Foto do teu pé

Um outro dia desses eu estava lembrando de uma foto do teu pé. Delicado, pequeno, perfeito. Um pé que eu nunca vi. Na época, você postava fotos referentes à minha situação catastrófica. Bom, na época você tinha mais tempo. A foto do pezinho não fazia parte do nosso diálogo… era de um tempo em que nem te conhecia. O diálogo também não existiu, mas conversávamos textos sobre tuas amigas e meus segredos. Eu era tão desinteressante que só falava das coisas que não contava a ninguém e você, tão interessada, compreendia tudo o que eu tinha vomitado na bebedeira da noite anterior. Não era mentira, mas eu abusava dos alcoólicos todos os dias naqueles tempos. Talvez aquele cara nem era eu, seria um alter ego que subia no palco, fingia ser alguém e que hoje corre atrás daquele sentimento com o nome que não posso dizer. Talvez, né? Aliás, anteontem mesmo, quase passei mal e, de novo, lembrei de ti. E, como sempre, inventei um aperto no peito e abri as cortinas para a platéia de uma mulher só, que é de outros quatro pelo menos. Não, não me engano que eu seja exclusivo, mas se parar pra imaginar, durante o nosso relacionamento que nunca existiu, eu tive até uma filha que no dia dos pais me desenhou como passeio. Que ironia, logo eu que não saio das redondezas faz mais de um ano. Há seis anos sentei na cadeira do computador e, como ouvi em uma música, vejo a vida passar pela janela. Depois de uma semana com Covid, sofri alterações fisiológicas e neurológicas. O desodorante vence mais rápido, mas depois de escutar a música da chuva que via a vida passar pela janela, a vontade de levantar e ir atrás das coisas cresceu e até uso mais eus e advérbios de ligação quanto meu mercúrio de casa doze conjunção ascendente me obriga. Lembrei de você ser holística, de nos ver no alto de um penhasco em outra vida e da gente ser as histórias de duas pessoas que não podem dizer o nome porque senão o mundo real acaba. Mas lembre-se: eu sou o único que te faz suspirar por aí falando de uma foto do teu pé. E isso tudo, sem te ter.