Do Arraial do Porto do Armazém ao povoado de Entremontes

Notas Históricas e Genealógicas — Edição 6–2017

por: Maria Graças Feitosa Alves

Rio de São Francisco em frente a Entremontes — Alagoas — Brasil

Porto do Armazém

Entre as antigas vilas, e hoje cidades alagoanas de Pão de Açúcar e Piranhas, ribeirinhas do São Francisco, na altura da antiga légua 342 do majestoso rio, na barra da ribeira do Capiá (anteriormente ribeira dos Cabaços ou do Armazém), defronte de um grande serro de pedras vermelhas e lascadas, num de seus pontos de maior beleza natural, está edificado sobre uma restinga de cascalhos, aos pés dos morros imediatamente atrás, em terras de pouca planície, e abafada entre montes, o arraial pequeno e de pouca importância desde sempre, o hoje povoado de Entremontes. [1]

A ribeira do Capiá não é perene, seu leito só surge por ocasião das grandes chuvas de janeiro que abastecem as suas nascentes que ficam para o Norte, nos limites de Alagoas com Pernambuco. No entanto, sendo um afluente do São Francisco, foi um fator importante da natureza para desenvolver o povoamento daquele sertão, já que diversos criadores de gado e agricultores se estabeleceram ali, ao longo dos anos e de seu curso.

Barra do Armazém ou dos Cabaços

Já as terras das margens baixas do rio São Francisco, pela facilidade do acesso fluvial, foram sempre de uma grande vantagem aos ribeirinhos e sertanejos, e por isso, acharam os antigos, que antes do encontro dos dois rios, aproveitando um grande rochedo que se projeta para dentro do rio, e que serve de encosta para as embarcações, fosse este o local entre montes, o propício, e o escolhido para um porto onde;

os barcos, canoas e até as chatas ancoravam”, na faina de carrego e descarrego de “mercadorias e produtos do lugar e das diversas partes da província de Alagoas e do Brasil, e até do exterior”. [2]

Os Alves Feitosa

De antiquíssima passagem por Penedo e pelo Rio São Francisco, e que dali partiram para todo o Nordeste[3], e os “Gomes de Sá”, descendentes de David Gomes de Sá, o irmão do Capitão-mor Antonio Gomes de Sá, que foi procurador da opulenta e poderosa Casa da Torre, de Garcia D’Ávila, e Comandante Geral da Capitania de São Francisco, chegaram à região por volta do fim do século XVII e o princípio do séc. XVIII. Assim estes seriam alem de grandes criadores de gado, os primitivos proprietários das terras da região do futuro Porto do Armazém.

A vila, hoje cidade da Mata Grande, por sua vez, era então, o povoado mais próximo e importante, como freguesia, e sede da comarca. Sem ser ribeirinha, (está estabelecida já no alto sertão), em agradável serra, bem servida de nascentes e fontes de água. Era das mais antigas vilas da região e lá era o local onde vivia a família Brandão.

Os Brandões

Não sabemos as origens dos Brandões, antes de estabelecidos na Mata Grande. Indícios há que seriam oriundos de Sergipe.

Mas antes, ainda no século XVIII, já existiam em Pernambuco os mais antigos deste apelido; o capitão Antonio Malheiros Brandão, natural de Braga, que teve muitos bens e outras fazendas de gados, e era nobre, no dizer de Borges da Fonseca. Serviu a câmara de Goiana, e casou com Dona Ana de Lima.[4] E também Francisco Malheiros Brandão, senhor de uma sesmaria que requereu em 1680, e que

“começava das cabeceiras do “Rio-Grande”, ente norte e sul, prolongando-se pelo oeste entre os rio Pajeu e o riacho Panema Grande, confrontando com terras do coronel Francisco Dias da Silva”. [5]

Na Mata Grande os primeiros que lá encontramos são os que procedem de Antonio Manuel de Jesus (Brandão) e Josefa Maria de Assunção, casal tronco de uma muito extensa família sertaneja, que inclui também um ramo notável em Viçosa.

Anacleto de Jesus Maria Brandão era um dos filhos do casal. Ele nasceu em 13 de julho de 1798 na Mata Grande e casou em 24 de novembro de 1810, na Capela da Mata Grande, então filial da freguesia de Tacaratú (PE), com dona Maria Francisca da Conceição, filha do português Manoel Ivo dos Anjos e Alexandrina Maria. Tiveram de acordo com seu testamento, somente filhos homens.

