O que você pode e não pode fazer em The Witcher 2

Nicollas Fraga
Metagame
Published in
6 min readJun 5, 2016

O principal atrativo dos vídeo games como mídia de entretenimento é a sua interatividade por parte do jogador com suas mecânicas, a fim de que sua narrativa seja devidamente prosseguida e completa pelo jogador. Em outras palavras, e sem me comprometer a aprofundar o conceito, sua agência é crucial para a progressão em um jogo até sua totalidade.

Em se tratando de agência e suas aparentemente inúmeras formas de manifestação em vídeo games, quero aqui documentar o caso em particular de The Witcher 2: Assassins of Kings, game que foi reverenciado em grande escala por críticos no seu lançamento principalmente pelo ramificação de escolhas e consequências que apresenta no decorrer de sua narrativa, que chegam a resultar a cenários completamente diferentes em meados do jogo. Apesar de haver consequências diversas dependendo das ações que o jogador tomar durante o jogo, acredito que seja necessário delimitar os limites que ele impõe quanto as ações que podem ser tomadas pelo jogador, além de estipular um parâmetro para quão grande são as ramificações disponíveis. E faço isso para me distanciar um pouco do assunto de Metal Gear, visto que mesmo que títulos clássicos da franquia venham a problematizar a questão da agência do personagem e do jogador por meio de suas mecânicas e narrativa simultaneamente, reservo isso para outros trabalhos futuros.

Você ainda vai ter a sua vez, Otacon.

The Witcher 2 te oferece todas as maravilhas de ser um matador de monstros profissional em um mundo fantasioso. Para começar, este é um RPG de combate com elementos de exploração e escolhas de diálogo, além de outros elementos menores que fazem da experiência de jogo mais complexa que sua categoria pertencente denota. Você controla Geralt de Rivia, o titular Witcher (sem uma tradução mais específica do que “bruxo” em português). Como tal, ainda mais em um RPG, você deve encarnar o seu papel, encontrando contratos de monstros que precisem ser eliminados e assim ser recompensado pelo trabalho. Witchers também podem se deparar com grupos de humanos e humanoides que o ameacem ou ao vilarejo mais próximo, sendo necessário entrar em combate com eles. À sua disposição estão suas espadas de aço para inimigos comuns e de prata para monstros, além de 5 magias simples que te ajudam a se defender em uma luta, cada uma com poderes distintos sobre seus inimigos. Para ajudar no combate, há poções e óleos que podem ser preparados e usados previamente, te dando uma vantagem como regeneração de vida ou aumento do poder de ataque, além de armadilhas que se ativam quando inimigos estão por perto. Mas não só de combate se é feito um RPG. Em The Witcher 2 há uma variedade de atividades em que consistem em interagir com o mundo de fantasia disposto a ti. Em vilarejos e cidades há quests e contratos que Geralt pode receber de personagens, e cada uma com mais de uma forma de ser terminada, ou até mal sucedida. Há mercadores que vendem e compram armaduras, espadas, runas, diagramas, livros, ingredientes que o bruxo posa precisar no seu Caminho. Mini-jogos como queda de braço, dados mentirosos e clube da luta estão disponíveis para se apostar dinheiro e bordéis para se relaxar (e ver uma cena de soft porn bem constrangedora decorrer no processo). Voltando às quests, independente de como você as completar, elas te fornecem pontos de experiência que você pode usar para aprender novas habilidades e melhorias em 3 ramos de upgrades: combate, magias e alquimia. A customização de Geralt não fica só por aí, já que também pode-se equipar o bruxo com diferentes armaduras e armas com diferentes estatísticas e peculiaridades.

Um dos muito menus que o jogo apresenta. Quase um jogo separado por si só.

Agora que cobri boa parte das possibilidades do que o jogo oferece para o jogador experimentar, vou tentar esclarecer o que o delimita, o confina ao que seus desenvolvedores envisionaram durante sua programação e não o deixa descarrilhar para uma dimensão indefinida de possibilidades… ou só ser impossível de completar e enviar para as prateleiras das lojas mundo afora.

Para encurtar a espreitada, pense em todas as infinitas possibilidades que se dariam em um jogo programado com código infinitos, teoricamente. Como os desenvolvedores têm tempo, recursos e paciência limitados, nada disso pôde acontecer dentro do jogo. Agora, sendo este um RPG baseado no universo fantástico de The Witcher, você é encorajado a cumprir com seu papel do personagem. Logo, Geralt não pode matar civis inocentes. Mesmo que você tente atacá-los, ele recua ou simplesmente não executa a ação, e no caso de insistência os guardas da cidade rapidamente se alarmam e matam Geralt. Para estreitar ainda mais os limites impostos ao universo do jogo, a narrativa delimita até onde vão suas ações e consequências por meio de sua trama relativamente abrangente. Sumarizando essa história, uma série de assassinatos assombra os reinos do Norte, com a morte de vários monarcas, e Geralt se vê sendo acusado do crime de ter matado o Rei Foltest de Teméria, seu antigo cliente em The Witcher 1. Logo, em busca de limpar seu nome, o bruxo parte para investigar o responsável pelos atos enquanto um conflito emerge entre reinos e insurgentes para controlarem o Vale de Pontar, região estratégica militar e de abastecimento dos reinos do Norte. Essa narrativa estreita as possibilidades de movimentação pelo mapa em apenas algumas regiões por onde a “investigação” de Geralt o leva. Não adianta querer vagar por outras possíveis no lore do universo porque elas simplesmente não existem no jogo. E mesmo que o sistema de decisões e consequências do jogo te dê a ilusão de que seu caminho será radicalmente diferente a cada vez que jogar, não há consequência de suas ações que não tenha sido pré-planejada pelos desenvolvedores… a não ser que seja um bug. Críticos na época de seu lançamento glorificaram esse aspecto, ressaltando que suas decisões poderiam te levar a duas localizações completamente diferentes dependendo do que resolveu fazer ou não, algo que designavam como “consequências transformadoras”. Mas a natureza dessas consequências transformadoras é bem simples, decidida por uma instância binária que, novamente, levam a dois caminhos previamente planejados e premeditados pelos desenvolvedores, algo ainda mais perceptível quando se joga mais de uma vez para realizar outras decisões e ver as consequências destas. Algo que certamente arruína a ilusão de jogos com esse tipo de sistema.

Esse é o grande momento em que você decide se quer ir pra A ou B. Bem “transformador”, não?

Apesar de todas as suas limitações, não há porque querer diminuir The Witcher 2 ou qualquer outro jogo ao que se pode ou não fazer dentro dele. A agência em um jogo tem seus limites por razões mercadológicas e práticas, e sua melhor forma de ser aproveitado é não se deixar preocupar muito pelas possibilidades. Aproveite o jogo pelo que se pode fazer e releve o que não se pode. Até um certo ponto. Mas enfim, sem querer filosofar mais além desse ponto, acredito que fiz relevante os pontos de agência do jogador sobre The Witcher 2.

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