Escape from Lavender Town

Dara Coema
Metagame
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5 min readJul 21, 2016

Henry Jenkins em sua obra “Cultura da Convergência” apresenta o termo de cultura participativa. Tal conceito consiste numa ressignificação dos papéis consumidor/produtor. O consumidor deixa de ser apenas um receptor passivo da mídia e passa a participar, criando e compartilhando seu projeto de forma coletiva. Ele se apropria de elementos pertencentes a um produto midiático, e a partir desse produto, cria o seu próprio.

Escape from Lavender Town é um exemplo disso, um dos muitos hacks da primeira geração da série de jogos Pókemon. É um short game que se passa em Lavender Town, uma cidade conhecida por ser um cemitério de pokémons e pelas aparições de fantasmas na Pokémon Tower. Além dos hacks, muito material foi criado particularmente em torno de Lavender Town. Creepy pastas como a Síndrome de Lavender Town, Buried Alive e a lenda do cartucho amaldiçoado de Pokémon Black se tornaram populares na internet e todas tem um tema em comum: morte. Tal assunto não é muito abordado nos jogos originais da série. Talvez por ter um público alvo infanto-juvenil, a questão da morte virou um certo tabu. Após uma luta, seus pokémons podem ser curados nos Pokémon Centers e tudo volta ao normal, então a morte não atinge diretamente o personagem do jogador. As únicas menções mais claras em relação a morte de Pokémons de terceiros ocorrem em Lavender Town, portanto não é surpresa que tantas narrativas de terror criadas pelos fãs girem em torno dessa cidade.

Por ser um hack, Escape From Lavender Town traz a familiaridade de uma franquia conhecida tanto no apelo visual (apesar de modificarem a matriz de cores do gráfico), quanto na música característica da cidade.

Lavender Town — Lar dos espíritos

A questão da música é um ponto chave do jogo. Um dos creepy pasta mais famosos de Pokémon é a Síndrome de Lavender Town, que conta sobre um suposto pico de suicídios e doenças entre crianças de 7 a 12 anos, logo após o lançamento de Pokémon Red e Green no Japão, por volta de 27 de Fevereiro de 1996. Rumores diziam que estes suicídios e doenças só ocorreram depois que as crianças que jogaram o jogo chegaram a Lavender Town, cujo tema musical teria frequências extremamente altas, as quais supostos estudos mostraram que apenas crianças e adolescentes jovens poderiam ouvir. Logo no início do jogo há um aviso e uma sugestão para maior aproveitamento do jogo.

“Esse jogo tentará agir na sua vida real. Irá terminar quando sua vida terminar. Para jogar, você deve ter certeza que seu som está ligado, ou a experiência não será a mesma. Também é melhor quando jogado a noite. Então para evitar acordar alguém, tenha certeza que o volume da música no outro cômodo esteja baixo (mas que dê para você ouvir as frequências escondidas).”

Durante toda a experiência há uma tentativa (que funciona, na minha opinião) de envolver o jogador de forma emocional, psicológica e até física. O jogo continua normalmente, você se depara com a cidade de Lavender Town e a possibilidade de explorá-la (mas apenas essa cidade, não há forma de sair). Ao falar com os cidadãos da cidade, as respostas são na maioria das vezes bem mórbidas, criando uma atmosfera em torno da questão da morte.

“Eu tenho uma doença terminal”
“A vida é curta.”

Num certo ponto nos deparamos com um personagem da equipe Rocket com um discurso bem esquisto. Claramente faz alusão ao Cubone que vive na Pokémon Tower e teve sua mãe morta pela equipe Rocket.

Após explorar, falar com os cidadãos da cidade, você pode entrar na Pokemon Tower, mas lá você só encontra mais três NPCs.

Nesse momento há uma quebra da quarta parede quando você é avisado que o jogo não foi terminado e que se ficar muito tempo, seu cérebro será danificado. O plot twist aparece quando você esgota suas opções dentro do jogo e se encontra sem saída. Se o jogador tenta sair do jogo, surge uma imagem em na área de trabalho do computador (novamente o Cubone) e ouvem-se vários sons. Se numa situação normal de um jogo você pode simplesmente sair e voltar a realidade, Escape Lavender Town te impede de voltar, “invadindo” esse espaço.

O jogo então volta, mas a tela é instável, cheia de glitches e o conteúdo também muda. As placas contêm mensagens como “Me siga” e “Irei me vingar” e os NPCs também não falam as mesmas frases. Ao voltar a torre, não se encontram mais NPCs, mas sim uma escada que não aparecia antes. Você entra por um corredor cheio de corpos ensanguentados, com mais mensagens aterrorizantes.

“Nããão! Está me perseguindo” ; “Não deveria ter terminado desse jeito!!! Nós iremos todos para o inferno”

No final do corredor, você encontra um personagem e o seguinte diálogo acontece:

Finalmente você está aqui.

Na realidade, este jogo não era planejado para o RDC.

Depois de quatro horas de programação intensa…

… as frequências ocultas de Lavender Town…

… são fatais para o cérebro humano.

“Agora você vai morrer!!”

O jogo termina aí e uma nova mensagem aparece na tela.

Para mim não ficou claro se o jogo era sobre a vingança do Cubone, sobre as frequências assassinas da música de Lavender Town ou sobre a cidade em si, amaldiçoada pelos espíritos. Apesar de ter uma narrativa meio fraca, o jogo não falha ao construir uma atmosfera que permite uma imersão do jogador. Afinal de contas, os pesadelos irão te seguir na vida real.

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Dara Coema
Metagame

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