O uso de indicadores para a análise da participação na conservação e no uso sustentável dos oceanos: a aplicação no contexto do ODS 14.c
Larissa Coutinho, Carina Costa de Oliveira & Marcus Polette
https://doi.org/10.20889/M47e23002
Resumo
Esse trabalho questiona como o ODS 14.c.1 pode fomentar, por meio de indicadores, a participação de todos os diversos atores envolvidos no meio ambiente marinho. Foram examinados o acesso de atores a fóruns de discussão e de revisão periódicos de tratados e a participação de indivíduos especializados em comitês científicos internacionais. A pesquisa limitou-se aos tratados indicados pelo DOALOS até o momento e utilizou a metodologia complementar de revisão bibliográfica.
Abstract
This work questions how SDG 14.c.1 can foster, through indicators, the participation of different actors involved in the protection of marine environment. The paper examined Stakeholders’ access to forums for periodic discussion and review of treaties and Experts’ participations in international scientific committees. The research was limited to the treaties showed by DOALOS so far and used the complementary bibliographic review method.
Palavras-chave: Atores internacionais; Indicadores; Participação; Meio ambiente marinho; ODS 14
Keywords: International Actors; Indicators; Participation; Marine Environment; SDG 14
INTRODUÇÃO
A participação de todos os atores envolvidos no meio ambiente marinho é central para a conservação e o uso sustentável dos oceanos e de seus recursos. Apesar de evidente, essa afirmação não é devidamente amparada pelos instrumentos jurídicos internacionais existentes, tampouco pelos instrumentos nacionais e, nesse sentido, deve ser fomentada por meio de mecanismos inovadores, como os indicadores[1]. A forma pela qual a meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável — ODS 14.c e o indicador 14.c.1 podem ser interpretados e aplicados poderá fomentar a participação pública. É relevante apresentar o contexto do ODS 14 notadamente nos seus aspectos passados e futuros, bem como os aspectos gerais e as lacunas relacionados à participação social. Ademais, será apresentada a possibilidade de contribuição dos indicadores nesse tema e o método necessário para a análise.
Em setembro de 2015, reuniram-se na sede da ONU, em Nova York, representantes de 193 (cento e noventa e três) países (Plataforma Agenda 2030, [s.d.]). Como resultado dessa reunião o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” foi adotado. Esse plano de ação, que ficou conhecido como Agenda 2030, apontou 17 (dezessete) objetivos para a promoção do desenvolvimento sustentável. Também foram criadas 169 (cento e sessenta e nove) metas para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos (Plataforma Agenda 2030, [s.d.]).
Desde a Agenda 21, a gestão e a governança já eram concebidas de forma a tornar possível os avanços dos processos de tomada de decisão, auxiliar no financiamento, na estimativa de custos, nos meios científicos e tecnológicos a serem adotados e no fortalecimento institucional. A concepção dos ODS com a disposição em objetivos, metas e indicadores simplificou essa estrutura. De fato, como forma de acompanhar e revisar a implementação dessa Agenda, em julho de 2017, a Assembleia Geral da ONU adotou, por meio da Resolução nº A/RES/71/313, um quadro global de indicadores.[2] A fim de implementar o monitoramento do progresso de uma política heterogênea como essa, era essencial o uso de dados estatísticos para informar os tomadores de decisão e garantir o engajamento de todas as partes interessadas. Assim, foram elaborados 247 (duzentos e quarenta e sete) indicadores[3], sendo 231 (duzentos e trinta e um) exclusivos e 12 (doze) que se repetem em 2 (duas) ou 3 (três) metas (Sustainable Development Goals, [s.d.]). Especificamente sobre a questão da conservação e do uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável, há o ODS 14, que trata do tema vida na água. Esse Objetivo determina 10 (dez) metas a serem alcançadas[4], 7 (sete) de implementação, identificadas por números, e 3 (três) finalísticas, identificadas por letras as quais tratam de assuntos como poluição marinha, capacidade de resiliência, saúde e produção do oceano, acidificação, pesca ilegal, não reportada e não regulamentada, sobrepesca, transferência de tecnologia marinha e pesca artesanal. A legislação expressamente citada no texto é a Convenção das Nações Unidas de Direito do Mar (CNUDM) e a meta ODS 14.c determina que se deve “assegurar a conservação e o uso sustentável dos oceanos e seus recursos pela implementação do direito internacional, como refletido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que provê o arcabouço legal para a conservação e utilização sustentável dos oceanos e dos seus recursos, conforme registrado no parágrafo 158 do “Futuro Que Queremos”.
