Novas perspectivas sobre Arquitetura de Informação no WIAD 2020
A Arquitetura de Informação não parou no tempo. Em meio a chatbots, interfaces conversacionais e inteligência artificial, o WIAD mostrou como ela ainda constitui a base das soluções que construímos.
No dia 29 de Fevereiro de 2020, ocorreu em São Paulo a edição brasileira do Dia Mundial da Arquitetura de Informação (World Information Architecture Day), ou simplesmente WIAD.
O WIAD é um evento que ocorre em mais de 60 localidades ao redor do mundo desde 2012. Este ano, contou com a organização e curadoria da Carolina Leslie e Ana Coli. A organização global era realizada pelo Instituto de Arquitetura de Informação (The Information Architecture Institute — IAI), que infelizmente encerrou suas atividades formais em setembro de 2019.
O tema desde ano foi “O elemento de Arquitetura de Informação (AI): O passado, o presente e o futuro” e foi incrível como as oito palestras criaram uma narrativa coesa com esse tema. Neste post, irei apresentar um resumo dos conteúdos que mais me chamaram a atenção e minhas percepções.
Antes de começarmos o textão, uma visão geral sobre a Arquitetura de Informação.
Arquitetura de Informação: resumão de quando UX era mato
A AI surgiu em meados da década de 1970, com o termo cunhado pelo designer gráfico e arquiteto Richard Wurman, mas foi só no final dos anos 1990 que foi levada para o mundo digital com forte embasamento da ciência da informação. Os responsáveis pela visibilidade da AI como disciplina de design e tecnologia foram Peter Morville e Louis Rosenfeld, com o livro “Information Architecture for the World Wide Web”, também conhecido como o livro com a capa do urso polar.
De acordo com o IAI a Arquitetura de Informação é
“A prática de decidir como organizar as partes de uma informação ou contéudo para ser compreensível (…) Uma boa AI ajuda as pessoas a entenderem o ambiente e a encontrar o que estão procurando, tanto no mundo real quanto online. Praticar a arquitetura da informação envolve facilitar às pessoas e organizações com as quais trabalhamos a considerar suas estruturas e linguagens com atenção.”
Isso envolve: organização visual e informacional, fluxos de interação, redação e microredação (microcopy), pesquisas com usuários, card sorting, wireframes, etc. Soa familiar?
Conforme a Ana Coli pontuou, a AI foi a primeira profissão a tratar de atividades que hoje atribuímos ao guarda-chuva de funções de UX, abrindo as portas dessa área no Brasil. Porém, conforme começamos a falar de UX nos últimos anos, perdemos um pouco do conceito de AI, fazendo ela ficar esquecida para muitos profissionais e obsoleta perante o mercado. Mas será mesmo que a AI é obsoleta?
Por isso, a intenção do WIAD 2020 foi resgatar o passado da AI e mostrar as direções futuras. Sim, há espaço para AI em pleno 2020 e como tem! Fica a esperança de alguém que começou quando tudo era mato e ainda se considera designer de interação: voltaremos a ter arquitetas(os) de informação e designers de interação nas empresas?
Entendendo quem faz pesquisa em UX no Brasil
A primeira palestra do WIAD foi da Izabela de Fátima, pesquisadora de UX na Loggi e apresentadora/criadora do podcast Movimento UX, falando sobre a primeira pesquisa em larga escala sobre os profissionais UX Research (Pesquisa em UX) no Brasil. Essa pesquisa era uma subpesquisa dentro do Panorama UX, estudo realizado anualmente pela Zoly desde 2015 para mapear diversos aspectos do mercado de UX no Brasil.
UX Researchers representam 10% dos profissionais de UX no Brasil e a maioria ainda está concentrada em São Paulo. No geral, são profissionais jovens de 25 a 34 anos e, em sua maioria, mulheres. Porém, isso não significa que é um mercado com equiparação salarial.
Uma mulher no nível Junior de UX Research chega a ganhar R$ 1.900,00 a menos do um homem no mesmo nível. Nos níveis sênior e especialista esta disparidade é menor, mas ainda existente. A única exceção é nos cargos executivos e de diretoria, ou C-Level, em que as mulheres tendem a ganhar um pouco mais. Também ainda não somos tão diversos assim. Temos pouca representatividade de pessoas LGBTQ+, com deficiência e não-brancas.
