Aventuras Simples e Eficientes | Reflexões de Mestre #01

Pedro Coimbra
Mestre PedroK
Published in
5 min readDec 5, 2018

É inerente ao ser humano querer dificultar as coisas. Acreditamos, realmente, que o mais elaborado tem mais valor. E acabamos levando isso (erroneamente) para nossa mesa de RPG.

Esse texto é resultante da discussão saudável na sessão de comentários do meu primeiro vídeo no canal. Se você ainda não assistiu, aqui está o link:

Meu objetivo com esse texto é ampliar a discussão sobre o tema. As dicas mais práticas estão presentes no vídeo, e vou deixar este espaço para um mergulho no tema. Ainda assim, finalizo o texto com alguns bullet points que podem ser úteis — se você busca coisas mais práticas é só ver o vídeo e ler os bullet points.

Se você é como eu e busca sempre refletir e criticar sua prática, esse texto é para você.

O Conceito de Simples, e Eficiente

Essa imagem é um clássico do conceito de eficiência. Mas mesmo ela pode ser problematizada: quem tem maior agência nessa imagem?

A primeira coisa que eu gostaria que você, leitor, entendesse é que não estou defendendo que uma aventura simples é melhor. Ela é apenas isso — simples. Considerando que muitos não temos o tempo necessário para planejar uma mega campanha ultra complexa por conta de nossos deveres e atividades diárias, eu defendo que uma aventura simples faz mais sentido por ser mais “eficiente”.

Quando digo que uma aventura precisa ser “simples” quero dizer, essencialmente, que seus conflitos e desafios são claros para os jogadores, e isso precisa impulsionar os personagens para dentro da narrativa. A aventura precisa cumprir com o propósito de servir como alicerce para o impulso narrativo inerente ao papel do jogador de RPG.

Apresento este conceito como “eficiente” — algo que cumpre seu papel de maneira a preservar recursos.

O “Simples” e a Maior Agência por Parte dos Jogadores

Esse é um tema recorrente em minhas conversas com Rafael Balbi do Regra da Casa: como nós, enquanto mestres, podemos ampliar a capacidade dos jogadores de tomar decisões e interferir na narrativa?

Falamos, de maneira ampla, que esta é a “agência” dos jogadores. A capacidade de agir (e portanto de criar) dentro do jogo e da narrativa.

Uma aventura simples é, essencialmente, uma narrativa que faz perguntas aos jogadores. Ela entrega um plano de fundo claro e pergunta aos jogadores como seus personagens vão resolver determinada situação ou conflito.

A aventura simples só existe com a interferência dos personagens, caso contrário ela é apenas uma situação não resolvida. Explico:

Vocês estão descansando em uma taverna de uma pequena cidade ao pé de uma antiga montanha gelada. Em determinado momento, escutam o taverneiro conversando com um Anão velho e sujo de carvão. O Anão lamenta mais um desaparecimento de seus colegas mineradores, e agora ele jura que viu o Demônio das Profundezas levando seus colegas para a escuridão eterna. O que vocês fazem?

Perceba que neste exemplo os personagens são convidados a participar de uma aventura por conta de um problema que é apresentado. Se os personagens negarem participar da aventura, o problema ainda vai existir — mas não será resolvido sem os personagens. Esse é o ponto central do meu argumento: uma aventura simples precisa da agência dos jogadores para ser resolvida.

Vamos ver um contraponto:

João está preparando uma aventura para jogar na sexta-feira com seus amigos. Ele escolhe preparar uma aventura onde os personagens vão descobrir a entrada para o Abismo nas profundezas de uma mina. Esta entrada foi aberta por Lucius — avô do atual prefeito da cidade. Lucius fez um pacto com entidades das profundezas para conseguir maior poder para si a sua família. Os heróis vão adentrar nas minas e descobrir a entrada para o Abismo e, depois, encontrar ligações entre o evento e o prefeito da cidade.

Perceba que o segundo exemplo é mais completo enquanto narrativa, e é exatamente por isso que o vejo como problemático. A agência dos jogadores e interferência dos personagens tem pouco ou nenhum efeito nos planos do mestre. Desde o começo ele sabe o que quer dos seus jogadores. Esse tipo de aventura acaba exaurindo o principal recurso do RPG: tempo de jogo por parte dos jogadores.

O primeiro exemplo é extremamente simples quando comparado com o segundo, mas ele parte da necessidade de agência por parte dos jogadores para que possa existir. O segundo exemplo existe independente dos jogadores, e não precisa deles para se configurar como narrativa mais completa.

Como apresentar conceitos complexos dentro de uma Aventura Simples

Mas talvez você seja como eu, e quer o melhor dos dois mundos. Confesso que não tenho nenhuma receita milagrosa, mas tenho algumas descobertas que gostaria de compartilhar.

A primeira delas é que você pode planejar o background da aventura, não tem problema — mas você precisa estar disposto a não apresentar ele para os jogadores.

Uma coisa que vejo muitos mestres fazendo (e eu mesmo já fiz diversas vezes) é apresentar o plot secundário para os jogadores. Muitos mestres adoram compartilhar suas histórias mirabolantes com os jogadores e, por vezes, fazem isso dentro da narrativa através de cut-scenes e narrações de NPCs. Não acredito que isso seja errado, mas é uma maneira bastante simplória de apresentar algo que poderia ser incrível.

Apresente aos jogadores apenas aquilo que depende da agência deles para ser resolvido. O resto é totalmente secundário, e deve ser descoberto a partir das ações dos jogadores e de seus personagens.

Crie um problema, e não um pano de fundo.

O pano de fundo pressupõe que alguém estará agindo na frente dele, e podemos cair na armadilha de retirar essa agência dos jogadores. O mestre pode acabar com a aventura usando alguns efeitos deus ex machina e eliminando a capacidade de resolução de problemas por parte dos jogadores.

Em resumo

Depois de tantas reflexões cabem aqui algumas dicas mais práticas:

  • Tenha como objetivo planejar um conflito que impulsione os jogadores para dentro da narrativa;
  • Apresente o background da aventura através das investigações e provocações dos jogadores;
  • Use as cut scenes e narrações de NPCs apenas como ferramentas de impulsionar problemas e tensões, e nunca como “soluções para problemas narrativos;
  • Uma aventura simples é, essencialmente, um problema com desafios que precisa ser resolvido pelos jogadores. A tarefa do mestre é criar os conflitos, gerenciar os problemas e completar a narrativa dos jogadores;
  • Busque, sempre, preservar os jogadores de maneira que eles tenham a principal agência na história toda.

Espero que você tenha gostado do texto. Deixe comentários, compartilhe com seus amigos e participe das discussões.

#verymuchwe

…e até a próxima.

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Pedro Coimbra
Mestre PedroK

Educador e Produtor de Conteúdo de Tabletop Gaming.