A meta ODS 14.c possui o seguinte indicador, adotado pela Assembleia Geral da ONU na Resolução nº A/RES/71/313:
14.c.1 — Número de países com progressos na ratificação, aceitação e implementação, através de quadros legais, políticos e institucionais, de instrumentos relacionados com o oceano que implementam o direito internacional, tal como refletido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, para a conservação e uso sustentável dos oceanos e seus recursos.
Trata-se de um indicador que ainda está sendo estabelecido pela ONU e alguns dados começaram a ser coletados nesse sentido (Goal 14, [s.d.]). Em um primeiro momento, a Divisão de Assuntos Oceânicos e Direito do Mar do Escritório de Assuntos Jurídicos das Nações Unidas (DOALOS) optou pela análise da implementação, aceitação e ratificação da CNUDM e de 2 (dois) acordos relacionados: o Acordo relativo à implementação da Parte XI da CNUDM, de 10 de dezembro de 1982 (Acordo da Parte XI) e o Acordo sobre a Conservação e Ordenamento de Populações de Peixes Transzonais e de Populações de Peixes Altamente Migratório (UNFSA) (SDG Indicators, [s.d.]). De modo resumido, os Estados serão convidados a responderem se ratificaram ou aderiram à CNUDM, ao Acordo da Parte XI e ao UNFSA e se implementaram essas normas de direito internacional no âmbito interno. No primeiro caso, será atribuída a pontuação 1 (um) para “sim” e 0 (zero) para “não”. Já no segundo, a pontuação para a implementação de uma política, instituição ou outro mecanismo nacional será um número entre 1 (um) e 9 (nove), sendo o número mais baixo relacionado a não implementação e o mais alto para a implementação total, sem maiores critérios de definição.
A participação pública, ainda que não apareça de forma direta no art. 158 do “Futuro que queremos”, é central para a conservação e o uso sustentável dos oceanos e dos recursos marinhos e não pode ser dispensada para o alcance das metas do ODS 14. A inclusão de atores públicos, privados, seja em problemas relacionados à poluição (meta ODS 14.1), acidificação (meta ODS 14.3), pesca (metas ODS 14.4, 14.6 e 14.b) ou conservação da biodiversidade (metas ODS 14.2 e 14.5), permitirá avanços na solução desses amplamente identificados problemas marinhos. (Christmann, 2011, p. 59–40; Duarte, Ferreira e Sánchez, 2016, p. 1075–1094). Entre os atores, serão considerados no artigo tanto sujeitos clássicos de direito internacional, quanto ONGs, iniciativa privada, universidades, institutos de pesquisa e indivíduos[5].
A forma clássica de participação é aquela que envolve a participação pública na tomada de decisões, seja ela pela participação consultiva ou deliberativa por meio da participação nas discussões ou pelo direito de voto (Ebbesson, 1998, p. 70). No âmbito internacional e regional, a participação é normatizada principalmente nas seguintes fontes de direito internacional ambiental: Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Declaração do Rio), Convenção de Aarhus de 1998, Convenção nº 169 da OIT de 1989 e Convenção de Escazú de 2018[6]. No direito do mar, a participação, o acesso à informação e o acesso à justiça não estão no centro das análises da área, porém são temas pincelados em dispositivos de tratados centrais na conservação e no uso sustentável dos oceanos e de seus recursos[7]. A ênfase, no direito do mar, é garantir a participação dos sujeitos clássicos do direito internacional, quais sejam: Estados e organizações internacionais. Há, portanto, uma lacuna no fomento da participação de outros atores envolvidos na temática.
