Avenida Assis Ribeiro na altura da Estação Engenheiro Goulart das linhas 12-Safira (Brás-Calmon Viana) e 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto Guarulhos)

Não há uma resposta simples para a mobilidade na Zona Leste de São Paulo

O comportamento do território tem grande impacto na mobilidade. Resolver problemas de mobilidade exige resolver outros muitos problemas presentes no território

COMMU
Metropolização em Debate
6 min readJan 6, 2019

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No último domingo, 06/01/2019, um leitor fez uma intrigante pergunta numa publicação do COMMU no Facebook:

Será que algum dia o problema de mobilidade da ZL será resolvido? Outras áreas da cidade precisam de transporte rápido sobre trilhos e não dão a mesma atenção!

Como mencionado em uma reportagem do Portal G1, a Zona Leste da capital “reúne quase 4 milhões de habitantes, mais do que países como o Uruguai, com 3,5 milhões”. Uma metáfora envolvendo este número tão expressivo chegou a ser utilizada pelo ex-prefeito Fernando Haddad, que opinou que não basta apenas investir em transporte público, como podemos ver em dois parágrafos de uma reportagem do Portal R7:

Na opinião de Haddad, é preciso fugir da ideia de que apenas investimento de transporte público poderá resolver o problema da mobilidade urbana em São Paulo. O prefeito defende um modelo que pregue o crescimento da capital de maneira descentralizada, ao longo das grandes vias espalhadas pelas diferentes regiões da cidade.

— Hoje transportamos um Uruguai por dia em 15 quilômetros de distância. Então não há possibilidade disso dar certo, não terá transporte público suficiente para transportar três milhões de pessoas, da zona sul e da zona leste, por 15 quilômetros. O restante da população mora mais perto (do trabalho), mas se não tiver a descentralização, uma cidade policêntrica do ponto de vista de oportunidades de emprego, você não vai equilibrar a cidade no que diz respeito aos seus fluxos de riqueza, renda, oportunidades, etc.

Naquela gestão, a expectativa era conseguir tirar grandes operações urbanas do papel, todas envolvendo três rios: Verde-Jacu, Tamanduateí e Tietê. Com a mudança de gestão, as operações perderam força, principalmente a maior delas, chamada de Arco Tietê, na verdade, apenas a Operação Urbana Consorciada Bairros do Tamanduateí sobreviveu.

Sem as operações urbanas ligadas às zonas Leste e Sudeste e, permitindo ataques ao Plano Diretor Estratégico, São Paulo mais uma vez apequenou a busca de soluções em maior escala. Operações urbanas, cabe salientar, não estão livres de polêmicas. A expressão consorciada geralmente diz respeito a um modelo com forte participação da iniciativa privada e na qual parte do lucro capturado pelo poder público (algo feito por meio de venda de potencial construtivo adicional) só pode ser gasto no perímetro da própria operação urbana. Traduzindo: o privado paga mais para construir mais, no entanto, o poder público fica com um dinheiro que vai beneficiar o mesmo privado, ao ser revertido em melhorias para o perímetro urbano que possui os empreendimentos. Esta característica delicada e conflituosa pode ser resumida no seguinte fragmento de um artigo do ObservaSP:

Muito já foi escrito sobre as experiências de implementação deste instrumento. Grande parte das críticas acadêmicas admite a dificuldade de promoção de interesses públicos de forma prioritária. As Operações Urbanas parecem estar sempre sujeitas à lógica de determinados interesses privados — especialmente do capital imobiliário e financeiro –, reforçando a concentração de investimentos e infraestruturas, e a supervalorização de algumas regiões da cidade.

Há ainda sempre a preocupação com contrapartidas sociais que geralmente não saem do papel, como unidades habitacionais para a população mais vulnerável, que tende a ser expulsa com a valorização do preço da terra. A Operação Urbana Consorciada Água Branca, por exemplo, é um exemplo notável: prevê usar 22% dos recursos em habitações sociais, porém, não apresenta um plano a respeito. O mesmo artigo do ObservaSP aponta que “a lei da Operação não reconhece todas condições de necessidade habitacional, sequer todas as favelas já mapeadas pela Secretaria Municipal de Habitação”, mais preocupante ainda é que, aprofundando a leitura no artigo, fica flagrante o subdimensionamento do número de unidades que seriam construídas: apenas 5 mil.

