Complexidade crítica em 8 bits

Uma análise sobre Undertale

Eduarda Rodrigues
Metagame
3 min readJul 21, 2016

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Undertale é um jogo que te faz repensar de verdade a sua relação com o mundo. Não é necessário nem jogar para saber que suas ações dentro dele podem mudar o modo como os personagens interagem com a personagem principal e o final, mas com a experiência do jogo fica claro como o ambiente do jogo reagem diretamente a como o jogador se porta.

Para que isso fique claro é preciso contextualizar o jogo. Undertale é um RPG indie criado por Toby Fox e lançado em 2015. Nele o jogador é uma criança humana que caiu no submundo onde os monstros foram presos depois que perderam a guerra contra os humanos, com quem conviviam em paz na Terra. Para conseguirem escapar os monstros precisam de uma alma humana, e você é um humano, portanto conseguir andar pelo mundo dos monstros e voltar não deve ser uma tarefa muito fácil. O jogo em 8 bits se passa em 201X e tem três finais possíveis, o pacifista, quando não se mata nenhum “inimigo”, o neutro, autoexplicativo e o genocida, quando se mata todos os inimigos.

A crítica social latente se traduz para o interior do jogo principalmente porque é possível que se trace um paralelo dessa crítica com uma crítica ao próprio modo de jogo dos RPGs e a violência é a linha que nos guia na visão analítica sobre o jogo. Assim, o principal foco de percepção do jogo é a batalha moral que o jogador exercita durante todo o jogo.

Ao iniciar o jogo o mundo dos monstros nos é apresentado através da personagem Flowey como um lugar hostil e perigoso. Não só o jogo, como o histórico de jogos de RPG nos induz a encarar as lutas (travadas em modos de turnos) como a maneira de evoluir a personagem. Quando se entra na tela do combate, vê-se que há opções além do conflito, como conversar e poupar. É a partir daí então que o jogo envolve o jogador no conflito moral já comentado acima, os personagens, que são bem desenvolvidos e muito carismáticos, tornam essa decisão ainda mais complicada. Mas ao desenvolver do jogo percebe-se que os pontos adquiridos não têm relevância na história. A crítica à naturalização da violência no mundo dos jogos é completa quando ao final do “modo pacifista” é explicado que o LV é Level of Violence e o XP são os Extermination Points. No balanço final, o caminho pacifista guarda melhores recompensas, não só no jogo, mas na interseção sentimental característica da ambiência.

Flowey, a Flor

Como já dito, não é exclusivamente no campo dos jogos que se concentra à critica. Se no primeiro momento o mundo dos monstros é apresentado como hostil, ao escolher o caminho pacifista ou neutro, o ambiente se mostra até amigável (ex: Toriel, Sans), ao entrar na parte das cascatas, quando o jogador começa a ser perseguido pelo primeiro boss, a chefe da guarda Undyne, o jogo começa a dar pistas de que a história contada pelos humanos não é exatamente como aconteceu, os monstros foram injustamente subjugados por uma raça mais forte, relegados à prisão e declarados culpados e essa é provavelmente à crítica social mais evidente do jogo.

Pode-se claramente ver o quanto os fatores sociais externos influenciam no jogo. A critica à violência nos games molda o modo de combate e evolução da personagem durante a história, que é um reflexo direto da possibilidade de desenvolver o jogo pacificamente. E a crítica social se traduz na história, que alude a outros temas além da violência, como preconceito, diálogo e relações interpessoais.

Undertale é um jogo como poucos, têm a sensibilidade de retratar um ambiente e que a gentileza gera efeitos imediatos e a longo prazo, dá a liberdade de escolha do caminho a ser seguido pelo jogador e consegue passar tamanha complexidade de reflexão em um gráfico simples de 8 bits.

Por Eduarda Rodrigues.

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