Os anos de 2021 a 2030 foram proclamados pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a Década da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de uma oportunidade de apoiar as ações dos Estados na conservação e no uso sustentável dos oceanos e de seus recursos, por meio de uma interface entre diferentes áreas do conhecimento. Desta forma, quando somente o número de Estados que ratificaram um tratado, no caso do presente trabalho a CNUDM, o Acordo da Parte XI e o UNFSA, é observado, não há um real diagnóstico sobre o engajamento direto da multiplicidade de atores que deveriam estar envolvidos. Esse trabalho questiona especificamente como o indicador ODS 14.c.1, ao analisar a ratificação, a aceitação e a implementação de instrumentos relacionados com o oceano, poderia considerar a participação. Em que pese ainda não ser unânime a delimitação do conteúdo desse princípio[8], para esse trabalho, adotar-se-á a fórmula participação em questões ambientais (Duvic-Paoli, 2012, p. 80).
Com relação ao método de pesquisa, serão analisados apenas os tratados indicados pelo DOALOS até o momento, quais sejam: a CNUDM, o Acordo da Parte XI e o UNFSA. Também foi utilizada a metodologia complementar de revisão bibliográfica como suporte teórico. Foram identificados tanto atores que deveriam participar dos fóruns de negociação e dos comitês científicos oficiais relacionados aos tratados citados, quanto possíveis indicadores capazes de aferir essa participação.
Em suma, o presente artigo argumenta pela possibilidade do indicador 14.c.1 ser usado para avaliar a implementação do princípio da participação. A integração dos atores envolvidos na conservação e no uso sustentável dos oceanos pode ser observada sob duas perspectivas distintas (Ebbesson, 1998, p. 54). Primeiramente, a participação pode ser mensurada por meio do acesso de atores a fóruns de discussão e de revisão periódicos de tratados (2). De modo complementar, pode ser verificada por meio da participação de indivíduos especializados, por exemplo, em comitês científicos internacionais (3).
ACESSO A FÓRUNS DE DISCUSSÃO E REVISÃO PERIÓDICOS DE TRATADOS
O indicador 14.c.1 da meta ODS 14.c pode ser usado para fomentar um desenvolvimento sustentável participativo, na medida em que pode averiguar se há a participação de diversos atores envolvidos na conservação e no uso sustentável dos oceanos em fóruns de discussão e revisão periódicos. Para tanto, será demonstrado que a mera ratificação de tratados não é suficiente para demonstrar se há ou não participação na revisão dos tratados.
Observa-se que os Estados e as organizações internacionais, sujeitos clássicos de direito internacional, são protagonistas nas discussões e nas revisões dos tratados. Porém, em problemas relacionados à poluição (meta ODS 14.1), à acidificação (meta ODS 14.3), à pesca (metas ODS 14.4, 14.6 e 14.b) ou à conservação da biodiversidade (metas ODS 14.2 e 14.5), há muitos outros atores especializados e interessados no tema. Estima-se que 110 (cento e dez) entidades trabalhem intensamente no tema da conservação e do uso sustentável dos oceanos e de seus recursos em escala internacional, incluindo atores, programas, iniciativas, entre outras entidades (Mazzega et al, 2021, no prelo). Essa amplitude de interessados deve ser fomentada a participar dos debates dos principais fóruns de discussão. Isso não significa que as 110 (cento e dez) entidades identificadas pelos pesquisadores citados devam participar de todas as negociações. Contudo, um indicador que possa definir um número mínimo razoável de atores que devem ser envolvidos nas negociações, bem como que analise se há formas diversificadas de fomento à participação escrita e oral seria relevante para cumprir a meta 14.c.
Um exemplo da participação de atores em fóruns de discussão e revisão periódicos de tratados foi a Conferência de Revisão da UNFSA, ocorrida entre 23 e 27 de maio de 2016, em Nova York. Na ocasião, houve a participação de 7 (sete) entidades com status de observador junto ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) (DOALOS, [s.d.]): Fisheries Council of Canada, Greenpeace International, International Coalition of Fisheries Associations, Natural Resources Defense Council, The International Council of Environmental Law, The Nippon Foundation e The Pew Charitable Trusts (United Nations, [s.d.]).
