Melim — Ouvi Dizer / Anavitória — Fica

Jantar

Ras Anders
Cartas em Metáforas ou Nossas Desvidas

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Hoje é dia de te encontrar. Isso costumava ser mais cotidiano, mas transformou-se num acaso, sem querer. Tudo bem, entendo como quem sabe estar do teu lado do filme e ser quem eu sou, pois eu comecei tudo isso. Se fosse São Paulo, te levaria ao Mocotó porque sei que gosta de cultura brasileira e lá deve ser um dos melhores lugares para se comer uma comida regionalista. Eu, adepto de fragrâncias como sou, usaria um Cedrat Boisè da Mancera. Diria que resume o meu estado atual ou parte da minha personalidade. Mudando de assunto, que saudade de estúdio que me deu. Aquele tempo trancado com o pessoal discutindo e esperando pra ver o que saiu. Ai, que saudade. Eu nem era bom, mas tive a sorte de ter essa experiência e deu saudade. Tinha vinte e um anos quando aconteceu. Ficar oito horas por dia lá dentro, fumando um verde de vez em quando, gravando nos outros que precisava estar são e descobrindo o que aconteceu na gravação. Só um detalhe para constar nos autos, gravei minhas tracks em um dia. Era bom ouvir que iríamos para a próxima faixa. Eu adorava. Os meus vinte e um anos foram os melhores da minha vida, sem sombra de dúvida. Agora que você já passou dessa idade, talvez me entenda um pouco melhor. Não que idade diga alguma coisa, porém é só uma questão de timing. Eu fui um cara que ouviu de uma amiga Eu nunca te vi sóbrio. Pesado hoje em dia. Leve nas circunstâncias de dois mil e bolinha. Eu já fui o menino que sua mãe queria que fosse seu namorado e o que ela não queria ao mesmo tempo. Que brisa. Aquela festa de globais aconteceu mais ou menos nessa época. Surreal define. Assim como o que nos mantém, é um imaginar estar junto durante algumas horas. E vai acontecer. Claro, caso você não saia correndo no dia que me ver ai na tua cidade te esperando com uma porcelana remendada com ouro. Isso é uma loucura tão grande quanto o que foram os meus vinte e um anos. E vejo isso como algo já feito. Pode esperar. Moro do lado de um dos lugares mais famosos do Japão no quesito porcelana: Shigaraki. Vou achar alguém que faça isso. Afinal, remendar com ouro é um costume tão antigo que nem os jovens japoneses sabem que existe. Eu perguntei a alguém da minha idade e a resposta foi Como você sabe que isso existe?. Eu fiz tanto e nada ao mesmo tempo que consigo perguntar para um japonês sobre isso. Você, que sabe mais de uma língua, sabe o quanto isso é uma viagem. Ouvir que um jovem talvez não saiba do que estou falando no próprio país deles. E eu disse Bunka suki, algo como “gosto de cultura”. Obrigado por isso. Você não sabe o poder que tem. E se tu gosta do que eu sou, do que eu faço, o mínimo que posso fazer é te levar ao Mocotó e te fazer ter uma lembrança para o resto da tua vida. E espero que não se importe de eu te falar como a minha vida é melhor depois que você entrou no meu mundo. Obrigado. E este seria o fim do nosso jantar. Depois, é só uma questão de querer. Adoro um baião de dois.

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