Mesmo sendo uma área nova, metade dos respondentes têm alguma educação formal, principalmente em design e computação, e 67% foram além da graduação.
Sobre a forma de fazer pesquisa, mais de 50% combinam métodos quantitativos e qualitativos, mas ainda ficamos nas técnicas mais tradicionais e deixamos de usar técnicas mais arrojadas como os diários de uso continuado. Vou confessar que eu sou uma das que só conhece essa técnica na teoria, mas nunca apliquei. Por que não estamos usando mais diários de uso continuados?
Um dado interessante foi ver como WhatsApp é a ferramenta de pesquisa mais usada, atrás de ferramentas de construção de questionário e HotJar.
Sobre as dores de quem faz pesquisa, os maiores problemas são o recrutamento de participantes, falta de tempo e dinheiro, falta de usuários para realizar testes e não conseguir zerar a demanda de pesquisa.
Muitas destas informações conhecemos informalmente por meio de conversas com colegas da área, mas é interessante ter dados que confirmam nossas percepções sobre o mercado para que possamos agir e caminhar para uma área de UX Research mais diversa, madura e com equidade.
Qual a percepção de profissionais de UX sobre decisão tomada por algoritmos
Pegando o gancho com a palestra da Izabela, tivemos a Carolina Leslie, Diretora de UX na Zoly e responsável pelo Panorama UX, apresentando os dados da 5ª edição da pesquisa. Mas nada de perspectivas sobre educação, cargos e salário. Vamos falar sobre vieses de decisões tomadas por algoritmos baseados em inteligência artificial. Como profissionais de UX, como estamos lidando com decisões tomadas por algoritmo? Esta era uma parte do último Panorama UX.
Carolina apontou que mais de 60% dos respondentes acreditam que os programas de computador sempre irão refletir os preconceitos de quem os projetou. A tendência em não acreditarem que os programas refletem preconceitos e que podem ser neutros aumenta em respondentes brancos, homens e que não são LGBTQ+.
Porém, precisamos ponderar que a tecnologia não é neutra ou isenta. Se um mecanismo para tomada de decisão baseado em inteligência artificial for alimentado com dados enviesados, ele simplesmente irá reproduzir esses vieses no momento de tomada de decisão. Vários exemplos foram citados durante a palestra como o cartão de crédito da Apple que oferecia crédito menor a mulheres ou o algoritmo de cálculo de reincidência criminal que apontava que um preso branco tinha menor chance de reincidência do que o negro (e a realidade dos analisados mostrou exatamente o contrário).
O momentos mais marcante nessa palestra, para mim, foi um exemplo de viés de inteligência artificial relacionado à gênero que a Carolina apresentou, onde havia os paralelos entre conceitos no formato ela está para ele com inferências que refletem estereótipos, por exemplo: ela está para ele é análogo à dona de casa está para programador ou enfermeira está para doutor.
E o quanto estamos nos preocupando com privacidade e o uso dos nossos dados pelas redes sociais? Cerca de 86% consideram aceitável usar esses dados para recomendar eventos, mas essa aceitação vai caindo quando falamos em recomendar alguém que você conhece, exibir anúncio e mostrar mensagem de cunho político, esta última rejeitada por 92% dos respondentes. E se for um evento, de alguém que você conhece com cunho político? Qual o limite do aceitável?
Como profissionais de AI e UX, temos um papel questionador nesse processo, atuando na curadoria dos dados que alimentam os algoritmos e da forma como esses dados são usados. Tecnologia é feita por pessoas e pessoas possuem julgamentos enviesados que, não intencionalmente, podem estar alimentando ferramentas de tomada de decisão que podem trazer resultados indesejados na vida das pessoas. Precisamos de humanização dos processos.
Design guiado pela cultura
Um design humanizado vem de uma cultura humanizada e esse foi o principal assunto da palestra de Lidiana Domingues (UX Writer) e Ricardo Sato (DesignOps), da NuBank.
Lidiana e Ricardo descreveram como a cultura da NuBank guia os processos de design, tendo como pilares a co-criação e humanização para combater a complexidade e empoderar pessoas — de colaboradores e usuários.
“Times nos guiam a fazer do jeito certo.
Cultura nos guia a fazer a coisa certa.”