Um detalhe interessante é que o mesmo número de 7 (sete) entidades participou da Conferência de Revisão da UNFSA, de 24 a 28 de maio de 2010. Entretanto, não foram as mesmas organizações. Em 2010 participaram: Canadian Environmental Network, Greenpeace International, International Coalition of Fisheries Associations, International Collective in Support of Fish Workers, Natural Resources Defense Council, Ocean Policy Research Foundation e The Humane Society of The United States (United Nations, [s.d.]). Ou seja, de 2010 à 2016, permaneceram apenas 3 (três) entidades: o Greenpeace International, a International Coalition of Fisheries Associations e a Natural Resources Defense Council.
Esse número indicado acima está relacionado à presença física nas reuniões. Observa-se que há uma participação oral bastante inferior ao número de entidades que atuam na governança do tema dos oceanos (Mazzega et al, 2021, no prelo). Ademais, há diversas outras formas de participação que podem ser significativas nos processos de negociação. Entre elas, pode ser citada a participação escrita. No exemplo citado, essa forma de participação das entidades se restringiu às rodadas de consultas informais dos Estados partes da UNFSA (DOALOS, [s.d.]). Contudo, ainda nesse caso há uma atuação restrita. Para a 15ª (décima quinta) rodada de consultas informais, que ocorrerá na segunda metade do ano de 2021, mas que permitiu contribuições por escrito até 20 de janeiro de 2020, apenas as entidades Ocean Care e Pew Charitable Trusts apresentaram documentos. O baixo número de entidades não governamentais participando na modalidade escrita também demanda um fomento desse tipo de participação.
As entidades participantes junto ao ECOSOC não constituem um grupo homogêneo. Nos exemplos citados, o grupo de participantes foi composto por representantes do setor pesqueiro, entidades de defesa dos recursos naturais, organizações ligadas a questões jurídicas e associações com objetivos socioeconômicos. Porém, para que diversas perspectivas possam ser consideradas, seria relevante a participação de entidades representantes, por exemplo, dos seguintes temas: biodiversidade marinha; planejamento espacial marinho; áreas marinhas protegidas. Desse modo, um indicador que levasse em consideração a participação deveria buscar avaliar as áreas temáticas de atuação das entidades.
O desenvolvimento sustentável participativo deve incluir indicadores que avaliem a qualidade de atores participantes, por meio de critérios tais como: o número de membros das entidades participantes; o tempo de criação da entidade; o tempo de dedicação à conservação e ao uso sustentável do oceano e de seus recursos. Além disso, a participação dos atores nos fóruns de negociação e avaliação dos tratados poderia ser mensurada por meio dos seguintes elementos: pelo número de contribuições realizadas na modalidade oral e/ou escrita por reunião; pelo número total de entidades consultadas para participar por reunião; pelo número de entidades convidadas a participar por reunião; pela identificação de setores representativos (governamentais, não governamentais, comunidades tradicionais).
Da mesma forma que os Estados são convidados a responderem se implementaram as normas da CNUDM, do Acordo da Parte XI e do UNFSA em seu âmbito interno, as entidades participantes deveriam indicar como gerenciam o efeito multiplicador nacional ou internacional de sua participação. Isto é, como elas implementam dentro e fora da instituição os produtos decorrentes da participação nas negociações. Essa análise poderia ocorrer por meio da atribuição de um número entre 1 (um) e 9 (nove), sendo o número mais baixo relacionado a não multiplicação dos temas e o mais alto para o efeito multiplicador das informações debatidas no fórum.
A participação dos sujeitos clássicos de direito internacional também deveria ser objeto de análise. Os seguintes aspectos deveriam ser levados em consideração: número de Estados/OIs representados em fóruns de discussão que tratam do tema da conservação e do uso sustentável dos oceanos e de seus recursos em escala internacional/ano; número de Estados geograficamente defrontantes representados com mares e/ou oceanos em Fóruns de discussão que tratam do tema da conservação e do uso sustentável do meio ambiente marinho em escala internacional/ano; número de OIs que possuem competências relacionadas ao tema da conservação e do uso sustentável dos oceanos e de seus recursos. Esses critérios poderiam mensurar a participação efetiva dos sujeitos de direito internacional em conjunto com outros atores.
