Depois da meia noite

Fabio Blanco
Meu ConTexto
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3 min readFeb 13, 2021
Foto de Joonas kääriäinen no Pexels

Quando criança eu costumava olhar mais para o céu… mas que porra eu perdi que me faz toda esta falta?… E tornei-me um babaca!…
Acho que perdi a minha inocência, tornei-me mais um destes boçais, que andam todos uniformizados pelas ruas, procurando por comodidade e por um amor perfeito que os remova desta idiotice generalizada… tornei-me pior que isso.
Certos eram aqueles dias de criança, as coisas tinham a simplicidade da despreocupação gentil, sem as dores de cabeça e demais preocupações, longe da hostilidade econômica que está sempre presente, ocupando um canto soturno e obscuro da mente adulta, sem as insônias de madrugadas altas, nem a crueldade dos relacionamentos da vida em sociedade.
Agora, sentado no cimento frio da calçada, escorado no muro de uma casa qualquer, sinto o calor da vida me abandonando em choques violentos pelo corpo, escorrendo pelos dedos, vazando por debaixo das unhas…
…Mas que diabos, acho que isto faz parte de outro delírio… a boca está seca… não, eu não sei o que sinto, há muito tempo que a razão me abandonou, acho que é por isso que estes pensamentos me vêm com tanta clareza.
Ao meu lado jaz, inerte, uma garrafa de conhaque… seca. Estou nu por dentro, e meus pensamentos se espalham pela calçada.
Lembro-me de uma noite com uma puta, dessas bem fuleiras, que eu peguei em alguma esquina, subiu no carro e fomos para uma estrada deserta.
Ela reclamou no começo, quis fazer escândalo… depois do quinto baseado, não encheu mais o saco, deitou-se no capô, a calcinha aos pés, suas nádegas estavam à vista debaixo de um esboço de mini-saia… disse que seu nome era Jussara.
Eu não via nada sob a parca iluminação dos faróis, apenas borrões, e a silhueta da garota. Encaixei-me sem nem saber que buraco acertara, apenas debrucei-me, parecia um porco em cópula, e acho que grunhia.
Próximos ao vidro e mesmo enganchados nos pára-brisas, os cabelos da rameira se espalhavam, ela gemia às vezes, seus olhos estavam semi-abertos, vermelhos, tinha um ar de indiferença, acho que nem sentia o que estava fazendo, mordi-lhe as carnes nas costas e ela gritou…
De repente me vejo de volta nesta rua escura e estou quase morto, agora sinto os olhos revirarem, o corpo se debate no chão e uma espuma branca transborda de minha boca… -eu tô fodido… fodido!-
As luzes das sirenes se esticam ante meus olhos e formam desenhos engraçados. Acho que se não tivesse perdido o controle do corpo, estaria rindo.
Alguém segura meus braços, sinto mãos me tateando. Olho e vejo um guarda. Ele me diz alguma coisa, que ouço como a voz distorcida de uma fita cassete rodando com velocidade reduzida num gravador antigo. Penetra no meu cérebro.
Lembro-me de minha mãe, eu era pequeno e ela me parecia um gigante, que eu via de baixo pra cima, inclinando completamente minha cabeça para traz, e me sentia seguro. Depois, lembro-me que devo uma grana pro preto, e que ele disse que ia me matar, penso como seria legal fumar um baseado, ficar um pouco amuado e assistir televisão até dormir.
Por um instante eu não sinto mais nada, levanto-me e vejo o meu corpo estirado no chão, formou platéia pra assistir. Do outro lado da rua, vejo uma criança jogando bola, e penso em como seria bom voltar a ser criança, mas perdi os sentidos e já passa da meia noite.

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Fabio Blanco
Meu ConTexto

I’m a software engineer, musician, woodworker and casual writer.