Sua persona é real ou de comercial de margarina?

Uma reflexão sobre inclusão e diversidade em estudos de caso de UX Design

Raquel Barbosa
Mergo
6 min readNov 22, 2021

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Você provavelmente já leu algum estudo de caso de UX Design recentemente e se deparou com essas fotos de personas ou algo similar a isso:

Fonte: Unsplash (da esquerda para a direita, foto por: Courtney Cook, Jurica Koletić, Edward Cisneros, Michael Dam, LinkedIn Sales Solutions, Vince Fleming, Christina, Christopher Campbell, Stephanie Liverani, Ayo Ogunseinde, Christian buehner, Jonas Kakaroto)

O que todas essas personas tem em comum? Não possuem representação e nem representatividade diversa.

Segundo Alan Cooper, a construção de personas é a ferramenta mais efetiva e fundamental para designers e são uma personificação dos usuários para quem queremos construir soluções. Mas para que sejam de fato uma valiosa ferramenta, precisam ser feitas com muito rigor e cuidado para que representem todos os esforços de pesquisa e observação de pessoas reais.

Fonte: Freepik

Mas o que vejo em muitos estudos de caso é o que tenho apelidado de Personas Margarinas, isto é, uma persona representada com uma foto muitas vezes batida, sorrindo e um fundo branco de estúdio que a faz parecer menos realista e mais genérica. (E se bobear na foto ainda faz um joinha ou coloca a mão no queixo pensativa).

Lembra muito as fotos de marketing, né? Mas para além da foto, o problema, de fato, que eu enxergo é que aquela imagem talvez não represente tão bem a preocupação ou esforço pela diversidade.

Um dos fatores mais discutidos sobre a efetividade do uso de personas é o poder de gerar empatia e engajar stakeholders e desenvolvedores a criarem uma solução que de fato resolva o problema de pessoas.

Somos naturalmente enredados por narrativas, dores e representações detalhadas de pessoas, sejam elas reais ou não. Então, a forma como a persona é retratada pode trazer também a tona a discussão sobre diversidade, inclusão e empatia.

Representação x Representatividade

Representatividade importa. Esse é um fato e um bordão que vem sendo repetido em muitas campanhas e que, aos poucos, vem se tangibilizando também no mercado de tecnologia e UX - seja pelo momento de pressão social em que as empresas são cobradas por ações de inclusão ou por simplesmente ser o certo a se fazer (e também porque dá dinheiro!).

Mas apesar dos grandes avanços nesse sentido, ainda temos um panorama em que a diversidade parece ser um sonho distante. Porque o que vemos na maioria dos lugares, na verdade, é representação disfarçada de representatividade.

Quantos estudos de caso você já viu em que havia pelo menos uma persona com deficiência, autista ou trans? A resposta provavelmente é nenhuma ou, no máximo, uma ou duas.

Na minha busca por inspirações de portfólios e estudos, resolvi começar a anotar quais deles incluíam pessoas diversas. O resultado do gráfico abaixo mostra como o quesito diversidade não faz parte do cotidiano de estudantes de UX, ou se faz, falham em personificar isso.

Buscando a frase “estudo de caso UX” no Medium esse é o resultado nos 70 primeiros artigos que incluíam personas. Nehuma persona com deficiência, neurodiversa, trans etc. e a quantidade de pessoas pretas, brancas e amarelas destoam dos dados do IBGE sobre a diversidade da população brasileira.

Mas é importante termos bem definidos esses dois conceitos: representação e representatividade.

Representação: é alguém representar um grupo de pessoas, por exemplo, uma atriz negra protagonista em um filme dirigido e produzido por pessoas brancas.

Representatividade: é estar na posição de poder decidir e não só ser usado como modelo. Por exemplo: uma atriz negra protagonista em um filme dirigido ou produzido também por pessoas negras ou grupos diversos, alterando a realidade de dentro para fora.

Trecho de uma entrevista com Denzel Washington para During promovendo o filme “Fences” (Um Limite Entre Nós). Nesse trecho, ele fala porque foi tão importante ter um diretor negro no filme.