É claro que a Zona Leste precisava e continua a precisar de infraestrutura adicional, como é o caso do eixo atendido pela Linha 15-Prata (atualmente Vila Prudente-Vila União), que se insere diante de um sistema viário acanhado, moradias auto-construídas e processos de loteamento no mínimo questionáveis, no entanto, Haddad estava certo: só transporte público não basta! É preciso ter um equilíbrio entre oferta de infraestrutura e desenvolvimento do território e das condições de vida de seus habitantes. Como as linhas de trilhos são predominantemente radiais, assim como o sistema viário de maior capacidade, a Zona Leste acaba ficando relativamente bem conectada com o Centro, numa relação hierárquica que pode ter criado especialização funcional. Sistemas perimetrais de menor capacidade, como linhas de VLT, poderiam ajudar a costurar corredores de desenvolvimento no sentido norte-sul, conectados às linhas radiais existentes. Já há esboços interessantes, com destaque para a Linha 14-Ônix e o o Corredor BRT Metropolitano Perimetral Leste:

Se os esboços sairão do papel, só o tempo e a pressão popular (que tem sido incipiente, já que a maioria das pessoas estão presas a uma realidade que as drena e drena também seu tempo livre) poderão dizer, no entanto, de forma análoga ao que aconteceu no passado, será preciso (re)construir estações para permitir a conexão adequada, como é o caso da Estação Ipiranga, que tem problemas sérios de drenagem e cuja infraestrutura é da década de 1960.

A Zona Leste é antiga. O principal corredor ferroviário é centenário, embora uma série de intervenções com vistas à renovação, ampliação e modernização tenham sido feitas, incluindo variantes. Ainda assim, o antigo tronco da Estrada de Ferro Central do Brasil, que permitiu o surgimento da Linha 11-Coral da CPTM (Luz-Guaianazes-Estudantes) não teve a maior parte de seu traçado alterado.

Viajar ao longo da Linha 11 revela subutilização do potencial da própria linha, que acaba operando de forma pendular e atende centralidades que poderiam ser muito mais dinâmicas do que são atualmente. Na verdade, todo o eixo da linha também poderia abrigar mais pessoas e mais atividades do que abriga hoje e, se estas pessoas trabalhassem e morassem em localidades próximas, no mesmo eixo, nem mesmo precisariam utilizar os trens. É exatamente uma transformação tão positiva que as operações urbanas deveriam proporcionar, embora tenham fracassado. É exatamente uma transformação tão positiva que precisa ocorrer para que a mobilidade na Zona Leste seja sustentável.

E embora este artigo tenha versado especificamente sobre a Zona Leste, o mesmo se aplica a outras regiões. A Zona Sul também precisa ser reequilibrada, inclusive devido à presença de mananciais estratégicos; a Zona Norte também precisa de infraestrutura e de racionalização no uso do solo, pois a fragilidade geológica existente facilita a existência de desastres naturais, além disso, ameaça a existência da Serra da Cantareira.

O que é interessante no caso da Zona Leste, é que em vários pontos das cercanias das linhas da CPTM e da CMSP não são observados vazios urbanos significativos. A mancha urbana é praticamente contínua. Com a continuidade da mancha urbana, que facilita o fenômeno da conurbação, surgem também questões de ordem metropolitana, que exigem o diálogo entre múltiplos municípios e, supostamente, poderão ser articuladas pelo PDUI (Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado) da Emplasa. Se o desenvolvimento econômico de municípios como Ferraz de Vasconcelos, Suzano e Mogi das Cruzes estivesse mais fortemente orientado em torno do eixo da Linha 11, talvez a demanda seria mais equilibrada. É verdade que a pendularidade parece ter diminuído, no entanto, ainda é gritante a diferença nos horários de pico.

Sobre a questão dos investimentos, prefiro não arriscar uma comparação aqui, até porque ficaria muito subjetiva. É preciso avaliar o histórico de cada região e observar suas características, o que demanda tempo e uma boa metodologia para evitar distorções.

Finalizo apontando que resolver a mobilidade da Zona Leste é totalmente possível, desde que passemos a nutrir preocupação genuína com os planos e o uso e ocupação do solo. Precisamos apoiar bons planos diretores, apoiar o cumprimento da função social da propriedade e também instrumentos já disciplinados pelo Estatuto da Cidade, como a cobrança de IPTU progressivo.

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por Caio César

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