No ano de 1841 ele teria adquirido terras junto ao referido porto da margem do Rio São Francisco, na altura da légua 342, e para ali se transfere com a família, em busca de um melhor local para comercializar suas mercadorias. O chefe da família já tinha idade, mas os filhos eram todos ainda jovens. Eles aí já encontram algumas casas, e constroem para guardar as mercadorias um armazém, que passa a denominar o novo local; o Porto do Armazém.

O Tenente Coronel Anacleto Brandão, com “gênio lidador e incansável”, impulsionou o progresso do lugar, construindo outras casas. Terminou com um seu filho, o padre Mathias, e mais alguns donativos dos outros filhos, e alguns particulares, a grande e elegante capela de Nossa Senhora da Conceição, (que em seu modesto início, o templo foi uma promessa de um devoto restabelecido do cólera-morbo) e o cemitério do arraial. Por decreto de 1866 foi nomeado Tenente Coronel Chefe de Estado do Comando Superior da Guarda Nacional. Ele encaminhou bem três dos seus filhos nos estudos, um foi médico, outro padre e outro advogado. Ele foi grande fazendeiro, proprietário de muitas terras, e possuía uma movimentada casa comercial, exportadora de couros, solas e peles, que depois de sua morte foi comandada por seu filho solteiro, o Major Francisco Henrique Brandão.

No ano de 1859, no dia 22 de outubro, as 3.1/2 horas da tarde, Anacleto Brandão recepcionou para um rápido jantar em sua casa, o Imperador Dom Pedro II, que pelo Rio São Francisco voltava da visita que fizera a cachoeira de Paulo Afonso. O imperador anotaria em seu diário pessoal, que no povoado

Pão de Açúcar recebe o Imperador Dom Pedro II e sua comitiva

“jantamos aí na casa de um (sic) Anacleto Brandão cuja família é quase tudo nesta povoação, sendo um dos filhos o capelão, outro o médico, e o outro oficial da Guarda Nacional, tendo agora o médico pedido 50$000 por dia ao Presidente da Província para cuidar dos doentes de Piranhas de Baixo, e as quatro (horas) fomos ver a capela…”.[6]

Por esta acolhida ao Imperador, ele foi condecorado com a Ordem da Rosa. A visita durou somente cerca de uma hora e meia em Entremontes, já que ás 17 horas da mesma tarde, largou o vapor Pirajá, com Dom Pedro II a bordo, que pernoitou em Pão de Açúcar. Um dos jornalistas que acompanhou o Imperador informaria também, que ali em Entremontes,

“predominava uma família cujos oitos membros se auxiliavam reciprocamente, cada um com uma profissão diversa”. [7]

Falecido em 30 de janeiro de 1871, o velho patriarca Anacleto Brandão, “com fama de muito honrado e de bom pai de família”, foi sepultado no altar mor da capela, a mesma que construiu erguida por detrás das casas do arraial, e com a fachada virada para o rio.[8] Na época quando faleceu, o povoado que em 1841 contava 46 casas, já alcançava mais de 100 casas, sendo a dele assobradada. Habitavam ali no arraial, mais de 300 pessoas, e dentre estes, muitos eram seus parentes. O local já possuía escola de primeiras letras para meninos, e outras casas de comércio, que

“prosperavam entretendo comunicações com os povoados vizinhos, e fazendo suas provisões no Penedo e principalmente na Bahia”. [9]

Entretanto, o Imperador anotaria também em seu diário, que a loja de seu hospedeiro, rendia por ano entre 300 e 400 contos, e que o comercio local era menor do que o de Piranhas.

Boa parte destes moradores de Entremontes procedia também da vila da Mata Grande. Dentre estes podemos lembrar as famílias de Manoel Martins Lisboa e Clara Maria da Luz, Manuel de Aragão, Eufrásio Jose de Moraes e Maria Rosa dos Prazeres (Brandão e Veiga), Manoel Inocêncio e Caetano Donato da Veiga, Caetano de Sá e Brígida Inácia, Pedro Antonio de Jesus e Joana Vieira, Antonio Fernandes Bezerra, Manoel Cipriano de Sá e Jacinta Maria da Soledade, Francisco Manoel da Veiga e Maria Rodrigues da Soledade, Bento Rodrigues Delgado e Ana Teresa de Jesus (Brandão), Manoel Felipe Santiago e também o alfaiate do Anacleto e do povoado, Alexandre Torquato de Carvalho.