A co-criação envolve dissipar a decisão do desenvolvimento de um novo recurso para a plataforma. É muito comum termos que lidar com decisões que vêm de diretoria e precisam ser executadas, sem poder de decisão. Porém, na empresa, as decisões podem partir de qualquer equipe. Um exemplo foi a funcionalidade de antecipação do pagamento de parcelas para compras do cartão de crédito, que surgiu de uma hackathon interna.
Já a humanização envolve trabalhar a forma com que as pessoas se relacionam com a marca, trabalhando principalmente um atendimento humanizado. Suporte e atendimento fazem parte da experiência com um produto ou serviço, mas pode ser um ponto de fricção se não for bem trabalhada.
Esses princípios não são exclusivos das equipes de UX, mas de toda a empresa como parte da cultura, e influenciam no produto final. A cultura surge nos primeiros 20 funcionários. Se não for bem estabelecida nesse momento, dificilmente poderá mudar.
AI para humanização de Interfaces Conversacionais
Continuando no assunto de humanização, tivemos a palestra do Leonardo Lima e Pedro Balboni, da Mutant, falando sobre humanização de interfaces conversacionais usando como estudo de caso as famosas Unidades de Resposta Audível (URA), aquelas gravações das centrais de atendimento por telefone.
Eles começaram tocando o áudio de uma URA onde a pessoa estava tentando obter uma informação relacionada ao cartão de crédito e teve que passar por uma mensagem longa de boas-vindas, um menu extenso de opções, corrigir o número do CPF e ouvir os 48 dígitos do código de barras um a um.
Quando pensamos em interfaces conversacionais, a tendência é associar a chatbots ou assistentes virtuais como Alexa, Siri ou Cortana. Mas as URAs também são interfaces conversacionais, mais especificamente, interfaces de voz (Voice User Interface — VUI) e seguem sendo muito utilizadas.
Em uma VUI, a conversa é a interface e a linguagem é o fluxo de interação. Assim, a arquitetura de informação para uma VUI trabalha a escolha do que é falado e da forma como é falado, para que a jornada da pessoa que está usando a URA eficiente, eficaz e confiável, resultando em uma boa experiência.
Agora, se a pessoa precisar passar 40 minutos na linha, com uma interface conversacional complexa e ineficaz, que mensagem estamos passando para a pessoa? Fica parecendo que resolver o problema pela central de atendimento é quase um castigo.
“Não basta ter empatia, é preciso ter humanização.”
Algumas orientações para pensar em uma VUI mais humanizada:
- Usar linguagem inclusiva e evitar frases relacionadas à gênero;
- Explicar primeiro o comando e depois o número, por exemplo, “Para saber o limite do seu cartão, digite 3”, ao invés de “Digite 3 para saber o limite do seu cartão”. Isso evita sobrecarga cognitiva para a pessoa memorizar um número antes de saber qual o comando, pois ela pode memorizar algo desnecessário;
- Muitas URAs têm ação de voltar ao menu, porém, se isso está acontecendo é porque o desenho da conversa não está adequado. Em uma conversa real, não voltamos atrás na conversa e a URA deve reproduzir ao máximo possível o fluxo de uma conversa real;
- Assim como interfaces gráficas, na URA a mensagem de erro tem que ajudar a pessoa a se recuperar do erro. Ao invés “Número inválido” quando a pessoa digita o CPF incorreto, prefira “O CPF informado não é válido” e “O CPF possui 11 dígitos, você digitou somente 5 dígitos”, por exemplo;
- Evite termos desconhecidos e jargões. Muitas pessoas não sabem o que é “linha digitável”, mas sabem o que “código de barras”;
- Se precisar ler um número muito extenso, como o código de barras, leia de forma natural com agrupamentos de números. Por exemplo: ao invés de “três” e “zero”, leia “trinta”; ao invés de “seis” e “cinco”, leia “meia cinco”.
Existe AI se não existe interface?
Na palestra seguinte, Diego Rezende, UX Lead do Hospital Israelita Albert Einstein, trouxe provocações sobre o futuro da arquitetura da informação em um mundo sem interfaces e começou pontuando como o mercado hoje não sabe mais o que é a AI e como não falamos dos fundamentos dela.
