo na simulação, percebemos que a quantidade de pessoas não infectadas toma quase todo o gráfico, numa visão positiva de futuro.

Mas muitos de nós, nesse momento, mesmo vendo esse gráfico, podemos calcular:

Não estou com sintomas. Não viajei para o exterior. Então, provavelmente não tenho o vírus. Não estou no grupo de risco, para mim não é preocupante. Ficar em casa é um saco. Sou um ser independente e dono do meu nariz. Vou para onde eu quiser e nada vai me acontecer.

Apesar de todas as frases acima estarem corretas, todas elas somadas não são suficientes para nos livrarmos da tal empatia. Ela entra aqui com força, com o pé na porta, para nos lembrar que o processo empático não acaba no pensamento em relação ao outro, ele vai além e ele está também nas nossas ações. Não basta pensar como o outro nessa situação, temos que agir em prol dele.

Quando diminuímos nossa interação social, diminuímos a propagação do vírus como um todo. Diminuindo a propagação, estamos protegendo aqueles que estão no grupo de risco. Estamos também protegendo aqueles que precisam de atendimento público, e que não encontrarão leitos disponíveis porque a quantidade de infectados extrapolará a disponibilidade do sistema de saúde. Protegemos pessoas no nosso país e em outros.

Nesse contexto em que estamos inseridos, observamos que o bem comum acaba sendo indiretamente o bem individual: ao pensarmos e agirmos empaticamente pelo outro, diminuímos nossa chance individual de contágio. É uma empatia que retorna benéfica para nós mesmos.

Nos deparamos com um exercício importante e, para muita gente, inédito: abrir mão do meu direito para garantir o do próximo. Não há aqui a percepção clara e transparente do benefício, apenas a ideia de que estamos ajudando a comunidade que nos cerca. E isso não se dará em curto prazo, teremos de ter paciência e manter o processo empático por semanas, no mínimo.

Pensar no outro e agir por ele, abrindo mão dos nossos próprios direitos. Isso sim é um exercício de empatia que servirá de exemplo para cada dinâmica de UX ou design thinking aplicadas daqui por diante (por enquanto, de forma remota): “Lembram do coronavírus, de quando precisamos deixar de sair de casa para evitar que outras pessoas fossem infectadas”?

Importante frisar aqui que nem todos que gostariam de aplicar a empatia nesse contexto tem a permissão para tal: profissionais cujo trabalho exige contato interpessoal, profissionais de saúde ou mesmo funcionários cujas empresas não os liberaram para trabalho remoto. Essas pessoas não estão livres para optar pelo distanciamento social em suas jornadas diárias.

Concluo esse texto sabendo que num futuro (espero que próximo), em que tenhamos a vacina e/ou a cura para esse vírus e a dominação dos protocolos para evitar próximas pandemias, vamos olhar para trás e ter a certeza de que a empatia é muito mais do que um conceito no processo de UX: Ela é, na verdade, parte dos que nos torna civilizados.

--

--