Pode me explicar a piada?

Assim como uma boa piada, a interface deve ser simples, clara e intuitiva. Se for necessário explicar como funciona, ela não é tão boa?

Horacio Soares
Mergo
5 min readMar 14, 2017

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Não é de hoje que usamos e abusamos de frases de efeito como ”Less is More”, “Keep It Simple, Stupid (KISS)” e “Don’t Make Me Think” para orientar, ou mesmo doutrinar profissionais e empresas para a importância da simplicidade, intuitividade e usabilidade na criação de produtos digitais. Mas a realidade é que mesmo nas versões Mobile, os sites e aplicativos brasileiros continuam sendo difíceis de usar, lentos e, em sua maioria, com excesso de elementos e funcionalidades desnecessários ao contexto de uso dos seus clientes.

Apesar de antigas, essas frases ainda fazem grande sentido, principalmente para produtos digitais do tipo “LEGO” ou “REXONA”, que são aqueles sites/aplicativos onde sempre cabe mais uma funcionalidade, banner, link…

Quem nunca ouviu algo como "Por que parte da coluna direita ficou vazia?" ou "Para que tanto espaço em branco na home? Preenche logo com mais uma dúzia de elementos, é só diminuir um pouco os espaços entre os elementos e o tamanho da fonte que tudo se encaixa". O segredo é aproveitar ao máximo os espaços e assim agradar de uma só vez todos os Stakeholders, não é mesmo?

Talvez isso possa ajudar a explicar porque os carrosséis automáticos com 10, 15 ou até 20 itens rotativos tenham virado febre nos sites, em particular os de comércio eletrônico, afinal, não existe maneira mais eficiente para mitigar o narcisismo corporativo por destaques na página inicial.

Homepage Carousel — The Good

Carrosséis automáticos corroboram para uma experiência lenta e frustrante, mas não são os únicos vilões dessa história. Na verdade, eles são resultado de decisões equivocadas de produto que continuam sendo tomadas por achismos, pressa, recorrentes Copy and Paste e por escolhas unilaterais dos HIPPO’s (Highest Paid Person’s Opinion), sem nenhum tipo de colaboração e rastreamento para validação de possíveis hipóteses.

Pesquisas e testes com usuários se tornam um luxo dispensável, afinal, o produto é para ser entregue ASAP (As Soon As Possible). Se é para ontem, não se pode esperar que tenha qualidade, certo?

Como resultado temos experiências ruins, que fazem com que as pessoas fiquem em dúvida, confusas e angustiadas, com medo de errar e sem saber onde clicar/tocar. Em muitos casos, se culpam pelo insucesso da interação com frases como: “Não sou bom com computador”, “Eu sempre erro”, “Morro de medo de fazer besteira”, “Não tenho competência com essas coisas”, entre outras tantas frases onde se colocam como incapazes de realizarem tarefas. Mal sabem elas que incapaz foi a equipe responsável pelo produto.

Por essas e outras que a luta por uma cultura de interfaces mais simples, intuitivas e fáceis de usar está longe de acabar e essas frases de efeito continuam em alta.

Recentemente surgiu uma nova:

A user interface is like a joke. If you have to explain it, it’s not that good”.

Martin LeBlanc

Essa frase tem sido amplamente divulgada por profissionais e instituições e, à primeira vista, parece ser bem coerente. Mesmo depois continua fazendo sentido, dependendo do contexto. Mas a sua mensagem é clara: assim como uma boa piada, a interface deve ser simples, clara e intuitiva. Se for necessário explicar como algo funciona, é porque ela não é assim tão boa.

É e justamente aí que mora o perigo pois, se levada ao pé da letra, qualquer tela/página de um produto que oferecer algum auxílio, explicação ou orientação que guie o usuário pela interface, vai contra essa regra e ela não será considerada “assim tão boa”.

Mas se não é para explicar a interface, assim como uma boa piada, como devemos tratar a primeira experiência do usuário com um novo produto? (FTUE — First Time User Experience)

@ValaAfshar

Sabemos o quanto a primeira experiência é importante, principalmente quando se trata do mundo Mobile, onde a falta de uma explicação/comunicação adequada pode se tornar um desastre para o produto.

Além disso, o que deve ser feito quando for necessário incluir uma nova funcionalidade? Nada poderá ser explicado?

Ou quando o produto sofrer uma mudança em seu fluxo de navegação? Como evitar que os usuários cometam erros ou simplesmente não consigam mais realizar suas tarefas?

Recentemente o Slack fez uma mudança importante na navegação em seu aplicativo e, para minimizar problemas com usuários já habituados com a forma anterior de acesso, incluíram uma breve explicação sobre a nova navegação, conforme imagem a seguir.

Tela do Slack com explicação sobre as mudanças na navegação

E ainda, o que deveremos fazer se parte significativa do público-alvo tiver baixa experiência com uso de Smartphones e aplicativos, idade avançada ou baixa escolaridade? E se forem analfabetos funcionais?

Esses perfis podem não fazer parte dos personas do seu produto, mas será que esses públicos realmente não são relevantes?

Em pesquisa recente do Nielsen Norman Group com 33 países ricos e mais de 215 mil pessoas entre 16 e 65 anos, constatou que 26% dos adultos desses países são incapazes de utilizarem computadores para realização de tarefas. 5% possui grandes habilidades relacionadas ao computador, enquanto somente um terço dos adultos pode completar tarefas de média complexidade.

Não estamos falando aqui de países em desenvolvimento, mas de países como o Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Austrália, Holanda, Japão, entre outros.

Data from the OECD study of technical skills show the distribution among skill levels across countries as well as the average for all OECD countries

Se essa é a realidade dos países ricos, qual seria o resultado no Brasil, onde 20.3% da população é analfabeta funcional (IBGE)?

Será que ainda assim continuará sendo uma grande heresia ter que explicar a piada?

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Horacio Soares
Mergo

Group Product Manager (Tribe Lead de Ecommerce) da RD Raia Drogasil e fundador da Product Arena - ProductArena.io