Em um mundo cada vez mais inundado de informações, a AI se faz muita necessária. Toda a informação que temos em redes sociais nos deixa com alta ansiedade e baixa concentração. Um dos efeitos desse dilúvio informacional é o sentimento de estar ficando de fora se ficarmos sem acessar as redes sociais por algum tempo, chamado de Fear Of Missing Out (FOMO).
Além disso, há pouca curadoria de conteúdo, o que faz que nos deparemos com muita informação nociva. Por conta disso, um estudo identificou que cerca de 40% das adolescentes de 15 a 17 anos que usam as redes sociais por mais de 5 horas por dia têm maior tendência à depressão.
Essa ansiedade da informação traz a urgência de trabalharmos formas de fornecer o acesso certo às informações e permitir a compreensão adequada delas. Esse acesso é cada vez menos através de telas e interfaces gráficas e mais através de recursos pervasivos e ubíquos.
“Nós vamos projetar cada vez menos telas e cada vez mais interações.”
A arquitetura de informação sempre foi sobre conteúdo e interação e não sobre telas, por isso eu creio que é um excelente momento para revisitar as bases da AI. Telas podem até deixar de existir, mas interações não.
A tendência é termos informações cada vez mais atômicas, como notificações ou pequenas informações em relógios inteligentes. Entregar a informação correta, concisa e sob demanda não é puramente uma decisão de um mecanismo de inteligência artificial, mas também de arquitetura de informação.
“Nenhuma sofisticação de algoritmo irá superar a arquitetura de informação.”
Uma das recomendações finais do Diego é: revisite as bases da arquitetura de informação, tanto o livro do Morville e Rosenfeld quanto o completíssimo “Design de Interação: Além da Interação Humano-Computador” de Yvonne Rogers, Helen Sharp e Jennifer Preece.
A AI Invisível
Seguindo no pensamento sobre futuro da AI, Emerson Niide, professor de UX da Ironhack, trouxe a perspectiva da AI invisível de forma positiva.
Quando pensamos no futuro das interações, a tendência é aquele cenário em que a pessoa está em cercada por dispositivos tecnológicos, já acorda ouvindo a assistente virtual (que é sempre uma mulher) e tem recursos perceptíveis à sua visão. O problema é considerar que essas boas interações vêm de algo que está exposto a algum dos nossos sentidos.
“Nós permitimos que somente dois sentidos guiem o design — visão e audição.”
Porém, uma boa interação pode vir justamente do que está “invisível”, tanto no pensar, no tornar e no perceber. O pensar invisível é quando facilitamos os processos cognitivos de decisão das pessoas sem grandes recursos, como mostrar os emojis mais recentes ou mais utilizados ou, na busca do Google, quando buscamos uma determinada condição, ele mostra um quadro no lado direito dos resultados, com informações de curadoria humana.
Outro caso do pensar invisível é quando digitamos o nome incorreto de um artista ou música no Spotify e ele consegue achar da mesma forma. A pessoa não precisa pensar em escrever corretamente, até porque há palavras que podem ser difíceis e incomuns. Essas decisões vêm de uma combinação de algoritmos de decisão e vocabulário controlado de AI.
Já o tornar invisível é pensar em como esconder o óbvio e mostrar o que possui significado para as pessoas. Nem tudo precisa ser exposto, exibido. Simplicidade nas informações, nos recursos e nas interações ajuda as pessoas a se concentrarem nas tarefas mais importantes.
E, por fim, o perceber invisível são as coisas que usamos de forma automática, sem perceber que elas estão ali, como o caso de interruptores. No mundo digital, isso representa informações que não precisam necessariamente ser escondidas, mas mostradas de forma diferente para que sejam percebidas de modo invisível.
Trabalhando a UX para gamificação
Na sequência, Juliana Marcenal e Juliana A’vila, da C&A, apresentaram como o uso da estratégia de gamificação e arquitetura de informação para um programa de relacionamento da C&A aproximou consumidoras da marca.
A dupla de Julianas descreveu os desafios para lançar a versão inicial (MVP) do aplicativo do programa de relacionamento em apenas dois meses, contendo aproximadamente 20 telas. O aplicativo usa a dinâmica de jogos, sendo baseado na execução de missões, que podem ser digitais ou presenciais nas lojas, onde cada missão gera pontos chamados de &mojis (“emojis”) que podem ser trocados por benefícios. A arquitetura da informação é baseada em um conceito que elas denominaram de “taxonomia estética” e em modelos de interação que levam em conta aspectos emocionais para engajar as pessoas.
