A evolução do Southampton sob Hasenhüttl
Do 0x9 contra o Leicester, maior goleada da história da Premier League, à sensação da competição. A evolução dos Saints nas mãos do técnico austríaco
No dia 5 de dezembro de 2018, Ralph Hasenhüttl chegou ao Reino Unido para comandar o Southampton. Seu antecessor, Mark Hughes, deixou o time na 18ª colocação, com baixíssimas expectativas para o restante da temporada.
Como chegou na metade do campeonato — seu primeiro jogo foi na 16º rodada -, não teve tempo para implementar sua filosofia que fez sucesso em dois anos de RB Leipzig. Mas mesmo com todas as limitações do elenco, terminou a temporada 2018/19 na 16ª colocação.
Depois de alcançar o objetivo da permanência, o Southampton tinha que buscar o próximo passo: evoluir. Para isso, chegaram dois jogadores cruciais para o sucesso atual do time, Che Adams (veio do Birmingham) e Danny Ings (veio do Liverpool).
“Quando eu estava vindo para cá, o mais importante era manter o time na liga. Conseguimos isso e na temporada seguinte, depois de um começo difícil, acabamos na 11ª posição, então pudemos ver o progresso, mas ainda tivemos momentos na temporada em que jogamos péssimo”, confessou Hasenhüttl para o site do Southampton.
A temporada 2019/20 não foi fácil, o time ainda estava em processo de transição e oscilou bastante no início. Perderam os dois primeiros jogos para Burnley e Liverpool, conseguiram bons resultados nas três partidas seguintes, mas depois ficaram 8 jogos sem vencer.
Entretanto, o maior baque da temporada foi a derrota no St. Mary’s Stadium por 0x9 para o Leicester, no dia 25 de outubro de 2019.
Poucas diretorias no mundo manteriam o técnico depois de uma sonora goleada em casa. Felizmente, a do Southampton acreditou no projeto a longo prazo. E essa série de resultados terríveis, acendeu o alerta nos jogadores e comissão técnica.
No mês seguinte, veio a Data FIFA. Com a pausa, os jogadores tiveram tempo para treinar e Hasenhüttl conseguiu, finalmente, alinhar sua filosofia tática. Quando o campeonato voltou, parecia ser outro time e o divisor de águas foi o jogo contra o Arsenal, no dia 23 de novembro, no Emirates.
Foi a primeira vez que os Saints tiveram êxito com a formação 4–2–2–2 (uma variação do tradicional 4–4–2). Ainda que Lacazette tenha marcado o gol do empate aos 51 minutos do segundo tempo, o Southampton finalizou 21 vezes, contra 12 do time da casa, e teve uma atuação de gala.
Apesar do ânimo após a Data FIFA, o time continuou oscilando. E em março veio mais uma pausa, dessa vez maior. A pandemia forçou a parada do campeonato, dando a Hasenhüttl outra chance para contornar a queda de rendimento e realinhar a sua ideia de jogo com os jogadores.
O foco durante o lockdown passou por duas frentes necessárias para o sistema: tornar a pressão constante e criar mais quando o time está com a bola.
Sem a bola
A diferença para o 4–4–2 tradicional é que nesse esquema os meias avançados não ficam abertos. Armstrong e Redmond (ou Djenepo), fecham um retângulo na faixa central do campo — alinhados verticalmente com os dois volantes e a dupla de ataque -, o que dá liberdade para os laterais subirem para auxiliarem na pressão.
O apelido “Klopp austríaco”, dado por algumas manchetes inglesas ao Ralph Hasenhüttl, faz sentido quando vemos o Gegenpressing aplicado pelos Saints.
Em resumo, o time faz pressão alta visando roubar a bola mais perto da área adversária. Assim entra a importância de Ings e Adams, que comentei anteriormente.
Dependendo de qual meio campo está com a bola, um dos atacantes (Che Adams, no exemplo) começa a pressionar e os companheiros do meio (Djepeno) se posicionam para fechar as linhas de passe. Assim como um dos laterais (Stephens) sobe para marcar o ponta.
Ao fazerem isso, eles forçam o erro do adversário em virar o jogo ou passar a bola para trás para os zagueiros e/ou goleiro. Uma vez que a linha inicial foi quebrada, os Saints podem se manter compactos em bloco médio e fechando os espaços na faixa central.
Segundo o Who Scored, o Southampton é o terceiro time que mais desarma na Premier League 2020/21, com 19 desarmes por jogo, atrás de Everton (19.3) e Leeds (21). Sendo Oriol Romeu quem mais rouba a bola, 3.8 vezes por jogo.
Com a bola
A saída de bola do Southampton começa com os zagueiros, principalmente pelos pés do Jannik Vestergaard. O dinamarquês tem qualidade para avançar conduzindo a bola e um bom passe longo para inversão para o lateral (Walker-Peters). Permitindo vencer a linha inicial de pressão.
No campo ofensivo, Hasenhüttl exige que seus jogadores populem a intermediária, espaço à frente da defesa adversária. Armstrong costuma flutuar nessa zona, buscando o passe para o atacante aberto ou quem está passando nas costas dos zagueiros.
Redmond, Djenepo e Walcott, normalmente são as opções mais abertas para receber a bola, driblar o marcador e entrar na grande área para passar ou chutar para o gol.
De acordo com o Who Scored, o Southampton é o time que mais usa a intermediária para criação, com 49% das ações nessa faixa. Nesse momento (12ª rodada) é o quinto clube com melhor média de gols por jogo (2), e Danny Ings está em décimo na artilharia da Premier League, com 6 gols.
Depois do lockdown, o Southampton venceu 3 das 4 primeiras partidas, incluindo uma vitória por 1x0 contra o Manchester City. Entre junho e julho, os Saints acumularam 18 pontos, o terceiro maior pontuador da liga nesse recorte — atrás somente dos dois grandes de Manchester.
Essa gana continuou para a temporada atual. Dos 10 primeiros jogos, venceram a metade, inclusive, após a vitória contra o Newcastle, foram momentaneamente líderes da Premier League — primeira vez desde 1988.
Hoje, depois de 12 rodadas, estão com 23 pontos e em 4º colocado atrás de Leicester, Liverpool e Tottenham. Comparando com a mesma época na temporada passada, estavam com 8 pontos e na zona de rebaixamento.
Embora tenha um elenco limitado, com opções de banco que não são do mesmo nível que os onze iniciais, o Southampton está colhendo os frutos da aposta na continuação de Hasenhüttl. E os torcedores podem esperar ainda mais melhorias e progresso sob o comando do austríaco.
“Aprendemos que é sempre bom perguntar-se se está tudo bem, porque é no sucesso que se comete os maiores erros. Não se incline para trás e não pense que tudo vai bem. A Premier League nunca é fácil e, quando ainda estamos focados e com vontade, não há razão para não termos sucesso no futuro”, declara Ralph Hasenhüttl.