Um retorno ao passado: Beneath a Steel Sky ainda merece ser jogado?

Thiago Patrício
Metagame
Published in
5 min readJul 24, 2016

Guardado na memória de muitos com afeto e carinho, Beneath a Steel Sky é um adventure game point’n click, lançado em 1994, pela Vingin Interactive. A obra se destaca por trabalhar bem jogabilidade e narrativa, apresentando uma trama repleta de mistérios, em um futuro dominado por uma inteligência artificial que controla e rege a sociedade urbana.

A obra marcou uma geração de jogadores ao utilizar da engine Virtual Theatre, novidade na época, para dar mais vida e fluidez aos personagens e objetos presentes. Para os que não conhecem a engine desenvolvida pela Revolution Software, trata-se de um motor que permite que elementos e personagens, que não o jogador, possam circular e realizar ações pelos cenários em que ocorre a narrativa. Assim sendo, os demais personagens não controláveis não são meros elementos parados esperando que você clique sobre eles, eles também realizam suas próprias atividades e se movimentam pelos cenários, transmitindo assim uma maior realidade aos acontecimentos desenvolvidos.

A jogabilidade passa então a depender justamente de sua percepção sobre o que te cerca e sua interação com cada uma dessas coisas. É preciso entender o cenário, os elementos e os personagens, montando e decifrando o quebra cabeça apresentado na narrativa. Desta forma, o point and click é uma forma interessante para explorar e investigar os cenários e pessoas espalhados pelos ambientes em duas dimensões.

David Gibbons desenhou o “simplório” Watchmen

Ao entrarmos no campo de cenários e ambientação, é primordial enaltecermos o trabalho de produção desenvolvido pela equipe da Revolution Software, que além dos méritos de escolhas visuais tomadas, foi responsável por trazer o desenhista David Gibbons para trabalhar na sequência animada de introdução do jogo, e também para desenhar os cenários de fundo em que o game se desenvolve. A título de curiosidade, Gibbons é um desenhista inglês que criou carreira na indústria de quadrinhos norte-americanos, trabalhando para a empresa DC Comics na década de 1980, onde desenhou, dentre muitas coisas, Watchmen, obra seminal do gênero de quadrinhos de super-heróis. No jogo, o inglês toma como referência as principais obras de ficção científica, tanto no campo literário, quanto no audiovisual, para desenhar o mundo de Union City, cidade onde se passa a história.

De 1984 a Neuromancer, o produto que mais influencia Gibbons e a equipe da Revolution Software é Blade Runner. Os cenários apresentados são muito semelhantes ao filme de Riddley Scott e o próprio Robert Foster, personagem principal do jogo, tem muito da personalidade de Rick Dickerd.

Foster é um sobrevivente de um acidente de helicóptero que matou sua mãe, tendo sido criado por uma tribo indígena que lhe ensinou princípios e valores. O personagem, já adulto, é abordado por uma equipe de busca da cidade de Union City, que dizima toda sua aldeia, familiares e amigos, sequestrando e levando Robert para o centro urbano.

Union City majestosa em seus tons de vermelho e preto

Union City é tida no jogo como a cidade do futuro. Seus prédios são arranha céus gigantescos, os veículo flutuam e se deslocam rapidamente de um ponto ao outro e a tecnologia avançou a ponto de uma inteligência artificial chamada LINC comandar o sistema social da cidade.Tudo isso ocorre em uma Terra extremamente debilitada pela poluição e radiação. Ao investigarmos mais a fundo o que acontece em Union City, descobrimos que LINC rege um Estado de ordem totalitário, sem representação operária e com uma população que vive de forma miserável e sem direitos sociais.

A crítica ao mundo urbano é bem latente na narrativa se levarmos em consideração que o personagem só é quem é por ter sido criado afastado do grande centro. A busca pelo conhecimento tecnológico e o avanço imediato sem temer futuras consequências também está bem presente como ponto central para o definhamento de Union City.

Robert e o, muito camarada, robozinho Joey

O título é limitado pelas impossibilidades da época e carece de uma dinâmica maior. A movimentação é muito lenta, os personagens na maioria das vezes só estão presentes para oferecer respostas e a própria trama poderia ter sido mais explorada, visto que sua premissa é bem interessante e suas referências são muito relevantes. Por outro lado, o jogo nos apresenta uma das dinâmicas mais legais entre protagonista e sidekick da história dos video games. Foster é auxiliado pelo robozinho Joey, marcado por sua personalidade ácida, pessimista e sarcástica. A personalidade de Joey pode ser transferida para outros robôs e dispositivos eletrônicos presentes pelo cenário e suas reações aos novos corpos em que passa a agir sãos sempre muito divertidas. A relação entre Joey e Robert é o ponto alto do game e somente juntos os dois podem entender o que se passa na cidade e o real propósito do sequestro de Robert.

Chegamos então à uma última questão: vale a pena jogar um jogo de 1994 em 2016? A resposta é: depende. Não indico Beneath a Steel Sky para os que estão acostumados aos jogos cinematográficos e corridos de hoje. O point and click e a narrativa da história são cadenciados e por vezes lentos. A ideia aqui é contemplar, observar e investigar; questionar, abordar e perguntar; ser, agir e entender. Sendo assim, se você está acostumado com jogos mais recentes, talvez este jogo não lhe agrade, mas se você gosta de point and click e gosta de um interessante quebra cabeça sci-fi cyberpunk, vale o risco.

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