Em poucas semanas de uso, várias clientes já tinham completado todas as missões e queriam mais missões para realizar, demonstrando o sucesso da estratégia. Em uma sessão de focus group após 1 mês de lançamento, mais de 60% das clientes participantes apontaram que perceberam os benefícios que podiam ganhar ao realizar missões.
O lançamento final contou com 56 telas e, até o momento, 16 missões. Com as informações das pesquisas de usuários que vêm sendo conduzidas e com os dados de uso do aplicativo, elas esperam analisar o comportamento das clientes para criar novos produtos.
Uso de chatbot para melhorar o atendimento
Paula Guedes (Analista de Negócios) e Tamires Trindade (Designer de Produto), da QuintoAndar, apresentaram o trabalho da tribo de escalabilidade da empresa para melhorar o processo de atendimento com o uso de chatbots.
O chatbot de atendimento da QuintoAndar via WhatsApp foi o primeiro da empresa e começou a operar em 2018. A intenção era melhorar o processo de confirmações de agendamento de visita e resolução de dúvidas recorrentes, tanto para os clientes quanto para a própria equipe de atendimento da empresa. O atendimento humano ainda ocorre quando o bot não consegue compreender a mensagem ou resolver uma situação, sendo transparente para o(a) cliente essa intervenção humana na conversa.
Ao iniciar o projeto, o principal receio era saber se as pessoas estariam dispostas a falar com um bot. Para isso, a equipe realizou um benchmarking para entender como bots de WhatsApp estavam sendo utilizados para atendimento e também conversou com clientes que, no final, querem apenas um atendimento rápido e agilidade no processo.
Uma das etapas mais desafiadoras é mapear o fluxo de conversas possíveis. O que o bot faz se a pessoa disser isso? Quais os sinônimos para o termo A que indicam que a pessoa está passando pelo problema B? Isso envolve um grande trabalho de vocabulário controlado, design conversacional, roteirização de diálogo e mapeamento de jornada do usuário.
Para validar esse trabalho, foi criado um bot transacional que pudesse resolver os problemas mais comuns que caem para o atendimento. E como testar com baixo custo? A equipe fez uso da técnica de Mágico de Oz (em que uma pessoa simula um comportamento ou resposta do computador), usando um formulário onde um analista de atendimento se passava pelo bot conversando com uma pessoa e tinha que seguir o roteiro definido.
Com a solução testada, o bot foi colocado em operação. Em um dos exemplos bem interessantes, o bot envia uma mensagem sobre o agendamento de visita e pede para a pessoa clicar em um link para confirmar o agendamento. A pessoa não clica no link e responde no chat que confirma. O bot compreende, toma a ação de confirmação e informa a pessoa que a visita está confirmada. O uso do bot com a tomada inteligente de decisões desafogou a equipe de atendimento, agilizou para clientes e melhorou em 96% a satisfação dos clientes.
Por fim, o que nos move (como pessoas e como profissionais de UX/AI)?
Para fechar com chave de ouro, tivemos a palestra do Robson Santos, pesquisador de inovação da Luiza Labs, doutor em design e uma das primeiras pessoas a trabalhar com UX e arquitetura de informação no Brasil. Como ele mesmo disse no início da palestra: “Sabe essa época que UX era mato? Eu tava lá, eu era o mato!”.
Inclusive, no ano de 2020 ele comemora 20 anos do primeiro artigo de arquitetura de informação escrito por ele! Com essa incrível bagagem que atravessa uma geração, Robson deu uma aula de história sobre o passado, presente e futuro da AI, surpreendendo até quem começou quando tudo era mato.
Para começar, Robson perguntou: o que nos move? Muito da nossa experiência humana é baseada no desejo de encontrar, sejam pessoas, informações, trabalho, coisas, fatos. E o papel primordial de uma pessoa que trabalha com AI é ajudar as pessoas a encontrar coisas.
Para entender como AI surgiu, evoluiu e continua sendo necessária para apoiar esse desejo, Robson começou a falar dos “ontens”, o passado, ilustrando a sua fala com menção ao filme “A gente se vê ontem” que faz parte do movimento do Afrofuturismo.