Para além do acesso a fóruns de discussão e revisão periódicos pela ratificação e aceitação dos tratados, também é relevante compreender a participação de indivíduos em comitês científicos relacionados aos tratados.
PARTICIPAÇÃO DE INDIVÍDUOS EM COMITÊS CIENTÍFICOS RELACIONADOS A TRATADOS
No âmbito do direito do mar, com base no que foi estabelecido nos tratados CNUDM, Acordo da Parte XI e UNFSA, existem 4 (quatro) órgão subsidiários para a implementação da CNUDM: o Tribunal Internacional de Direito do Mar (TIDM), a Autoridade para os Fundos Marinhos, a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) e a Reunião dos Estados partes da CNUDM. Enquanto esse último órgão foi analisado no item anterior e o TIDM está relacionado ao aspecto do acesso à justiça[9], analisar-se-á agora como a participação de indivíduos em comitês científicos nesses outros órgãos subsidiários integra distintos atores atuantes na conservação e no uso sustentável dos oceanos e, por isso, deve ser incluída como forma de verificar e fomentar a participação por meio do indicador 14.c.1.
A CLPC, nos termos do artigo 2 do Anexo II da CNUDM[10], é um órgão subsidiário composto por 21 (vinte e um) membros[11]. A eleição desses membros, além de assegurar uma representação geográfica equitativa, deve levar em conta a sua formação: os membros devem ser especialistas em áreas específicas da ciência: geólogos, geofísicos ou hidrógrafos (CLCS, [s.d.]). A inclusão de cientistas, ainda que eleitos e de nacionalidade de um Estado membro da CNUDM, permite que o trabalho da CLPC seja revestido de um caráter técnico. Cumpre ressaltar que a Comissão possui como finalidade implementar a CNUDM, estabelecendo recomendações sobre os limites externos da plataforma continental para além do limite geográfico das 200 (duzentas) milhas náuticas (CLCS, [s.d.]). A tecnicidade do trabalho da Comissão não é a única vantagem de ela ser composta por especialistas da geologia, geofísica ou hidrografia. Do ponto de vista da participação, ela permite a inclusão de atores que possuem conhecimentos específicos sobre o tema e podem contribuir na solução de problemas marinhos amplamente identificados.
Para esse caso, critérios relevantes para o estabelecimento de um indicador seriam: número de especialistas (total) por nacionalidade /reunião; número de especialistas em geologia /reunião; número de especialistas em geofísica /reunião; número de especialistas em hidrografia /reunião. Esses critérios permitiriam uma análise da participação equitativa em termos de nacionalidade e de formação nas reuniões da Comissão.
O mesmo pode ser dito para a Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos. Se forem observados apenas os órgãos principais da Autoridade — a Assembleia e o Conselho — não é possível identificar uma diversificação de indivíduos envolvidos na conservação e no uso sustentável dos oceanos. A Assembleia é composta por todos os 168 (cento e sessenta e oito) Estados membros e o Conselho é composto por 37 (trinta e sete) membros eleitos. Porém, os 2 (dois) órgão consultivos do Conselho, a Comissão Jurídica e Técnica e o Comitê de Finanças, possuem um cenário distinto.
O Comitê de Finanças, nascido do Acordo da Parte XI, é formado por 15 (quinze) membros que possuem a função de supervisionar o financiamento e a gestão financeira de Autoridade para os Fundos Marinhos (International Seabed Authority, [s.d.]). Em função disso, a escolha desses participantes leva em conta não apenas a distribuição geográfica equitativa entre os grupos regionais e a representação de interesses especiais. Pelo papel na administração financeiros e orçamentária, os membros eleitos devem possuir qualificações relevantes para questões financeiras.[12] Do mesmo modo, cabe à Comissão Jurídica e Técnica auxiliar o Conselho em todas as questões relacionadas com a mineração de recursos do fundo do mar, como nódulos polimetálicos, sulfetos polimetálicos e crostas cobaltíferas.[13] Para tanto, os Estados membros indicam candidatos que possuam qualificações apropriadas na área de mineração oceânica, oceanografia, proteção do meio ambiente marinho, economia, área jurídica e outras áreas afins (International Seabed Authority, [s.d.]). O exercício eficaz das funções da Comissão Jurídica e Técnica e Comitê de Finanças é proporcionado pela formação acadêmica dos membros eleitos em áreas específicas do saber. A inclusão desses membros permite uma tomada de decisão não apenas política, mas sobretudo técnica. Para que seja aferido o comprometimento desses indivíduos por meio de identificação de ações concretas relacionadas à conservação e ao uso sustentável dos oceanos, devem ser identificados critérios.
