Sua persona é real ou de comercial de margarina?
Uma reflexão sobre inclusão e diversidade em estudos de caso de UX Design
Você provavelmente já leu algum estudo de caso de UX Design recentemente e se deparou com essas fotos de personas ou algo similar a isso:
O que todas essas personas tem em comum? Não possuem representação e nem representatividade diversa.
Segundo Alan Cooper, a construção de personas é a ferramenta mais efetiva e fundamental para designers e são uma personificação dos usuários para quem queremos construir soluções. Mas para que sejam de fato uma valiosa ferramenta, precisam ser feitas com muito rigor e cuidado para que representem todos os esforços de pesquisa e observação de pessoas reais.
Mas o que vejo em muitos estudos de caso é o que tenho apelidado de Personas Margarinas, isto é, uma persona representada com uma foto muitas vezes batida, sorrindo e um fundo branco de estúdio que a faz parecer menos realista e mais genérica. (E se bobear na foto ainda faz um joinha ou coloca a mão no queixo pensativa).
Lembra muito as fotos de marketing, né? Mas para além da foto, o problema, de fato, que eu enxergo é que aquela imagem talvez não represente tão bem a preocupação ou esforço pela diversidade.
Um dos fatores mais discutidos sobre a efetividade do uso de personas é o poder de gerar empatia e engajar stakeholders e desenvolvedores a criarem uma solução que de fato resolva o problema de pessoas.
Somos naturalmente enredados por narrativas, dores e representações detalhadas de pessoas, sejam elas reais ou não. Então, a forma como a persona é retratada pode trazer também a tona a discussão sobre diversidade, inclusão e empatia.
Representação x Representatividade
Representatividade importa. Esse é um fato e um bordão que vem sendo repetido em muitas campanhas e que, aos poucos, vem se tangibilizando também no mercado de tecnologia e UX - seja pelo momento de pressão social em que as empresas são cobradas por ações de inclusão ou por simplesmente ser o certo a se fazer (e também porque dá dinheiro!).
Mas apesar dos grandes avanços nesse sentido, ainda temos um panorama em que a diversidade parece ser um sonho distante. Porque o que vemos na maioria dos lugares, na verdade, é representação disfarçada de representatividade.
Quantos estudos de caso você já viu em que havia pelo menos uma persona com deficiência, autista ou trans? A resposta provavelmente é nenhuma ou, no máximo, uma ou duas.
Na minha busca por inspirações de portfólios e estudos, resolvi começar a anotar quais deles incluíam pessoas diversas. O resultado do gráfico abaixo mostra como o quesito diversidade não faz parte do cotidiano de estudantes de UX, ou se faz, falham em personificar isso.
Mas é importante termos bem definidos esses dois conceitos: representação e representatividade.
Representação: é alguém representar um grupo de pessoas, por exemplo, uma atriz negra protagonista em um filme dirigido e produzido por pessoas brancas.
Representatividade: é estar na posição de poder decidir e não só ser usado como modelo. Por exemplo: uma atriz negra protagonista em um filme dirigido ou produzido também por pessoas negras ou grupos diversos, alterando a realidade de dentro para fora.
Inovação e diversidade pelas bordas
A representatividade, como uma forma de alterar a realidade de dentro para fora, significa deixar de perpetuar e contribuir com um modelo de sociedade que prega a invisibilidade de grupos minoritários.
É fazer estes grupos estarem presentes desde o início do projeto e se possível participando das construções, para pensar e projetar soluções para todos.
Se, conscientemente, colocarmos o fator diversidade e inclusão para ser pensado ao final do desenvolvimento, acabamos deixando pra lá e excluímos uma parte das pessoas que poderiam ser beneficiadas com aquela solução.
“Você precisa criar coisas ajustáveis e variáveis, mas, mesmo assim, se você excluir 5 ou 10% principais, ainda poderá excluir 1 milhão de pessoas. Portanto, é importante que abordemos as reais necessidades e habilidades das pessoas. Não podemos e nem precisamos entrar na cabeça de milhões de pessoas: apenas entender o que elas estão tentando fazer e tornar isso possível.” - Don Norman
Os próximos bilhões de novas pessoas usuárias
Como estudantes de UX Design, muitas vezes, pensamos em como a solução final deve ser impactante e visualmente incrível (as famigeradas telas bonitas). Mas parando para pensar, o que estamos projetando vai ser impactante para quem se não estamos pensando de fato em diversidade e inclusão?
Todos os dias, milhares de novas pessoas usuárias experimentam pela primeira vez a internet. Padrões que parecem tão óbvios para quem já usa um produto ou serviço de forma mediana, para alguém que acabou de ficar online pode implicar frustração, confusão e uma charge engraçada no jornal.
“É fácil pra mim aprender visualmente. Por exemplo, eu sei apertar o botão vermelho para recusar uma ligação. Mas há tantas coisas novas para entender, é sufocante.” - Nova pessoa usuária.
Aqui tem alguns recursos que podem te ajudar a pensar em diversidade e inclusão por padrão (pra começar):
- Se você ainda não sabe nada de Acessibilidade, acessar o guia WCAG é seu primeiro passo: Guia WCAG
- Lembre-se de quem acabou de chegar por aqui na internet: Next Billion Users (Próximos Bilhões de Usuários)
- 2. Entenda a diferença entre Simpatia e Empatia: Sympathy vs Empathy in UX (Simpatia e Empatia em UX)
- Saiba o que é (e tente aplicar) Design Universal: Existem soluções digitais universais? — Palco: Joy of Life
- E por fim: coloque acessibilidade e estudos sobre diversidade e inclusão como prioridade nos seus estudos.
E se quiser dar um upgrade nas fotos da sua persona você também pode:
- Usar bancos de imagens e coleções que focam em representar diversidade:
➥ Brasil com S — Brasileiros de verdade
➥ All Go — Pessoas Gordas
➥ Disable and Here — Pessoas Deficientes
➥ Young and Black — Mulheres Negras
➥ The Gender Spectrum Collection — Pessoas não binárias e trans
➥ Nappy: banco de imagens de pessoas negras - Usar fotos mais contextuais e que mostrem o ambiente da persona (se por exemplo, o problema envolve sistema de prontuários médicos, utilize fotos de pessoas em ambientes hospitalares, enfermeiras, médicos etc).
- Criar um moodboard (painél semântico) da sua persona (quando quiser retratar cenários ou coisas difíceis de descrever em palavras).
- Usar fotos das pessoas que foram entrevistadas.
Lembrando que diversidade não deve ser reduzida a uma imagem simbólica de uma persona. Deve ser algo verdadeiramente almejado. A representação é uma variável que importa muito e você pode usar as dicas dadas anteriormente pra alcançá-la. Mas representatividade importa e impacta mais e não deve ser tratada como tabu ou com estigma.
Por mais que fora dos estudos de caso a realidade dos negócios seja dura com nós, defensores das pessoas usuárias, é importante termos consciência do nosso poder como criadores de soluções e do impacto que o design tem na sociedade.
Então, o seu próximo estudo de caso de UX será inclusivo ou excludente?
Fontes e leituras que me inspiraram a escrever esse artigo:
Livros
About Face — por Alan Cooper, Robert Reimann e David Cronin
Communicating the User Experience — Richard Caddick e Steve Cable
Artigos
Clubhouse é excludente, assim como quase todos os outros aplicativos! por Karen Santos
Este artigo é uma parceria com a comunidade UX para Minas Pretas, que é parceira da Mergo no fomento e inclusão do mercado de UX e Design.