Ele passou uma linha do tempo do surgimento da AI no Brasil, a partir do artigo que ele publicou em 2000, e no mundo, a partir do livro do famoso livro de AI que comentei no início. Nesse panorama, foram relembradas pessoas e sites importantes para a área, mas que há uma nova geração de profissionais de UX talvez desconheça: Felipe Memória, a prof. Anamaria de Moraes (que criou o primeiro curso de mestrado em design no Brasil), Luiz Agner, a Lista de AI (lista de e-mail) e o site Boxes and Arrows.
Da AI, surgiu o conceito de Encontrabilidade, ou Findability em inglês, materializado em um livro de Peter Morville, co-autor do livro de AI. Um nome diferente, mas que serve ao mesmo propósito de tornar as coisas fáceis de serem encontradas.
“Nosso trabalho continua sendo o de tornar aquilo que é complexo um pouco mais claro, mais fácil, mais acessível e mais inteligível.”
Mas ele voltou ainda mais no tempo, mais especificamente para 1932. Paul Otlet, um intelectual belga e um dos fundadores da documentação, queria contribuir para a paz mundial e acreditava que uma forma de fazer isso era através do compartilhamento irrestrito de informações.
Para isso, ele criou o projeto Mundaneum, uma cidade na bélgica de onde seriam transmitidos à distância por meio telemáticos conteúdos multimídia devidamente catalogados. Praticamente o conceito que conhecemos hoje como streaming. Recomendo assistir ao vídeo “O homem que queria classificar o mundo” (legendas em português) para conhecer um pouco mais sobre este projeto. Esse desejo de encontrar as coisas de modo fácil e organizado nos move para buscar as melhores formas de fazer isso.
Chegando no “hoje” (presente), temos cada vez mais aplicativos e serviços integrados a nossos dispositivos móveis que nos fazem pensar que nossa vida está pendendo totalmente para o digital. Mas o digital convive com o tradicional e o mundo físico e a AI é a ponte para organizar a comunicação entre estes mundos. A visibilidade e invisibilidade de uma interação coexistem: o objeto a interagir e o resultado são visíveis e claros, mas o processamento deve ser invisível.
E, por fim, chegamos nos “amanhãs”, o futuro que é difícil prever com precisão. Por isso, há os conceitos de Futuros Possíveis, onde já existem soluções desenvolvidas, Futuros Plausíveis, em que há um nível de incerteza, Futuros Prováveis, que são vislumbres sem comprometimento com a realidade e os Futuros Preferíveis, um meio termo entre plausível e provável.
Como é difícil prever o futuro, podemos analisar o que a ficção científica propunha e que envolve, claro, inteligência artificial. Filmes como 2001: Uma Odisseia No Espaço, Blade Runner, Blade Runner: 2049, Her e Minority Report são exemplos de obras que especulam sobre o futuro da tecnologia. Um elemento em comum entre boa parte dessas obras é um(a) assistente virtual ou não-humano. Quando esse assistente é do gênero feminino, a personagem é construída para servir e/ou para se envolver romanticamente com o protagonista. Então, fica o questionamento se temos um viés de gênero na ficção científica como temos no mundo hoje e o quanto a ficção influencia o que é construído e vice-versa.
O futuro é humano. Os desejos podem até ser diferentes, mas possivelmente as necessidades podem ser as mesmas. Precisaremos encontrar coisas e ter essas coisas organizadas de modo fácil. Ao invés de pensar na tecnologia que será necessária, vamos pensar em qual a arquitetura de informação será necessária.
Bônus: uma incrível coincidência
Enquanto fazia as minhas anotações do evento, folheei o caderno que havia levado e eis que encontro nas primeiras páginas minhas anotações do curso de arquitetura de informação que fiz em janeiro de 2013 pela Instituto Faber-Ludens em São Paulo. Estava tudo lá: pesquisa com usuários, tríade de viabilidade de negócios/tecnologia/necessidade das pessoas, design de produto. Isso tudo há apenas 7 anos. O que será que aconteceu para a AI ser esquecida tão rápido?
A Arquitetura de Informação segue firme e forte como uma área de conhecimento importante da UX. Cabe a nós resgatarmos os fundamentos da AI combinados com o design de interação para lidarmos com as novas formas das pessoas interagirem com sistemas, com o mundo e entre si que já estão presentes. O futuro é da informação humanizada e não da interface bem estruturada.