Poesia de Fausto Fonseca

2€ por uma rosa com poesia

Karina Sgarbi
metade disso é verdade
3 min readMar 7, 2017

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Na televisão do bar passa o jogo do Benfica. A cidade é o Porto, mas há quem torça para o rival lisboeta (alguns para bem e muitos para mal). Acompanho um amigo e torno minha a aposta dele: o vermelho deve ganhar. É um pub irlandês, faz sentido tomar um pint de Guinness. As mesas todas estão cheias: grupos de amigos, casais. É noite de sexta-feira e pra mim, ali, a vida anda a fazer sentido nenhum. Às vezes as coisas que acontecem não são fáceis de serem entendidas.

Arrumo uma cadeira para sentar junto à bancada. Preciso ficar de lado para acompanhar o futebol. Um turista que parece ser alemão oferece o banco que segura apenas seu casaco. Agradeço, mas ali já havia resolvido meu problema de assento e começava a tomar a cerveja. Depois do intervalo, nos primeiros minutos da segunda metade do jogo contra o fraco Arouca, entra no bar um ramalhete de flores individualmente embaladas. São rosas, algumas brancas outras de fato rosas — sempre me fez confusão dizer que há rosas cor de rosa, talvez todas as rosas devessem ser, portanto, rosas. Mas gosto de todas as rosas de todas as cores.

Há um homem a segurar as plantas. Sabiamente, vai primeiro às mesas onde estão os casais. Ninguém compra. Ele vem até o balcão e oferece a venda para o amigo que me acompanha: “Que tal uma flor para a rapariga?” Meu amigo recusa e depois que o homem sai eu, feminista, digo que se ele tivesse oferecido para que eu mesma comprasse a flor para mim, assim teria feito. Mas ele sequer olhou para mim. Perdeu a venda.

Termino meu pint e peço outro. Vou à casa de banho — é assim que chamam os portugueses os seus banheiros. Na saída, esbarro no homem das flores. Ele me acompanha até a bancada, onde espera um fino que o moço do bar lhe dá. Deve ser conhecido da casa. Acho justa a cortesia, fosse eu a proprietária também daria copos de cerveja aos artistas das vendas de rua.

Eis que ele não me reconhece e passa a me oferecer seu produto. “Cada flor vem com uma poesia escrita por mim.” Já não hesito e abro a carteira para recolher os 2€. Uma moeda apenas em troca de duas das melhores coisas deste mundo. Começo a conversar e descubro que ele é moçambicano mas vive no Porto há tempos. Pergunto quantas flores já vendeu e quantas poesias já escreveu, ele não sabe mensurar. Ou talvez não queira. É sexta, afinal.

Pelo meu sotaque, ele facilmente descobre que sou brasileira. A namorada dele também é. Mora no Rio de Janeiro, em Niterói. Estão juntos há mais de um ano e nunca se viram. Ele mostra uma foto dela no Facebook. Pede que eu curta a página de poesias dele. Pego o meu telefone e faço isso (curta também: Flores y Poesia).

Ele pergunta se eu posso verificar se duas notas de R$ 5 que ele tem são verdadeiras. Ele vendeu uma flor com poesia a um casal de brasileiros que estava sem euros no momento da aquisição. Confirmo que são reais, de fato. Ele pede se podemos trocar, quer apenas os 2€. Pego desta vez duas moedas e lhe entrego. Guardo os meus R$ 10, ainda dizendo que a conversão não está correta. Ele diz que não se importa.

Pergunto a ele como funciona o namoro, ela longe dele, ele longe dela. “Tem muita poesia”, ele diz. Conta que foi pela internet que se conheceram e que conversam todos os dias. “Não precisa estar perto para amar. O amor está no coração, é o que a gente sente.” Talvez um dia se encontrem, não há data para isso. “Ela é linda, uma pessoa maravilhosa. Quero ir ao Brasil, mas ainda não tenho dinheiro.” Digo a ele que venha, que meu país é bonito, cheio de gente alegre. Ele fala que gosta dos brasileiros e toma o último gole. Eu escolho uma rosa cor de rosa. Presa a ela está uma folha de caderno — a poesia vem escrita à mão.

O homem agora recolhe seu casaco e as flores que ainda estão por vender. Descansavam no balcão do bar enquanto ele pausava o trabalho para tomar a cerveja. Agora é hora de seguir. “Sabe, eu acredito no amor”, afirma, antes de sair.

Olho pra ele e sorrio: eu também.

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Karina Sgarbi
metade disso é verdade

“Não diz coisa com Coisa nem escreve nada Que preste” (Excerto de Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas)