Eu quero escrever em inglês mas não consigo

Karina Sgarbi
metade disso é verdade
3 min readMar 17, 2023

Mas eu também não faço questão.

Tem mais de três anos que moro na terra que era da rainha, mas ela morreu, e agora há aqui um rei de quem ninguém gosta e que serve apenas de enfeite. A velinha era enfeite, também, mas bem mais carismática. Todo mundo gosta de uma senhorinha com a sua bolsinha e bengala, afinal.

Cheguei aqui com um inglês mixuruca, mais por ser metida do que por ter estudado bem uma apostila. A bem da verdade, fiz uns seis meses de curso no Brasil, semanal, lá em 2014 talvez, e o resto foi por puro interesse autônomo. E como coragem e cara de pau eu tenho de sobra, a fluência no inglês acaba por ser apenas consequência.

Uma, dentre tantas situações engraçadas, se destaca. Estava eu a trabalhar para um evento e a organização a me dizer: we need to get ready for the coach, the coach is arriving, we need to leave for the coach. Eu com meus botões fiquei pensando que o tal coach — ou técnico, treinador — era mesmo muito importante. Fiquei curiosa pra conhecer o cidadão, porque era mesmo muito alarde, muita pressão para estarmos todos prontos a tempo de chegar o coach.

Saímos do hotel com uns minutos de atraso e entramos em um ônibus, destes grandes fretados. Sentamos e eu ainda a esperar o tal do coach chegar, já sem muita paciência e achando ele um chato por tanta demora e tanto auê. Aí então escuto alguém falar: ok, everyone is here, the coach is ready to depart. Discretamente, pergunto pra minha colega britânica, que confirma a minha percepção: coach é também nome de ônibus (apenas os fretados).

Entre tantas peripécias, é claro que um inglês menos mixuruca é agora o que pratico. Ainda custo a entender algumas coisas, a depender do sotaque, de que parte do Reino Unido a pessoa é. Curioso que com imigrantes eu sempre entendo tudo, acho que temos todos um jeito mais simples de nos comunicar, de nos compreender.

E uso o idioma todos os dias, apesar de proferir impropérios na minha língua materna, que é mesmo para apenas eu entender. Mas eu não consigo amar a língua inglesa (aqui vale o duplo sentido, que nem para beijar o povo aqui mete a língua). No que tange ao idioma, eu não sei bem explicar a causa do ranço. Acho igual a comida aqui: sem graça, insossa, sem emoção.

E aí penso que talvez poderia estar fazendo algum dinheiro se escrevesse essas coisas na língua local. Afinal, aqui eu sou uma jornalista brasileira, mulher imigrante, escritora latino-americana, uma variedade de títulos que soam melhor do que, infelizmente, ser apenas mais uma na multidão do meu país natal.

Mas eu não consigo. Ou não quero, mesmo.

Me falta tesão. English doesn’t make me horny. O português, ao contrário, me tira do chão e faz ter borboletas às mãos, que é pra escrever mais depressa. Há tantos jeitos de dizer a mesma coisa, tanto espaço para criar.

Talvez seja essa a minha resistência, não ver graça nessa coisa insossa de gringo, e achar bonita demais a minha língua, que beija e lambe e molha e faz engolir palavras inteiras.

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Karina Sgarbi
metade disso é verdade

“Não diz coisa com Coisa nem escreve nada Que preste” (Excerto de Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas)