Quando a Experiência vira Commodity e a Commodity vira Experiência

Harold Schultz Neto
Metanoia Hacking
Published in
6 min readJan 27, 2016

Vivemos na Era das Experiências. Buscamos momentos transformadores e que marquem nossas vidas! Muitos teóricos têm estudo este tema, mas o que demonstrou da melhor maneira esta idéia foi Joseph Pine. Em um TED Talk viral, o economista norte-americano apresentou sua proposta de evolução do desejo do cliente. Segundo ele há muito tempo atrás o que era importante no mercado eram as matérias-primas ou Commodities (grãos, minérios etc), porém com a revolução industrial o valor passou a ser dos Produtos, com os produtos tornando-se cada vez mais parecidos no século XX passamos a dar maior percepção de valor aos Serviços, que no final do século passado também se igualaram e então passamos a buscar experiências.

Acho maravilhoso este conceito e tenho aplicado em todos os meus clientes, porém comecei a incomodar-me com o fato de que a própria teoria do Pine se “comoditizou”, já que ninguém consegue dar diferentes exemplos além daquele que ele mesmo deu em sua palestra, mais ou menos assim: “Existe o grão de café (commodity) que é embalado e disponibilizado nos mercados (produto), depois é servido em uma xícara (serviço) ou você o compra numa bela loja da Starbucks (experiência).

Hoje gostaria de trazer nova luz à esta teoria com o exemplo de dois momentos que vivi no sábado.

À noite fui em uma formatura, o rito oficial de passagem do jovem para a vida adulta. Foi aquela velha fórmula de sempre, 2h depois do horário marcado um Mestre de Cerimônias se achando o Marco Luque num Stand Up Comedy faz a apresentação do curso e chama cada um dos formandos, que entram ao som de sua música preferida. Depois de apresentados dançam 2 valsas, uma com o pai e outra com o acompanhante. É então que o DJ começa a chamar o povo para a pista tocando As 7 melhores da Jovem Pan e quando a pista está quase cheia a banda entra com o sertanejo do momento, aí lotou a pista. O repertório muda quase nada, passamos pelo carnaval da Bahia, voltamos ao sertanejo e ai começam os clássicos internacionais (normalmente fica entre I Want to Break Free, YMCA, Satisfaction, Twist and Shout), voltamos ao Brasil agora da década de 70 e 80, homenagem aos já falecidos como mamonas e legião e terminamos num rock! Lembra-me inúmeras outras festas.

Mas as coincidências não param na música, na verdade estão apenas começando. As bebidas trazidas pelos formandos são sempre destilados, energéticos e espumante, água não, água você tem que pagar por que o objetivo é ir embora torto, não hidratado. Até a planta baixa dos espaços de formatura são as mesmas, um grande vão no centro, mezanino em forma de U no contorno do ambiente, as mesas normalmente ficam nos cantos para maximizar o espaço da pista. Porém a maior fonte de comoditização é a indumentária masculina, todos de terno e sapatos pretos, prontos para um velório ao invés de uma festa, parece que não aprenderam que os coringas do guarda-roupa masculino são o terno azul-marinho e o sapato marrom.

O resultado é sempre o mesmo, galera breaca, com chapéus coloridos ridículos, dançando de maneira hilária. Os jovens devem sair dali e ir para o Motel, os pais vão para casa (por que não conseguimos imaginar pais indo para o Motel) e as vovós, ah essas já foram para casa antes mesmo da banda entrar!

Enfim uma velha repetição de fórmula, até parece uma análise de filmes baseados na Jornada do Héroi, mudam-se somente os nomes dos personagens, os acontecimentos e resultados são sempre o mesmo (caso queira aprofundar nesta análise compare Matrix com Avatar).

No entanto falei que foram 2 momentos, o segundo foi a tarde, um passeio em um parque, na verdade um dos 30 parques oficiais de Curitiba chamado Bosque Alemão.

