Sobre crianças, loucura e coisas estranhas

O horror psicológico experimentado em Fran Bow

Eduarda Rodrigues
Metagame
3 min readJul 14, 2016

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Logo no menu inicial do jogo “Fran Bow” se percebe que esse é um daqueles casos de terror para quem não gosta de terror. Uma menina atrás do seu gato, querendo ir para a casa de sua tia. Mas no meio disso tudo há um assassinato traumático, um manicômio para crianças, um doutor de comportamento duvidoso e pílulas.

Como Fran Bow pode ser então esse tipo de terror não terror? É simples, a linguagem utilizada no jogo não é a mais difundida, principalmente no meio dos games, para tratar de horror. Os mais conhecido jogos de terror utilizam uma linguagem próxima a dos filmes, onde o horror se concentra no suspense e no susto, como visto em “Slender”, ou na urgência em derrotar um (ou vários) inimigos assustadores, como em “Resident Evil”, o terror de “Fran Bow” é puramente psicológico, resultado de um conjunto de fatores como o ambiente e suas mudanças, o contexto e a trilha sonora.

O fato de se passar em um manicômio já é o suficiente para causar certa apreensão, apesar do traço belo e delicado do jogo, o ambiente passa a sensação clara de enclausuramento, e o objetivo final de escapar confirma a sensação, mas não é somente dentro do manicômio infantil que o jogo prende o jogador. Ao tomar as pílulas adquiridas no início do jogo, todos os lugares se tornam macabros, com elementos gore, fantasmas, monstros e pessoas mortas, junto ao traço já comentado, o jogo prende o jogador no surreal pesadelo de Fran Bow. A trilha sonora ajuda muito no efeito, já que muda de acordo com o estado da personagem (“lúcida”/pílulas) e invoca o suspense característico do horror.

Outro caso clássico em que “Fran Bow” se enquadra é no de jogos focados na narrativa, a agência no jogo é mínima, por mais que o jogador tenha que explorar por si o ambiente, escolha os diálogos e os momentos de tomar a pílula, a história só progride quando a sequencia determinada de ações é realizada, é uma história interativa. Esse foco extremo na narração e a consequente limitação de ação pode gerar um curioso link com o contexto “de prisão” do jogo e o questionamento do quanto é proposital.

“Fran Bow” é um jogo rodeado de questionamentos afinal. Fran está louca? Quais são as reais intenções do doutor e sua participação na história? O que se vê com a pílula é real? Essas respostas só podem ser alcançadas por meio da interpretação, mas toda a experiência de prisão, de ambiguidade e de sonho leva o jogador a outros questionamentos relevantes sobre sua mensagem e o modo transmissor. As macabras cenas com as pílulas são realmente impactantes e a história cumpre seu papel em criar o ambiente de horror, mas seria “Fran Bow” um jogo tão sutil a ponto de potencializar o suspense psicológico ou tão surreal a ponto de fazer jogadores que buscam por esse gênero se desinteressarem?

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“Fran Bow” é um jogo para computador lançado em agosto de 2015 que narra a história de uma menina de 10 anos que após presenciar a assassinato dos pais foge para a floresta com seu gato, perde a consciência e acorda em um manicômio infantil onde conhece personagens duvidosos, estranhos e raros amigáveis. O objetivo de Fran é fugir do manicômio para encontrar seu gato desaparecido e ir para a casa de sua tia, seu mais próximo parente vivo.

Por Eduarda Rodrigues

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