O exame exclusivo da nacionalidade dos membros eleitos não fornece respostas sobre a contribuição técnica efetiva para a conservação e o uso sustentável dos oceanos. Tendo como base a metodologia inicial estabelecida pela DOALOS de enviar questionamento aos Estados que ratificaram e aceitaram esses tratados (SDG Indicators, [s.d.]), uma possibilidade é perguntar se o Estado membro indicou um candidato para eleição, por meio de um indicador binário (sim ou não). Um exame dos motivos relacionados a não indicação de um candidato pode fornecer esclarecimentos sobre a ausência de participação de indivíduos de alguns Estados. Por exemplo, é possível que os Estados desenvolvidos indiquem mais indivíduos em decorrência da quantidade superior de nacionais qualificados em áreas como a mineração marinha, a oceanografia, a proteção do meio ambiente marinho, a economia, a área jurídica ou outras áreas afins.
Um questionamento relevante, voltado para a seleção nacional do indivíduo, é verificar se há normas ou instrumentos internos que regulem a participação ampla e qualificada no processo de seleção dos candidatos a serem indicados para um comitê internacional. Os seguintes critérios poderiam ser levados em consideração nessa análise dos cientistas indicados: qual o número de artigos publicados sobre os diferentes temas oceânicos nos últimos 5 (cinco) anos?; qual o número de projetos na área realizados nos últimos 5 (cinco) anos?; quantos trabalhos multidisciplinares, envolvendo as áreas de mineração oceânica, oceanografia, proteção do meio ambiente marinho, economia, área jurídica e outras áreas afins, o pesquisador integrou nos últimos 5 (cinco) anos?
Com a inclusão da análise desses critérios no indicador 14.c.1 da meta ODS 14.c, haverá um diagnóstico mais preciso da integração de distintos atores na conservação e no uso sustentável dos oceanos e de seus recursos a partir da implementação de tratados do direito internacional sobre o tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O indicador 14.c.1 deve ser lapidado por meio da inclusão de critérios que possam mensurar aspectos centrais do desenvolvimento sustentável como a participação. Trata-se de princípio já consolidado no âmbito internacional principalmente do direito internacional ambiental, mas que necessita de contornos mais precisos a fim de gerar efeitos no direito do mar. A meta 14 destaca o direito internacional como meio de implementação da conservação e do uso sustentável dos oceanos e de seus recursos. Contudo, essa meta só será potencializada por meio de indicadores que de fato verifiquem se os sujeitos e os atores envolvidos no tema estão de fato participando dos procedimentos oficiais relacionados aos 3 (três) principais tratados selecionados pela DOALOS, quais sejam: a CNUDM, o Acordo de Implementação da Parte XI e o UNFSA. Tanto o acesso de atores a fóruns de discussão e de revisão periódicos de tratados quanto a participação de indivíduos em comitês científicos internacionais são indicadores potenciais para mensurar se a participação é fomentada pela meta. Critérios quantitativos e qualitativos deveriam ser utilizados a fim de mensurar se a participação oral, escrita, deliberativa, consultiva, tem ocorrido por meio de indivíduos que de fato contribuam cientificamente com o tema da conservação e do uso sustentável dos oceanos.
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Notas
[1]Ver sobre o tema: MARTINEZ, Rayén Quiroga. Indicadores de sostenibilidad ambiental y de desarrollo sostenible: estado del arte y perspectivas. División de Medio Ambiente y Asentamientos Humanos. CEPAL — SERIE Manuales n° 16, Santiago de Chile, septiembre de 2001; VAN BELLEN, Hans Michael. Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. 2.ª ed., São Paulo: FGV, 2008.