Inovação e diversidade pelas bordas

A representatividade, como uma forma de alterar a realidade de dentro para fora, significa deixar de perpetuar e contribuir com um modelo de sociedade que prega a invisibilidade de grupos minoritários.

É fazer estes grupos estarem presentes desde o início do projeto e se possível participando das construções, para pensar e projetar soluções para todos.

Se, conscientemente, colocarmos o fator diversidade e inclusão para ser pensado ao final do desenvolvimento, acabamos deixando pra lá e excluímos uma parte das pessoas que poderiam ser beneficiadas com aquela solução.

“Você precisa criar coisas ajustáveis e variáveis, mas, mesmo assim, se você excluir 5 ou 10% principais, ainda poderá excluir 1 milhão de pessoas. Portanto, é importante que abordemos as reais necessidades e habilidades das pessoas. Não podemos e nem precisamos entrar na cabeça de milhões de pessoas: apenas entender o que elas estão tentando fazer e tornar isso possível.” - Don Norman

Os próximos bilhões de novas pessoas usuárias

Como estudantes de UX Design, muitas vezes, pensamos em como a solução final deve ser impactante e visualmente incrível (as famigeradas telas bonitas). Mas parando para pensar, o que estamos projetando vai ser impactante para quem se não estamos pensando de fato em diversidade e inclusão?

Todos os dias, milhares de novas pessoas usuárias experimentam pela primeira vez a internet. Padrões que parecem tão óbvios para quem já usa um produto ou serviço de forma mediana, para alguém que acabou de ficar online pode implicar frustração, confusão e uma charge engraçada no jornal.

Charge por Frank

“É fácil pra mim aprender visualmente. Por exemplo, eu sei apertar o botão vermelho para recusar uma ligação. Mas há tantas coisas novas para entender, é sufocante.” - Nova pessoa usuária.

Aqui tem alguns recursos que podem te ajudar a pensar em diversidade e inclusão por padrão (pra começar):

  1. Se você ainda não sabe nada de Acessibilidade, acessar o guia WCAG é seu primeiro passo: Guia WCAG
  2. Lembre-se de quem acabou de chegar por aqui na internet: Next Billion Users (Próximos Bilhões de Usuários)
  3. 2. Entenda a diferença entre Simpatia e Empatia: Sympathy vs Empathy in UX (Simpatia e Empatia em UX)
  4. Saiba o que é (e tente aplicar) Design Universal: Existem soluções digitais universais? — Palco: Joy of Life
  5. E por fim: coloque acessibilidade e estudos sobre diversidade e inclusão como prioridade nos seus estudos.

E se quiser dar um upgrade nas fotos da sua persona você também pode:

  1. Usar bancos de imagens e coleções que focam em representar diversidade:
    Brasil com S — Brasileiros de verdade
    All Go — Pessoas Gordas
    Disable and Here — Pessoas Deficientes
    Young and Black — Mulheres Negras
    The Gender Spectrum Collection — Pessoas não binárias e trans
    Nappy: banco de imagens de pessoas negras
  2. Usar fotos mais contextuais e que mostrem o ambiente da persona (se por exemplo, o problema envolve sistema de prontuários médicos, utilize fotos de pessoas em ambientes hospitalares, enfermeiras, médicos etc).
  3. Criar um moodboard (painél semântico) da sua persona (quando quiser retratar cenários ou coisas difíceis de descrever em palavras).
  4. Usar fotos das pessoas que foram entrevistadas.
Exemplo de Moodboard do livro About Face do Alan Cooper

Lembrando que diversidade não deve ser reduzida a uma imagem simbólica de uma persona. Deve ser algo verdadeiramente almejado. A representação é uma variável que importa muito e você pode usar as dicas dadas anteriormente pra alcançá-la. Mas representatividade importa e impacta mais e não deve ser tratada como tabu ou com estigma.

Por mais que fora dos estudos de caso a realidade dos negócios seja dura com nós, defensores das pessoas usuárias, é importante termos consciência do nosso poder como criadores de soluções e do impacto que o design tem na sociedade.

Então, o seu próximo estudo de caso de UX será inclusivo ou excludente?

Este artigo é uma parceria com a comunidade UX para Minas Pretas, que é parceira da Mergo no fomento e inclusão do mercado de UX e Design.

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