Começamos o passeio no topo do bosque, com uma linda vista extremamente arborizada da cidade e no fundo contemplamos um dos símbolos do capitalismo, arranha-céus. Logo no começo da trilha nos deparamos com placas que contam a história de um clássico da literatura infantil alemã, Joãozinho e Maria. O pequeno telhado que protege as placas é no formato do chapéu da bruxa!

Em pouco menos da metade da trilha chegamos ao ápice do passeio, a Casa Encantada, onde a bruxa realmente mora. Mas não é uma mera casa de bruxa, é também uma das bibliotecas que fazem parte do programa Farol do Saber.

Em 3 horários diferentes temos o grande momento do dia, quando a bruxa fará sua aparição e contará uma bela história aos pequeninos. As crianças fazem uma roda em torno da lareira e esperam apreensivamente pela bruxa, algumas tremem, outras estão pálidas até que a secretária da bruxa anuncia “Fiquem tranquilos a bruxa que mora aqui é do bem, muito desastrada e o seu cabelo é horrível, mas se ela perguntar elogiem!” Ufa, alivio geral! Agora elas não vêem a hora da bruxa aparecer.

Logo ela chega, cabelo revirado, desajeitada mas rapidamente conquista a criançada com sua magia e bom humor. E assim entramos no mundo da fantasia escutando-a contar uma fábula alemã, Os Músicos de Bremen dos Irmãos Grimm, transformamos nossos dedos em árvores e nossas mãos em casinhas e descobrimos que apesar de nunca chegarem a Bremen os animais acabaram se unindo e morando numa bela casa na floresta. Porém o auge de toda magia não é a história e sim o rito de passagem para um nível mais elevado da infância, um onde crianças corajosas e determinadas largarão suas mamadeiras e chupetas jogando-as no caldeirão da bruxa, que mais tarde fará um encantamento e elas nunca mais irão pedir esses objetos de neném. Neste momento uma delas leva os adultos ao delírio ao dar seu ultimo beijo antes de largar a chupeta para sempre! A fila para o carimbo na mão que prova seu encontro com a bruxa e é o fim da casa encantada, porém é ainda metade da trilha onde continuamos a descobrir o destino de Hansel und Gretel (no original e também dos Irmãos Grimm que obviamente são alemães), que após presos conseguem escapar das garras da bruxa má. Com este final feliz chegamos à um portal lindamente florido e naquele dia com um espetacular céu azul, o que eleva esta experiência ao status de obrigatória em Curitiba (juntamente com o Coletivo Alimentar e o restaurante Manu).

Então isso significa que não gostei da formatura e nunca mais quero ser convidado à nenhuma? Obvio que não, foi um momento maravilhoso, estava cercado de bons amigos, diverti-me muito, dancei bastante, ri demais, uma noite incrível, só não mudou a minha vida e não foi surpreendente, e é aí que mora a diferença.

O que deveria ser um momento único na vida do jovem, significando uma passagem tão maravilhosa rumo à vida adulta tem se tornado corriqueiro e repetitivo na vida de milhares deles que se formam todo semestre no Brasil. O que poderia ter sido mais um passeio no parque com arvores, lago e trilhas asfálticas, transformou-se numa aula de storytelling, imaginação, cultura e um feliz retorno à infância.

Por mais experiências e menos fórmulas!

PS: caso queira saber mais sobre alguns dos temas abordados aqui segue uma pequena lista.

https://www.ted.com/talks/joseph_pine_on_what_consumers_want

http://awebic.com/pessoas/a-ciencia-do-porque-voce-deve-gastar-seu-dinheiro-em-experiencias-e-nao-com-coisas/

http://viverdeblog.com/jornada-do-heroi/

https://en.wikipedia.org/wiki/Town_Musicians_of_Bremen

https://en.wikipedia.org/wiki/Hansel_and_Gretel

http://www.gazetadopovo.com.br/bomgourmet/conheca-o-coletivo-alimentar-curitiba/

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