[2]O quadro de indicadores globais para os ODS foi desenvolvido pelo Grupo Interagencial de Peritos sobre os Indicadores dos ODS (IAEG-SDGs) e acordado na 48ª sessão da Comissão de Estatística das Nações Unidas, realizada em março de 2017. Ver em: SDG Indicators. Sustainable Development Goals. Disponível em: https://unstats.un.org/sdgs/indicators/indicators-list/ . Acesso em: 5 jan. 2020.
[3]Os indicadores oficiais são aqueles contidos na Resolução nº A/RES/71/313, com as alterações produzidas na 49ª, 50ª e 51ª sessões da Comissão de Estatística (E/CN.3/2018/2, Anexo II, E/CN.3/2019/2, Anexo, e E/CN. 3/2020/2, Anexo III) e na Revisão Compreensiva de 2020 (E/CN.3 /2020/2, Anexo II).
[4]São elas: (i) até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos, especialmente a advinda de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes; (ii) até 2020, gerir de forma sustentável e proteger os ecossistemas marinhos e costeiros para evitar impactos adversos significativos, inclusive por meio do reforço da sua capacidade de resiliência, e tomar medidas para a sua restauração, a fim de assegurar oceanos saudáveis e produtivos; (iii) minimizar e enfrentar os impactos da acidificação dos oceanos, inclusive por meio do reforço da cooperação científica em todos os níveis; (iv) até 2020, efetivamente regular a coleta, e acabar com a sobrepesca, ilegal, não reportada e não regulamentada e as práticas de pesca destrutivas, e implementar planos de gestão com base científica, para restaurar populações de peixes no menor tempo possível, pelo menos a níveis que possam produzir rendimento máximo sustentável, como determinado por suas características biológicas; (v) até 2020, conservar pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, de acordo com a legislação nacional e internacional, e com base na melhor informação científica disponível; (vi) até 2020, proibir certas formas de subsídios à pesca, que contribuem para a sobrecapacidade e a sobrepesca, e eliminar os subsídios que contribuam para a pesca ilegal, não reportada e não regulamentada, e abster-se de introduzir novos subsídios como estes, reconhecendo que o tratamento especial e diferenciado adequado e eficaz para os países em desenvolvimento e os países de menor desenvolvimento relativo deve ser parte integrante da negociação sobre subsídios à pesca da Organização Mundial do Comércio; (vii) até 2030, aumentar os benefícios econômicos para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países de menor desenvolvimento relativo, a partir do uso sustentável dos recursos marinhos, inclusive por meio de uma gestão sustentável da pesca, aquicultura e turismo; (viii) aumentar o conhecimento científico, desenvolver capacidades de pesquisa e transferir tecnologia marinha, tendo em conta os critérios e orientações sobre a Transferência de Tecnologia Marinha da Comissão Oceanográfica Intergovernamental, a fim de melhorar a saúde dos oceanos e aumentar a contribuição da biodiversidade marinha para o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, em particular os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países de menor desenvolvimento relativo; (ix) proporcionar o acesso dos pescadores artesanais de pequena escala aos recursos marinhos e mercados; e (x) assegurar a conservação e o uso sustentável dos oceanos e seus recursos pela implementação do direito internacional, como refletido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que provê o arcabouço legal para a conservação e utilização sustentável dos oceanos e dos seus recursos, conforme registrado no parágrafo 158 do “Futuro Que Queremos”.
[5] Sobre a complexidade da participação nas relações internacionais ver: YOUNG, O. “Rights, Rules and Resources in World Affairs”. In: YOUNG, O. (Ed.). Global Governance. Drawing Insights from the Environmental Experience. MIT Press, 2004; YOUNG, O. Governing complex systems: social capital for the Anthropocene. Cambridge: The MIT Press, 2017; YOUNG, O.; STOKKE, O. “Why is it hard to solve environmental problems? The perils of institutional reductionism and institutional overload. International Environmental Agreements, v. 20, n. 1, p. 5–19.
[6]Outros tratados que falam sobre a participação pública: Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação nos Países com Secas Graves e/ou Desertificação, Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.