Certamente estariam alguns destes casais e familiares, no meio do povo que com o maior entusiasmo de manifestou, no dia 18 de outubro, correndo pela margem do rio, a saudar com vivas e foguetes, quando as 10 ¼ da manhã, passou defronte da vila, o vapor Pirajá a conduzir o Imperador Dom Pedro II, na ida da memorável visita acima referida. Notou o próprio Dom Pedro II, que mulheres dessas paragens, usavam camisas de crivo. E notaram os outros viajantes, que os homens da região do Rio São Francisco eram todos de estatura de regular, mas que as mulheres do sertão, de Penedo para cima, com a

“exceção de uma ou outra senhora mais distinta, as filhas daquelas paragens usam exclusivamente de xales vermelhos, de sorte que apinhadas nas praias a saudarem o monarca ou correndo sobre os rochedos para virem encontra-lo simulavam listras movediças de púrpura que se estendiam”. [10]

Entremontes

Os filhos do velho Anacleto, também foram agricultores na região, e grandes proprietários de terras e gados. Dentre estes, até o Padre Mathias José de Santana Brandão foi também senhor de grandes extensões de terras. Nascido em 1821 ele faleceu em 1869, sendo sepultado na capela, ao lado dos pais.

Porem, muito antes de morrer, em 20 de janeiro de 1858, quase dois anos antes do Imperador passar pelo povoado, o padre Mathias Brandão levou ao registro paroquial,[11] as suas terras: uma propriedade chamada de Entremontes, que houve por compra a Elias José da Fonseca, jogando por terra a lenda muito mal contada, e que é aqui transcrita exatamente conforme corre de forma incorreta, entre os descendentes do Coronel Anacleto de Jesus Maria Brandão e o povo da região:

Registra a historia oral, transmitida de geração para geração, que o nome dado ao vilarejo foi uma homenagem feita por Dom Pedro II quando por lá passou, em demanda a Paulo Afonso. Ele achou o lugarejo muito bonito por estar encravado entre montes, tendo o rio a separar Alagoas e Sergipe. Ordenou então que fosse registrado o fato de que a partir daquela data, o lugarejo seria batizado de Entre os Montes, que hoje é Entremontes, pertencente ao município de Piranhas”. [12]

CONCLUSÃO

Esperamos assim, além de termos lembrado a história da pitoresca Entremontes, seu morador principal e alguns de seus vizinhos, termos contribuído para desmitificar a lenda de que teria sido o Imperador, quem batizou e alterou o nome do antigo Porto do Armazém.

Até a próxima.

Maria das Graças Alves.

Referências

[1] HALFELD, Fernando. Relatório Concernente à Exploração do Rio de S. Francisco, desde a Cachoeira de Pirapora até o Oceano Atlântico. In Atlas e Relatório Concernente à Exploração do Rio de S. Francisco, desde a Cachoeira de Pirapora até o Oceano Atlântico durante os anos de 1852 a 1854. Rio de Janeiro.

[2] SILVA, José Calixto da. Manuscrito Inédito sobre a Família Brandão. Gentileza de Etevaldo Amorim.

[3] MACEDO, Heitor Feitosa. Família Feitosa: Origem.

[4] BORGES DA FONSECA, Nobiliarquia Pernambucana.

[5] Plataforma Silb: http://silb.cchla.ufrn.br/ (sesmarias)

[6] D. Pedro II — Diário da Viagem ao Rio São Francisco, Anuário do Museu Imperial, 1949.

[7] Silva, José Vieira de carvalho e , Memórias da Viagem de S.S. M.M. I.I., Revista do IHGB Tomo 22–1859.

[8] Brandão, Agostinho de Neville. Genealogia da família. Manuscrito Inédito. 1859.

[9] Silva, José Vieira de carvalho e , Memórias da Viagem de S.S. M.M. I.I., Revista do IHGB Tomo 22–1859.

[10] Silva, José Vieira de carvalho e , Memórias da Viagem de S.S. M.M. I.I., Revista do IHGB Tomo 22–1859.

[11] Registro Paroquial de Terras — Pão de Açúcar. 1857.

[12] Dias, Maria das Graças Ataíde. Na Correnteza do Rio, Ideia — João Pessoa, 2008, pg.19.

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Eduardo Padilha dos Santos
Meu Legado - Genealogia Comprovada

Product Manager na Venture Negócios — Construindo a nova Era Digital | Data Science | Openbank | Python | Big Data). https://www.linkedin.com/in/eduardo-padilha