A Melancólica Jornada de Wander

O mundo e o sacrifício em Shadow of the Colossus

Lucas Pessoa
Metagame

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Em 2001 uma pequena equipe dentro do Japan Studio lançou um jogo chamado ICO para o Playstation 2, o qual foi bem recebido pelo publico e se tornou um hit cult. Mal sabia a equipe desenvolvedora, Team ICO, que 4 anos depois se superaria, quando lançou Shadow of the Colossus, também para Playstation 2, um clássico instantâneo, que mudou para sempre a vida de muitos gamers ao redor do mundo.

As maravilhosas capas japonesas de cada jogo. (ICO sofreu muito no ocidente por causa da escolha de capa)

Shadow of the Colossus conta a história de Wander, um jovem solitário que viajou para uma antiga região proibida e exilada com o objetivo de reviver sua (suposta) amada Mono, e para isso precisa completar o desafio de derrotar 16 Colossi, dado por uma entidade que vive nessas terras, Dormin. Não é explicado para o jogador muito além disso, o próprio nome do protagonista não é mencionado durante o jogo, mas mesmo no meio dessa repentina missão dada ao protagonista/jogador, o jogo ainda proporciona uma incrível jornada imersiva.

Por mais que a narrativa em questão não fique clara para o jogador, ela é apresentada de forma que se possa ter suas próprias interpretações, que por sua vez ajuda na criação de uma atmosfera onde o desconhecido reina. Além disso, a trilha, ou melhor, a ausência dela, junto com o cenário, e a arte do jogo como um todo, corroboram perfeitamente com essa ideia de desconhecido, de um lugar isolado e esquecido. Essa harmonia que existe entre esses elementos que torna possível a melhor imersão do jogador para dentro da atmosfera do jogo.

Mono sendo levada por Wander para o altar de Dormin

Após a cutscene inicial, o jogador se depara com um vasto mapa, sem qualquer sinal de vida, tirando alguns animais, sem música alguma, apenas o som do vento e do andar do personagem e seu cavalo estão presentes. A ideia do cenário gigantesco a ser percorrido foi uma escolha feita pelos desenvolvedores para que fizesse sentido todos aqueles gigantes que o jogador precisa derrotar, eles se complementam. Tudo apresentando no jogo passa um ar de grandiosidade e fantástico, e é justamente isso que o jogador sente ao começar a jogar. E no momento que a luta contra os gigantes começa, há uma quebra do momento de tranquilidade, a trilha começa a tocar e um novo ambiente se forma, com tensão e adrenalina. Mas essa quebra é feita de uma forma que o jogador não se sinta expulso daquele ambiente, a transição é feita de maneira gradativa, quanto mais ação entre o jogador e o gigante, mais intensa a música, caso ele se afaste a música torna a ficar calma.

Primeira parte do jogo, mostra o contraste do mapa aberto e silencioso e da tensa luta contra o Colosso

Além desse impacto visual e sensorial que o jogo passa pela primeira vez, aos poucos a atmosfera vai se tornando melancólica. Alguns fatores marcam essa nova emoção que é transmitida para o jogador, primeiro com as mortes de cada Colossi, elas são dramáticas, quase “tristes”, alguns deles estavam imóveis, em harmonia com a natureza, antes de Wander chegar para matá-los. Muitos deles tem uma forma semelhante a animais, o que torna a ação de derrotá-los mais brutal, a ação do protagonista chega a ser quase a de um vilão. E o jogador sente isso, é extremamente desconfortável derrotar alguns deles, eles demonstram medo, raiva, mas estão apenas protegendo seu lar e cumprindo sua função de guardiões. O objetivo de Wander é extremamente egoísta, aos poucos é possível perceber que a história se trata de uma trama sobre sacrifício e “pecado”. O protagonista usa uma espada mágica que ele roubou da sua cidade de origem, e ele fez um pacto com uma entidade para servir aos seus objetivos próprios. Com a morte de cada Colossi o corpo do protagonista vai se corrompendo, sua pele ficando pálida, cicatrizes surgem, assim como chifres, isso está acontecendo em decorrência do ritual que o próprio está performando, o sacrifício de seu corpo é o pagamento para que sua “amada” volte a viver.

Luta contra um dos Colossus, uma criatura magnífica com um final trágico

Ou seja, toda sua jornada é sobre a negação diante da morte, por não aceitar a situação de Mono ele escolheu desobedecer as leis do mundo dele. E as condições que Dormin oferece são ilusões, pois, por mais que ele trouxesse Mono de volta a vida, Wander estaria “morto”, possuído pela entidade, e o mundo estaria em direção a sua destruição. O desejo egoísta de Wander no final não traria qualquer bem, iria inclusive piorar a situação para Mono, a tragédia seria inevitável. Toda essa angústia é transmitida para o jogador, ainda mais quando ele se encontra controlando “Dormin/Wander”, tendo que matar os guerreiros que chegaram para impedir o retorno da entidade.

Enfim, o jogo termina de forma pacífica, talvez não como Wander imaginasse, mas depois de todos seus atos, não teria como ter uma opção melhor para ele. Shadow of the Colossus certamente cumpre seu papel de transportar o jogador para seu mundo, trabalhando muito bem cada momento com suas diferentes atmosferas, mas sempre mantendo o clima onde o desconhecido reina.

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