[7] CNUD cita a participação de diversos atores na conservação dos recursos marinhos, incluindo principalmente sujeitos clássicos de direito internacional nos seguintes artigos: 61.5; 70.3; 148; 150; 151.1.a). No Acordo de Implementação da Parte XI, cita-se a participação espelhada no preâmbulo. No Acordo UNFSA citam-se os seguintes dispositivos: artigos 8.3; 14.3; 47.
[8]Para maiores detalhes ver: DUVIC-PAOLI, Leslie-Anne. “The Status of the Right to Public Participation in International Environmental Law: An Analysis of the Jurisprudence”. Yearbook of International Environmental Law, vol. 23, nª. 1, 2012, p. 80–105.
[9]Em que pese ainda haver dúvidas sobre a delimitação do conteúdo do princípio da participação ambiental, vários autores adotam a fórmula: participação pública em questões ambientais, acesso à informação e acesso à justiça. Para mais informações: DUVIC-PAOLI, Leslie-Anne. “The Status of the Right to Public Participation in International Environmental Law: An Analysis of the Jurisprudence”. Yearbook of International Environmental Law, vol. 23, nª. 1, 2012, p. 80–105.
[10]Anexo II — Comissão de Limites da Plataforma Continental. Artigo 2. 1. A comissão será composta de 21 membros, peritos em geologia, geofísica ou hidrografia, eleitos pelos Estados Partes na presente Convenção entre os seus nacionais, tendo na devida conta a necessidade de assegurar uma representação geográfica equitativa, os quais prestarão serviços a título pessoal.
[11]Durante a 27ª (vigésima sétima) Reunião dos Estados Partes da CNUDM, foram eleitos 20 (vinte) membros da Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental foram eleitos em 14 de junho de 2017 para um mandato de 5 (cinco) anos. A eleição de um 21º (vigésimo primeiro) membro da Comissão ainda não ocorreu.
[12]Acordo Relativo à Implementação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Seção 9 — O Comitê de Finanças. 1.Fica estabelecido um Comitê de Finanças. O Comitê será composto de 15 membros com as qualificações adequadas ao tratamento de assuntos financeiros. Os Estados Partes deverão apresentar candidatos dotados dos mais altos padrões de competência e integridade. (Grifos nossos.).
[13]Acordo Relativo à Implementação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Seção 1 — Custos para os Estados Partes e Arranjos Institucionais. […] 3.O estabelecimento e o funcionamento dos órgãos e órgãos subsidiários da Autoridade se basearão num critério evolutivo, tendo em conta as necessidades funcionais dos órgãos e órgãos subsidiários em questão, com vistas a que possam cumprir eficazmente suas respectivas responsabilidades nas diversas etapas de desenvolvimento das atividades na Área. 4.As funções iniciais da Autoridade, ao entrar em vigor a Convenção, serão desempenhadas pela Assembleia, o Conselho, o Secretariado, a Comissão Jurídica e Técnica e o Comitê de Finanças. As funções da Comissão de Planejamento Econômico serão desempenhadas pela Comissão Jurídica e Técnica até decisão em contrário do Conselho ou até a aprovação do primeiro plano de trabalho para aproveitamento.
Sobre os autores
arissa Coutinho — Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, Brasília-DF, Brasil (larissa.coutinho@aluno.unb.br) — https://orcid.org/0000-0002-4062-8439
Carina Costa de Oliveira — Universidade de Brasília, Faculdade de Direito, Brasília-DF, Brasil (carinaoliveira@unb.br) — https://orcid.org/0000-0001-8957-9343
Marcus Polette — Universidade do Vale do Itajaí, Centro em Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar, Itajaí — SC, Brasil (mpolette@univali.br) — https://orcid.org/0000-0003-0437-4205
Como citar este artigo
Medeiros Coutino, Larissa Maria, Carina Costa de Oliveira, e Marcus Polette. 2023. “O Uso De Indicadores Para a análise Da participação Na conservação E No Uso sustentável Dos Oceanos: A aplicação No Contexto Do ODS 14.c”. Meridiano 47 — Journal of Global Studies 23 (maio). https://doi.org/10.20889/M47e23002.
Recebido em 01/07/2021
Aprovado em 01/12/2021